Tuesday, June 09, 2015

Algumas pérolas de “Crisálidas”

Pedro J. Bondaczuk

O livro “Crisálidas”, de Machado de Assis – o primeiro de poesias e, também, o inaugural de sua brilhante e vasta bibliografia – merece ser não somente lido, mas, sobretudo, meticulosamente estudado. Encerra imensa riqueza literária e cultural, insuspeitada para os menos meticulosos, e que passa batida na mera leitura, mesmo que atenta a detalhes,  se feita sem a devida análise. Considero “Crisálidas” uma das melhores produções do “Bruxo do Cosme Velho” não importa de que gênero. Contém pérolas inigualáveis, jóias raras, coisas dignas de um poeta genial, entre os melhores de todos os tempos. Muitos críticos discordam.

Há, até, quem classifique esse livro como “obra menor” do autor. Limitam-se a arrolar, todavia, como único argumento para chegarem a essa (esdrúxula) conclusão, apenas a juventude do escritor (tinha só 25 anos de idade quando o publicou), como se idade fosse parâmetro de qualidade e de conteúdo literários. Ora, ora, ora... Claro que não são. Por esse critério, Álvares de Azevedo e Castro Alves, por exemplo (e tantos outros poetas, sobretudo, do Brasil, mas também fora dele), teriam que ser “desconsiderados”, como não sendo sequer bons, quanto mais excelentes, e somente por terem produzido o que produziram antes dos trinta anos. Agiram assim, todavia, não porque quisessem, por preguiça ou omissão, mas porque foram colhidos prematuramente pela morte e não  chegaram, portanto, á idade “madura”. Por causa disso, o que produziram não tem qualidade? Quem ousa afirmar isso seriamente?!!!

Após ler (e reler) “Crisálidas”, concluo que Machado de Assis agiu com excesso de rigor consigo mesmo ao suprimir 17 dos 29 poemas nele contidos, quando avalizou, em 1901 (estava, então, com 62 anos) a publicação de “Poesias completas”. Com essa supressão, elas ficaram, na verdade, “incompletas”. Como leitor, como crítico e como “poeta de ocasião” (posto que dos menores e menos expressivos), não vejo nenhuma razão objetiva para tal supressão. Os 29 poemas da edição original foram os seguintes: “Musa Consolatrix”; “Visio”; “Quinze Anos”; “Stella”; “Epitáfio do México”; “Polônia”; “Erro”; “Elegia”; “Sinhá”; “Horas Vivas”; “Versos a Corina”; “Última Folha”; “Lucia”; “O Dilúvio”; “Fé”; “A Caridade”; “A Jovem Cativa”; “No Limiar”; “Aspiração”; “Cleópatra”; “Os Arlequins (Sátira)”; “As Ondinas (Noturno de H. Heine)”; “Maria Duplessis (A. Dumas Filho)”; “As Rosas”; “Os Dois Horizontes”; “Monte Alverne” e “As ventoinhas”.

Vários aspectos (e são tantos que se torna impossível resumi-los em poucas linhas) me chamam a atenção em “Crisálidas”. Um deles é a variedade de temas (inclusive políticos, como os poemas “Epitáfio do México” e “Polônia”) de que o poeta tratou. Outro, o seu fascínio e familiaridade com os clássicos, sobretudo greco-romanos, com fartas citações e alusões a poetas e personagens dessas duas culturas. Não me escapou, também, a indisfarçável veneração de Machado por Dante Aligheri (autor que citou não apenas em “Crisálidas” e nem só em poesias, mas em textos de todos os gêneros literários em que transitou), quer da “Divina Comédia”, quer de “Vita Nuova”. Foram três as musas específicas às quais dedicou poemas e que tiveram seus nomes por títulos: “Stella”, “Lúcia” e a misteriosa e intrigante “Corina”.

Apesar de, no aspecto formal, Machado de Assis compor pelos padrões vigentes do Romantismo, no que diz respeito à rima, métrica e ritmo, inovou também nesse quesito, o que lhe valeu algumas críticas de determinados “formalistas”, que entendiam que poesia era matemática (o que, óbvio, nunca foi!), e que deveria se prender, sempre, a rígidas fórmulas fixas. Raros poetas do seu tempo (e do nosso) manifestaram tanta erudição quanto aquele jovem atrevido, de 25 anos de idade, que buscava seu lugar no complicado mundo da Literatura tendo por “arma” apenas seu talento (posto que talvez ainda imaturo), mas que lhe bastou.

Em “Crisálidas” (como ademais em poemas de seus outros três livros), há versos magníficos que “colam” no ouvido quando os lemos em voz alta (como entendo que poesia deva sempre ser lida), como estes:

“Tu nasceste de um beijo e de um olhar. O beijo
Numa hora de amor, de ternura e desejo,
Uniu a terra e o céu. O olhar foi do Senhor,
Olhar de vida, olhar de graça, olhar de amor;
Depois, depois vestindo a forma peregrina,
Aos meus olhos mortais, surgiste-me, Corina!”

Ou estes:

Guarda estes versos que escrevi chorando
Como um alívio à minha soledade,
Como um dever do meu amor; e quando
Houver em ti um eco de saudade,
Beija estes versos que escrevi chorando.

Ou estes, que estranhamente suprimiu no poema “Versos a Corina” na publicação de “Poesias Completas”:

“Que valem glórias vãs? A glória, a melhor glória,
É esta que nos orna a poesia da história;
É a glória do céu, é a glória do amor.
É Tasso eternizando a princesa Leonor;
É Lídia ornando a lira ao venusino Horácio;
É a doce Beatriz, flor e honra do Lácio,
Seguindo além da vida as viagens do Dante;
É do cantor do Gama o hino triste e amante
Levando à eternidade o amor de Catarina;
É o amor que une Ovídio à formosa Corina;
O de Cíntia a Propércio, o de Lésbia a Catulo;
O da divina Délia ao divino Tibulo.
Esta a glória que fica, eleva, honra e consola;
Outra não há melhor”.

Ou estes:

“Sei de uma criatura antiga e formidável,
Que a si mesma devora os membros e as entranhas,
Com a sofreguidão da fome insaciável.
Habita juntamente os vales e as montanhas;
E no mar, que se rasga, à maneira do abismo (...)
      
(...) Pois essa criatura está em toda a obra:
Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto,
E é nesse destruir que as suas forças dobra.
Ama de igual amor o poluto e o impoluto;
Começa e recomeça uma perpétua lida;
E sorrindo obedece ao divino estatuto.
Tu dirás que é a morte; eu direi que é a vida”.

Poderia citar versos e mais versos (a tentação é essa), cada um mais belo, verdadeiro e inteligente do que o outro, mas... não o farei. E pensar que eles foram produzidos por um poeta considerado, por muitos, imaturo, por causa da pouca idade!!! São criações de um gênio cuja poesia (injustamente) foi ofuscada pelo brilho da sua própria produção em prosa. Integra um livro classificado por muitos como “obra menor”. Ora, ora, ora. Que os críticos de ocasião tenham mais critério ao analisar os escritos de um “monstro” das letras, de alguém que ganhou, com justiça, o apelido de “Bruxo”, por fazer maravilhas com as palavras. E que jamais freqüentou qualquer universidade..

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