Tuesday, June 30, 2015

Imagens de um país contraditório



Pedro J. Bondaczuk


O Brasil é um país (parodiando o título de um livro famoso de Euclides da Cunha), de “contrastes e confrontos”. Trata-se de uma cultura ainda em formação, cujo processo está em franca “fermentação”, com aspectos comportamentais sumamente positivos misturados a outros bastante inquietadores.

As imagens do noticiário de TV do último feriado ressaltam, de maneira nítida e cristalina, essa contradição. Quem tenha assistido somente parte das notícias veiculadas pela televisão, no Dia da Criança, tende a tirar conclusões diametralmente opostas, dependendo daquilo que viu.

Se o telespectador pôde acompanhar, apenas, a guerra entre gangues rivais de funkeiros, de quatro horas de duração, nas praias de Ipanema, Copacabana, no Arpoador, e em Icaraí, Niterói, acompanhada dos já tristemente célebres arrastões, certamente deve ter balançado a cabeça, em desalento, e repetido aquilo que se tornou uma espécie de clichê: “este país não tem mais jeito!”

Porém, se viu as imagens do magnífico espetáculo de fé, em Aparecida do Norte, com mais de 150 mil fiéis rendendo homenagens, fazendo pedidos e pagando promessas à padroeira do Brasil, terá impressão muito diversa do caráter do brasileiro e das esperanças que ele ainda tem de construir uma sociedade justa, equilibrada e solidária.

Quem pôde presenciar somente a reportagem enfocando a festa do Dia da Criança, com especial destaque à ocorrida no Parque do Ibirapuera, talvez esquecido do enorme contingente de menores abandonados, nas ruas das grandes cidades, certamente não se furtou de uma visão mais otimista acerca do nosso futuro. Tenderá a fazer vistas grossas a uma das maiores (senão a maior) tragédias nacionais, a da miserabilidade e da exclusão de milhões de brasileiros do seu direito à cidadania.

Mas as imagens do feriado não se restringiram a, apenas, essas três cenas. Houve a do relax do paulistano de classe média nas praias dos litorais norte e sul do Estado, e os costumeiros engarrafamentos nas estradas que conduzem à orla marítima, quando do retorno à Capital.

Houve toda uma rodada do Campeonato Brasileiro, com razoável afluência de público aos estádios. Para quem viu somente essas matérias, ficará a impressão de um Brasil cheio de problemas, é verdade, no auge de uma crise, mas na trilha do desenvolvimento. A de um povo alegre e descontraído, que ri das próprias dificuldades.

Como se observa, são aspectos de um único e mesmo país, mas que, de tão diferentes e contraditórios, parecem ser de vários. Para fazer uma leitura correta dos conflitos sociais que nos afetam, é necessária, e indispensável, uma visão de conjunto. Os pessimistas e derrotistas apegam-se, apenas, às imagens negativas e deprimentes, como a das praias cariocas.

Os otimistas e alienados, detêm-se nas positivas, esquecidos de que elas são a realidade de uma minoria de brasileiros. Não se pode deixar de dar razão ao antropólogo Roberto da Matta, quando conclui: “Não se entende o Brasil através de dualismos, pois o que caracteriza o sistema brasileiro é uma espécie de ambigüidade, indecisão entre a perspectiva da casa e da rua, entre o modelo oficial e o comportamento concreto, entre leis e costumes. O Brasil é o país do número três, do mediador, entre o preto e o branco tem o mulato; entre o céu e o inferno, tem o purgatório, entre esquerda e direita, tem o centro”.

Por isso, afirmamos, e seguidamente reiteramos, que está em andamento, por aqui, uma revolução cultural profunda, cujos resultados vão depender muito dos rumos que viermos a dar às nossas ações, como resultado de uma interpretação correta da nossa realidade.   

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 15 de outubro de 1993)


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