Thursday, June 18, 2015

Quem ama o feio...


Pedro J. Bondaczuk


O acaso – “casamenteiro” por excelência que sempre interfere em nossos casos de amor, ora para nos tornar felizes, ora para gerar tragédias – se encarregou de colocar, frente a frente, Machado de Assis e aquela que viria a se tornar não somente sua musa, mas sua fiel e leal companheira, sua esposa pelo resto da vida: Carolina Augusta Xavier de Novaes. Foi encontro fortuito, casual, portanto, não planejado. Ninguém, em sã consciência, poderia supor, sequer remotamente, que aquele homem e aquela mulher iriam estreitar relações, namorar, noivar e, finalmente... serem protagonistas de um improvável casamento. E por que a improbabilidade? Bem, por todos os motivos que o leitor possa imaginar.

Carolina Augusta Xavier de Novaes, portuguesa, que havia chegado ao Rio de Janeiro em 1866, era moça que, além de atraente (não propriamente bonita, mas que não podia, de forma alguma, ser considerada feia) era bastante prendada. Tinha cultura acima da média. Lia muito, sobretudo os clássicos europeus, mas principalmente os portugueses, que conhecia como poucos. Freqüentava teatros, saraus e os mais refinados círculos sociais da cidade. E tinha, principalmente, uma série de hábitos e de virtudes que a distinguiam da maioria das mulheres do seu tempo. Desde que chegou de Portugal, contava com uma legião de pretendentes, de excelentes partidos, moços das melhores famílias da elite carioca, que “arrastavam as asas” para a portuguesinha sestrosa.

Já Machado de Assis... pelo menos fisicamente, não era nenhum Adonis. Era, até, para os padrões da época (e provavelmente para os de hoje também) um sujeito “feioso”. Era, por exemplo, mulato, em um país sumamente preconceituoso (e que ainda é, a despeito da hipocrisia que cerca essa questão de preconceito racial, que tanta gente nega com muita ênfase, mas que mal consegue disfarçar no dia a dia), em que a escravidão ainda era tida e havida como coisa “normal”. Pior: era, até mesmo, símbolo de status econômico e social para os que mantinham escravos em suas casas e fazendas. Ademais, o futuro gênio das letras era raquítico, doentio e muito tímido, em decorrência, principalmente, de uma renitente gagueira que o atormentava.

Aliás, sua “cor” por muito pouco não inviabilizou seu casamento. E não exagero, estejam certos, e nem estou inventando nada, ao afirmar isso! Alguns biógrafos, baseados em testemunhos confiáveis da época, asseguram que dois dos irmãos de Carolina, Miguel e Adelaide, se opunham ferozmente àquele relacionamento dela com “um mulato”. A graciosa e prendada portuguesinha, porém, não se abalou co0m isso e soube ver além das aparências. Se é verdade que Machado de Assis não era nenhum primor de beleza masculina, tinha outros tantos méritos e predicados que os “bonitões” da época nem poderiam sonhar. Era, por exemplo, um sujeito elegante, que sabia se vestir bem e se vestia mesmo. E sua elegância não se restringia às vestes, mas se estendia aos gestos, às palavras e à cortesia.

Quanto à cultura, nem é preciso destacar. Mesmo nunca tendo freqüentado nenhuma faculdade, Machado de Assis era cultíssimo e respeitado por isso (embora invejado por muitos e até hostilizado por alguns pseudo-intelectuais, posto que veladamente). Já havia publicado oito livros (“Crisálidas” e mais sete peças de teatro). Entre virtudes e defeitos, portanto, os primeiros davam de dez a zero sobre os segundos. Era, pois, um “partidão” para uma mulher inteligente e vivida que não se deixasse levar por aparências. Ademais... bem diz o dito popular: “quem ama o feio, bonito lhe parece”.

Carolina era quase cinco anos mais velha do que Machado de Assis (nasceu em 1835 na cidade do Porto). Tinha, portanto, maior experiência do que escritor, principalmente levando-se em conta que as mulheres amadurecem um par de anos antes que os homens da mesma idade. Ela veio para o Rio de Janeiro para cuidar de um irmão enfermo, o poeta Faustino Xavier de Novaes, em cuja casa o casal se conheceu. Este, é justo destacar, não se opôs, em momento algum, ao casamento, como seus dois outros irmãos fizeram. Não pôde, todavia, testemunhar a união de que fazia gosto. Morreu meses antes.

Bastou um único encontro para que Machado se apaixonasse por sua musa,.à qual chamou, pelo resto da vida, de “minha Carola”. Pouco a pouco foi penetrando no coração e na mente da amada, com gestos carinhosos e palavras de amor e de esperança, sobretudo, nas várias cartas apaixonadas que escrevia. Previa, em uma delas,,futuro brilhante para ambos. Foi na datada de 2 de março de 1869, quando escreveu: "...depois, querida, ganharemos o mundo, porque só é verdadeiramente senhor do mundo quem está acima das suas glórias fofas e das suas ambições estéreis". E ganharam mesmo.

Em outra carta, “Machadinho” (como o escritor assinava essa correspondência amorosa) declarou: "Sofreste tanto que até perdeste a consciência do teu império; estás pronta a obedecer; admiras-te de seres obedecida (...)", E em outro trecho da mesma mensagem aduziu: "Tu pertences ao pequeno número de mulheres que ainda sabem amar, sentir e pensar (...)". Era paixão pura, que só poderia resultar no que de fato resultou. Em 12 de novembro de 1869, aquele relacionamento “improvável” pelas razões que mencionei, teve desfecho feliz: Machado de Assis e Carolina Augusta Xavier de Novaes casaram-se, até “que a morte” os separasse. E um dia os separou...


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