Algumas pérolas de
“Crisálidas”
Pedro
J. Bondaczuk
O livro “Crisálidas”,
de Machado de Assis – o primeiro de poesias e, também, o inaugural de sua
brilhante e vasta bibliografia – merece ser não somente lido, mas, sobretudo,
meticulosamente estudado. Encerra imensa riqueza literária e cultural,
insuspeitada para os menos meticulosos, e que passa batida na mera leitura,
mesmo que atenta a detalhes, se feita
sem a devida análise. Considero “Crisálidas” uma das melhores produções do
“Bruxo do Cosme Velho” não importa de que gênero. Contém pérolas inigualáveis,
jóias raras, coisas dignas de um poeta genial, entre os melhores de todos os
tempos. Muitos críticos discordam.
Há, até, quem
classifique esse livro como “obra menor” do autor. Limitam-se a arrolar,
todavia, como único argumento para chegarem a essa (esdrúxula) conclusão,
apenas a juventude do escritor (tinha só 25 anos de idade quando o publicou),
como se idade fosse parâmetro de qualidade e de conteúdo literários. Ora, ora,
ora... Claro que não são. Por esse critério, Álvares de Azevedo e Castro Alves,
por exemplo (e tantos outros poetas, sobretudo, do Brasil, mas também fora
dele), teriam que ser “desconsiderados”, como não sendo sequer bons, quanto
mais excelentes, e somente por terem produzido o que produziram antes dos
trinta anos. Agiram assim, todavia, não porque quisessem, por preguiça ou
omissão, mas porque foram colhidos prematuramente pela morte e não chegaram, portanto, á idade “madura”. Por
causa disso, o que produziram não tem qualidade? Quem ousa afirmar isso
seriamente?!!!
Após ler (e reler)
“Crisálidas”, concluo que Machado de Assis agiu com excesso de rigor consigo
mesmo ao suprimir 17 dos 29 poemas nele contidos, quando avalizou, em 1901
(estava, então, com 62 anos) a publicação de “Poesias completas”. Com essa
supressão, elas ficaram, na verdade, “incompletas”. Como leitor, como crítico e
como “poeta de ocasião” (posto que dos menores e menos expressivos), não vejo
nenhuma razão objetiva para tal supressão. Os 29 poemas da edição original
foram os seguintes: “Musa Consolatrix”; “Visio”; “Quinze Anos”; “Stella”;
“Epitáfio do México”; “Polônia”; “Erro”; “Elegia”; “Sinhá”; “Horas Vivas”;
“Versos a Corina”; “Última Folha”; “Lucia”; “O Dilúvio”; “Fé”; “A Caridade”; “A
Jovem Cativa”; “No Limiar”; “Aspiração”; “Cleópatra”; “Os Arlequins (Sátira)”;
“As Ondinas (Noturno de H. Heine)”; “Maria Duplessis (A. Dumas Filho)”; “As
Rosas”; “Os Dois Horizontes”; “Monte Alverne” e “As ventoinhas”.
Vários aspectos (e são
tantos que se torna impossível resumi-los em poucas linhas) me chamam a atenção
em “Crisálidas”. Um deles é a variedade de temas (inclusive políticos, como os
poemas “Epitáfio do México” e “Polônia”) de que o poeta tratou. Outro, o seu
fascínio e familiaridade com os clássicos, sobretudo greco-romanos, com fartas
citações e alusões a poetas e personagens dessas duas culturas. Não me escapou,
também, a indisfarçável veneração de Machado por Dante Aligheri (autor que
citou não apenas em “Crisálidas” e nem só em poesias, mas em textos de todos os
gêneros literários em que transitou), quer da “Divina Comédia”, quer de “Vita
Nuova”. Foram três as musas específicas às quais dedicou poemas e que tiveram
seus nomes por títulos: “Stella”, “Lúcia” e a misteriosa e intrigante “Corina”.
Apesar de, no aspecto
formal, Machado de Assis compor pelos padrões vigentes do Romantismo, no que
diz respeito à rima, métrica e ritmo, inovou também nesse quesito, o que lhe
valeu algumas críticas de determinados “formalistas”, que entendiam que poesia
era matemática (o que, óbvio, nunca foi!), e que deveria se prender, sempre, a
rígidas fórmulas fixas. Raros poetas do seu tempo (e do nosso) manifestaram
tanta erudição quanto aquele jovem atrevido, de 25 anos de idade, que buscava
seu lugar no complicado mundo da Literatura tendo por “arma” apenas seu talento
(posto que talvez ainda imaturo), mas que lhe bastou.
Em “Crisálidas” (como
ademais em poemas de seus outros três livros), há versos magníficos que “colam”
no ouvido quando os lemos em voz alta (como entendo que poesia deva sempre ser
lida), como estes:
“Tu
nasceste de um beijo e de um olhar. O beijo
Numa
hora de amor, de ternura e desejo,
Uniu
a terra e o céu. O olhar foi do Senhor,
Olhar
de vida, olhar de graça, olhar de amor;
Depois,
depois vestindo a forma peregrina,
Aos
meus olhos mortais, surgiste-me, Corina!”
Ou estes:
Guarda
estes versos que escrevi chorando
Como
um alívio à minha soledade,
Como
um dever do meu amor; e quando
Houver
em ti um eco de saudade,
Beija
estes versos que escrevi chorando.
Ou estes, que
estranhamente suprimiu no poema “Versos a Corina” na publicação de “Poesias
Completas”:
“Que
valem glórias vãs? A glória, a melhor glória,
É
esta que nos orna a poesia da história;
É
a glória do céu, é a glória do amor.
É
Tasso eternizando a princesa Leonor;
É
Lídia ornando a lira ao venusino Horácio;
É
a doce Beatriz, flor e honra do Lácio,
Seguindo
além da vida as viagens do Dante;
É
do cantor do Gama o hino triste e amante
Levando
à eternidade o amor de Catarina;
É
o amor que une Ovídio à formosa Corina;
O
de Cíntia a Propércio, o de Lésbia a Catulo;
O
da divina Délia ao divino Tibulo.
Esta
a glória que fica, eleva, honra e consola;
Outra
não há melhor”.
Ou estes:
“Sei
de uma criatura antiga e formidável,
Que
a si mesma devora os membros e as entranhas,
Com
a sofreguidão da fome insaciável.
Habita
juntamente os vales e as montanhas;
E
no mar, que se rasga, à maneira do abismo (...)
(...)
Pois essa criatura está em toda a obra:
Cresta
o seio da flor e corrompe-lhe o fruto,
E
é nesse destruir que as suas forças dobra.
Ama
de igual amor o poluto e o impoluto;
Começa
e recomeça uma perpétua lida;
E
sorrindo obedece ao divino estatuto.
Tu
dirás que é a morte; eu direi que é a vida”.
Poderia citar versos e
mais versos (a tentação é essa), cada um mais belo, verdadeiro e inteligente do
que o outro, mas... não o farei. E pensar que eles foram produzidos por um
poeta considerado, por muitos, imaturo, por causa da pouca idade!!! São
criações de um gênio cuja poesia (injustamente) foi ofuscada pelo brilho da sua
própria produção em prosa. Integra um livro classificado por muitos como “obra
menor”. Ora, ora, ora. Que os críticos de ocasião tenham mais critério ao
analisar os escritos de um “monstro” das letras, de alguém que ganhou, com
justiça, o apelido de “Bruxo”, por fazer maravilhas com as palavras. E que
jamais freqüentou qualquer universidade..
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk.
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