Mãe, irmã e esposa
Pedro
J. Bondaczuk
A influência que
Carolina Augusta Xavier de Novaes teve na vida (e por consequência, na obra) de
Machado de Assis é inestimável. O casamento, que durou 35 anos e que só
terminou com a morte da esposa, aos 70 anos de idade, só fez bem, e em todos os
sentidos, ao escritor. Convenhamos, nem sempre isso acontece, sobretudo se o
casal não tem filhos. E este não teve nenhum. Quase sempre, a rotina finda por
“envenenar” os mais promissores relacionamentos conjugais. A paixão se esvai, a
atração sexual esfria e se não for cultivada sólida amizade, não restará mais
nada, senão tédio e arrependimento. Aliás, isso nem é novidade para ninguém.
Notamos esse fato, a todo o momento, ao nosso redor. Há casos em que, embora a
indiferença se instale, os cônjuges se “toleram” pelo resto da vida. Em outros
tantos, contudo, não é raro uma das partes resolver “roer a corda” e partir para outra. Isso resulta em
separações, nem sempre consensuais ou tranqüilas. Nada disso, porém, foi o caso
de Machado de Assis.
O escritor só
“cresceu”, em todos os sentidos – como homem e como intelectual – na companhia
de Carolina. As informações que colhi, a esse propósito, às quais dou pleno
crédito, são as da enciclopédia eletrônica Wikipédia (em sua maioria) e num ou
noutro biógrafo do “Bruxo do Cosme Velho”. Coincidência ou não, Machado de
Assis “deslanchou” para o sucesso literário, para a fama e a imortalidade, só
após seu casamento. Foi quando viveu sua fase de plena maturidade literária, de
criatividade inigualável, de genialidade, enfim. Esta etapa tão fértil teve,
praticamente, a mesma duração do seu matrimônio. Tanto que “Esaú e Jacó”, um
dos seus mais perfeitos romances, foi publicado em 1904, o ano da morte de
Carolina. Foi escrito (e concluído), porém, antes dessa irreparável perda para
ele.
Pode-se argumentar que
o livro “Memorial de Ayres” foi publicado quatro anos depois que Carolina
morreu. E ninguém, em sã consciência, nega ou sequer remotamente contesta, a
qualidade desse romance. Aliás, esse livro foi publicado no mesmo ano da morte
de Machado de Assis, em 1908. Porém, sua produção literária, “pós-Carolina”, é
bastante escassa, mesmo que ainda genial. Afinal, como no caso de se andar de
bicicleta, ninguém desaprende, da noite para o dia, num piscar de olhos, de
escrever ou de fazer qualquer outra coisa que aprecie e que saiba fazer bem..
Muito menos um gênio, como o nosso maior escritor de todos os tempos (com todo
o respeito aos demais, que fizeram e que fazem a grandeza da Literatura
Brasileira).
O saudoso escritor
Moacyr Scliar, um dos maiores, mais meticulosos e mais argutos estudiosos da
vida e da obra de Machado de Assis, testemunhou, certa feita: “Sabe-se que o
casamento deles foi muito feliz”. Há, inclusive, consenso entre os biógrafos
machadianos a esse respeito. Mais que marido e mulher (ou além disso) os dois
eram amicíssimos, de um companheirismo admirável. Carolina era, para Machado de
Assis, simultaneamente, esposa, mãe, irmã, além de melhor amiga. E mais, era
uma espécie de secretária informal, de fonte de consulta, de revisora de seus
textos e de crítica. Era a primeira leitora daquilo que o marido escrevia, com
liberdade de apontar defeitos e contradições, corrigidos em tempo pelo
escritor. Isso não quer dizer que o casal nunca se desentendesse. Aliás, tenho
uma convicção pessoal a esse respeito. A de que um relacionamento conjugal
sadio tem sempre uma briguinha ou outra no caminho. Se não houver discordância
em nada entre o casal, o casamento é
doentio. A um dos dois cabe papel de
inferioridade, o que arruína, mesmo que demore, qualquer união conjugal. Claro
que as “brigas” têm que ser respeitosas e com escassíssima duração. E não
podem, de jeito algum, deixar ressentimentos em nenhuma das partes.
Scliar escreveu sobre a
interferência positiva de Carolina na atividade literária do marido: “Dizem que
ela corrigia os textos dele e contribuiu na transição do romantismo para o
realismo”. Isso, aliás, foi confirmado, em entrevista concedida em 2008 – ano
do centenário da morte de Machado de Assis –, por Ruth Leitão de Carvalho Lima.
Trata-se da sobrinha-neta (e sua única herdeira) de Carolina. Ela revelou que
sua parenta “frequentemente” retificava os textos do marido na sua ausência.
Isso não diminui em nada a genialidade de Machado de Assis. Muito pelo
contrário. Revela a humildade, característica dos verdadeiros gênios, que
aceitam reparos e correções quando quem os faz é habilitado a isso e quando os
convença que erraram.
Tenham em mente que,
naqueles tempos, na segunda metade do século XIX, toda redação, fosse de que
natureza fosse, era de próprio punho, na base de caneta (e não esferográfica,
que não existia e nem a tinteiro, que igualmente não havia sido inventada). A
máquina de escrever ainda era invenção bizarra, e não disponível para
jornalistas ou escritores. As retificações do que se escrevia – e quem escreve
sabe quantas vezes essa escrita tem que ser retificada, por todos os motivos
imagináveis, antes de se poder dá-la por
acabada– eram feitas riscando as palavras (ou sentenças, ou parágrafos) que se
queria modificar e escrevendo acima as devidas retificações. A cada correção, o
texto todo tinha que ser reescrito, do princípio ao fim, à espera de novas
mudanças, que invariavelmente eram necessárias, repetindo-se a reescrição
completa uma, duas, dez ou quantas vezes fosse necessária. Era um inferno!!.
Despendia-se um tempo enorme e muito, muitíssimo papel na tarefa. Haja
paciência! Nos escritos de Machado de Assis essa trabalheira toda, no entanto,
ficava a cargo de Carolina.
Já imaginaram se o
criador de Capitu dispusesse de um computador, mesmo que dos mais rústicos? E
nem suponho tanto. Já pensaram se contasse com a hoje arcaica e mera peça de
museu máquina de escrever?! Sua obra genial seria muitíssimo mais prolífica e
certamente ainda mais admirável do que é. Transcrevo este texto da enciclopédia
Wikipédia que resume bem a importância dessa mulher notável na vida do imortal
escritor: “Seu casamento com Carolina fez com que ela estimulasse seu lado
intelectual deficiente pelos poucos estudos a que tinha realizado na juventude
e trouxe-lhe a serenidade emocional que ele tanto precisava por ter saúde
frágil. As três heroínas de ‘Memorial de Ayres’ chamam-se Carmo, Rita e
Fidélia, o que estudiosos crêem representar três aspectos da Carolina: a ‘mãe’,
a ‘irmã’ e a ‘esposa’". Assino embaixo dessa lúcida “suposição”.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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