Imagens
de um país contraditório
Pedro J. Bondaczuk
O Brasil é um país (parodiando o título de um livro
famoso de Euclides da Cunha), de “contrastes e confrontos”. Trata-se de uma
cultura ainda em formação, cujo processo está em franca “fermentação”, com
aspectos comportamentais sumamente positivos misturados a outros bastante
inquietadores.
As imagens do noticiário de TV do último feriado
ressaltam, de maneira nítida e cristalina, essa contradição. Quem tenha
assistido somente parte das notícias veiculadas pela televisão, no Dia da
Criança, tende a tirar conclusões diametralmente opostas, dependendo daquilo
que viu.
Se o telespectador pôde acompanhar, apenas, a guerra
entre gangues rivais de funkeiros, de quatro horas de duração, nas praias de
Ipanema, Copacabana, no Arpoador, e em Icaraí, Niterói, acompanhada dos já
tristemente célebres arrastões, certamente deve ter balançado a cabeça, em
desalento, e repetido aquilo que se tornou uma espécie de clichê: “este país
não tem mais jeito!”
Porém, se viu as imagens do magnífico espetáculo de
fé, em Aparecida do Norte, com mais de 150 mil fiéis rendendo homenagens,
fazendo pedidos e pagando promessas à padroeira do Brasil, terá impressão muito
diversa do caráter do brasileiro e das esperanças que ele ainda tem de
construir uma sociedade justa, equilibrada e solidária.
Quem pôde presenciar somente a reportagem enfocando
a festa do Dia da Criança, com especial destaque à ocorrida no Parque do
Ibirapuera, talvez esquecido do enorme contingente de menores abandonados, nas
ruas das grandes cidades, certamente não se furtou de uma visão mais otimista
acerca do nosso futuro. Tenderá a fazer vistas grossas a uma das maiores (senão
a maior) tragédias nacionais, a da miserabilidade e da exclusão de milhões de
brasileiros do seu direito à cidadania.
Mas as imagens do feriado não se restringiram a,
apenas, essas três cenas. Houve a do relax do paulistano de classe média nas
praias dos litorais norte e sul do Estado, e os costumeiros engarrafamentos nas
estradas que conduzem à orla marítima, quando do retorno à Capital.
Houve toda uma rodada do Campeonato Brasileiro, com
razoável afluência de público aos estádios. Para quem viu somente essas
matérias, ficará a impressão de um Brasil cheio de problemas, é verdade, no
auge de uma crise, mas na trilha do desenvolvimento. A de um povo alegre e
descontraído, que ri das próprias dificuldades.
Como se observa, são aspectos de um único e mesmo
país, mas que, de tão diferentes e contraditórios, parecem ser de vários. Para
fazer uma leitura correta dos conflitos sociais que nos afetam, é necessária, e
indispensável, uma visão de conjunto. Os pessimistas e derrotistas apegam-se,
apenas, às imagens negativas e deprimentes, como a das praias cariocas.
Os otimistas e alienados, detêm-se nas positivas,
esquecidos de que elas são a realidade de uma minoria de brasileiros. Não se
pode deixar de dar razão ao antropólogo Roberto da Matta, quando conclui: “Não
se entende o Brasil através de dualismos, pois o que caracteriza o sistema
brasileiro é uma espécie de ambigüidade, indecisão entre a perspectiva da casa
e da rua, entre o modelo oficial e o comportamento concreto, entre leis e
costumes. O Brasil é o país do número três, do mediador, entre o preto e o
branco tem o mulato; entre o céu e o inferno, tem o purgatório, entre esquerda
e direita, tem o centro”.
Por isso, afirmamos, e seguidamente reiteramos, que
está em andamento, por aqui, uma revolução cultural profunda, cujos resultados
vão depender muito dos rumos que viermos a dar às nossas ações, como resultado
de uma interpretação correta da nossa realidade.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio
Popular, em 15 de outubro de 1993)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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