Quem ama o feio...
Pedro
J. Bondaczuk
O acaso –
“casamenteiro” por excelência que sempre interfere em nossos casos de amor, ora
para nos tornar felizes, ora para gerar tragédias – se encarregou de colocar,
frente a frente, Machado de Assis e aquela que viria a se tornar não somente
sua musa, mas sua fiel e leal companheira, sua esposa pelo resto da vida:
Carolina Augusta Xavier de Novaes. Foi encontro fortuito, casual, portanto, não
planejado. Ninguém, em sã consciência, poderia supor, sequer remotamente, que
aquele homem e aquela mulher iriam estreitar relações, namorar, noivar e,
finalmente... serem protagonistas de um improvável casamento. E por que a
improbabilidade? Bem, por todos os motivos que o leitor possa imaginar.
Carolina Augusta Xavier
de Novaes, portuguesa, que havia chegado ao Rio de Janeiro em 1866, era moça
que, além de atraente (não propriamente bonita, mas que não podia, de forma
alguma, ser considerada feia) era bastante prendada. Tinha cultura acima da
média. Lia muito, sobretudo os clássicos europeus, mas principalmente os portugueses,
que conhecia como poucos. Freqüentava teatros, saraus e os mais refinados
círculos sociais da cidade. E tinha, principalmente, uma série de hábitos e de
virtudes que a distinguiam da maioria das mulheres do seu tempo. Desde que
chegou de Portugal, contava com uma legião de pretendentes, de excelentes
partidos, moços das melhores famílias da elite carioca, que “arrastavam as
asas” para a portuguesinha sestrosa.
Já Machado de Assis...
pelo menos fisicamente, não era nenhum Adonis. Era, até, para os padrões da
época (e provavelmente para os de hoje também) um sujeito “feioso”. Era, por
exemplo, mulato, em um país sumamente preconceituoso (e que ainda é, a despeito
da hipocrisia que cerca essa questão de preconceito racial, que tanta gente
nega com muita ênfase, mas que mal consegue disfarçar no dia a dia), em que a
escravidão ainda era tida e havida como coisa “normal”. Pior: era, até mesmo,
símbolo de status econômico e social para os que mantinham escravos em suas
casas e fazendas. Ademais, o futuro gênio das letras era raquítico, doentio e
muito tímido, em decorrência, principalmente, de uma renitente gagueira que o
atormentava.
Aliás, sua “cor” por
muito pouco não inviabilizou seu casamento. E não exagero, estejam certos, e
nem estou inventando nada, ao afirmar isso! Alguns biógrafos, baseados em
testemunhos confiáveis da época, asseguram que dois dos irmãos de Carolina,
Miguel e Adelaide, se opunham ferozmente àquele relacionamento dela com “um
mulato”. A graciosa e prendada portuguesinha, porém, não se abalou co0m isso e
soube ver além das aparências. Se é verdade que Machado de Assis não era nenhum
primor de beleza masculina, tinha outros tantos méritos e predicados que os
“bonitões” da época nem poderiam sonhar. Era, por exemplo, um sujeito elegante,
que sabia se vestir bem e se vestia mesmo. E sua elegância não se restringia às
vestes, mas se estendia aos gestos, às palavras e à cortesia.
Quanto à cultura, nem é
preciso destacar. Mesmo nunca tendo freqüentado nenhuma faculdade, Machado de
Assis era cultíssimo e respeitado por isso (embora invejado por muitos e até
hostilizado por alguns pseudo-intelectuais, posto que veladamente). Já havia
publicado oito livros (“Crisálidas” e mais sete peças de teatro). Entre
virtudes e defeitos, portanto, os primeiros davam de dez a zero sobre os
segundos. Era, pois, um “partidão” para uma mulher inteligente e vivida que não
se deixasse levar por aparências. Ademais... bem diz o dito popular: “quem ama
o feio, bonito lhe parece”.
Carolina era quase
cinco anos mais velha do que Machado de Assis (nasceu em 1835 na cidade do
Porto). Tinha, portanto, maior experiência do que escritor, principalmente
levando-se em conta que as mulheres amadurecem um par de anos antes que os
homens da mesma idade. Ela veio para o Rio de Janeiro para cuidar de um irmão
enfermo, o poeta Faustino Xavier de Novaes, em cuja casa o casal se conheceu.
Este, é justo destacar, não se opôs, em momento algum, ao casamento, como seus
dois outros irmãos fizeram. Não pôde, todavia, testemunhar a união de que fazia
gosto. Morreu meses antes.
Bastou um único
encontro para que Machado se apaixonasse por sua musa,.à qual chamou, pelo
resto da vida, de “minha Carola”. Pouco a pouco foi penetrando no coração e na
mente da amada, com gestos carinhosos e palavras de amor e de esperança,
sobretudo, nas várias cartas apaixonadas que escrevia. Previa, em uma
delas,,futuro brilhante para ambos. Foi na datada de 2 de março de 1869, quando
escreveu: "...depois, querida, ganharemos o mundo, porque só é verdadeiramente
senhor do mundo quem está acima das suas glórias fofas e das suas ambições
estéreis". E ganharam mesmo.
Em outra carta,
“Machadinho” (como o escritor assinava essa correspondência amorosa) declarou:
"Sofreste tanto que até perdeste a consciência do teu império; estás
pronta a obedecer; admiras-te de seres obedecida (...)", E em outro trecho
da mesma mensagem aduziu: "Tu pertences ao pequeno número de mulheres que
ainda sabem amar, sentir e pensar (...)". Era paixão pura, que só poderia
resultar no que de fato resultou. Em 12 de novembro de 1869, aquele
relacionamento “improvável” pelas razões que mencionei, teve desfecho feliz:
Machado de Assis e Carolina Augusta Xavier de Novaes casaram-se, até “que a
morte” os separasse. E um dia os separou...
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