Fixação de Machado de
Assis por borboletas
Pedro
J. Bondaczuk
Os títulos dos dois
primeiros livros de Machado de Assis (por sinal, ambos de poesias),
respectivamente “Crisálidas” e “Falenas”, sugerem certa fixação (obsessão?) do
escritor por borboletas. Seria só coincidência? Não creio, levando em conta a
inteligência dele e seu gosto particular
por símbolos, ou melhor, por metáforas. O leitor, que não costuma consultar
dicionários, provavelmente estará perguntando: “Onde entram as borboletas nesta
história?”.Estou certo que não faria esta pergunta (que a maioria certamente
não está fazendo) se atentasse para o significado dessas duas palavras. Ou se,
caso não soubesse (ninguém é obrigado a saber de tudo), recorresse ao Mestre
Aurélio, também conhecido como “Pai dos Burros”, para se esclarecer.
“Crisálidas” é uma das
derradeiras fases do desenvolvimento de uma borboleta, uma espécie de
“hibernação” dessa frágil criatura, que integra a ordem Lepidóptera (um dos
maiores grupos de insetos, com aproximadamente 150 mil espécies, ou 15% de
todos os conhecidos), antes de ocorrer a metamorfose. E é esta última etapa que
a transforma tão radicalmente. Torna-a de feia e repelente larva em gloriosa e
colorida borboleta. Em texto anterior, especulei sobre o que teria levado
Machado de Assis a escolher esse título para seu livro de estréia. Interpretei
como uma espécie de promessa do então jovem poeta. Ou seja, que dessa
“crisálida”, que era aquela obra inaugural, surgiria, na sequência, gloriosa
borboleta. E que borboleta surgiu, posto que não propriamente no segundo
livro!!!
O leitor que desconheça
o significado de “falenas” e que não tenha, portanto, ainda recorrido ao
dicionário, apesar da minha provocação, deve estar insistindo na pergunta
inicial. Ou seja: “O que esta palavra tem a ver com borboleta?” Pois saiba que
tem tudo. É verdade que não com aquelas coloridas, que voam de flor em flor e
se confundem com as pétalas das mais bonitas. Porquanto falenas é a designação
de um tipo de borboleta. Só que para vê-las, você terá que ser notívago,
porquanto são noturnas. Aliás, são o terror de quem cultiva plantas em estufas,
pois elas lhes são sumamente nocivas. Como a língua é dinâmica, o povo atribuiu
às falenas sentido figurado, nada poético, considerado até palavrão. Ou seja, o
de meretriz, prostituta ou, no popular, puta. Opa!! Será que Machado de Assis
quis dar essa conotação pejorativa aos poemas do seu segundo livro? Não creio!
Mas... nunca se sabe. Quem poderia dizer por que escolheu os dois títulos que
conhecemos, para seus dois primeiros livros, seria ele. E, ao que me consta,
ele nunca revelou a ninguém suas razões.
Cá para nós, “falenas”
nem mesmo é uma expressão tão rara em poesia. E nem precisa ser da fase do
Romantismo e muito menos utilizada por poetas do passado. Muito menos ainda
precisa ter a conotação popular. Pode ser (e é) usada no sentido literal, de
borboleta noturna mesmo (que creio que era no que Machado de Assis pensava ao
intitular seu segundo livro). Ah, vocês não se lembram de nenhum poema que
tenha essa palavra? Têm certeza? Se vocês forem fãs de Chico Buarque de
Hollanda, não só já a ouviram, como até possivelmente cantaram. Duvidam? Pois
bem, na composição de “Mulheres de Atenas”, o criativo compositor popular diz,
em determinado verso:
“Quando
eles se entopem de vinho
Costumam
buscar o carinho
De
outras falenas (...)”.
Está aí a tal
palavrinha!!!. E Chico Buarque utilizou-a no sentido figurado, no pejorativo,
no de meretriz, prostituta (enfim, no popular, no de “puta”). Quando o sujeito está
compondo a letra de alguma canção (ou algum poema, o que vem a dar no mesmo),
não raro empaca quando quer encontrar rimas criativas terminadas em “enas”. Mas
que não sejam as tão comuns, como “serenas”, “pequenas”, “cenas” ou “amenas”.
Caso tenha bom vocabulário e conheça seu significado, dá um jeito qualquer de
caberem as tais borboletinhas noturnas, vorazes a ponto de darem cabo de
árvores até de uma floresta inteira. Ou das infelizes “mariposas humanas”, como
queiram.
Sei que esta minha
revelação sobre a suposta fixação (ou seria obsessão?) do Bruxo do Cosme Velho
por borboletas não irá valorizar e nem desvalorizar sua obra, ou,
especificamente, seus dois primeiros livros. É mera curiosidade de um
bisbilhoteiro, interessado em tudo o que se refira ao nosso principal escritor,
uma espécie de paradigma para todos nós. Mas tenho certeza que Machado de
Assis, fanático por originalidade como era, se estivesse vivo, mesmo que
contestasse publicamente minhas especulações, em particular, sem que ninguém o visse,
as acharia, no mínimo, originais. E duvido que não daria um sorriso, mesmo que
à socapa, daqueles com os cantos dos lábios, carregadíssimos de ironia.
Concluo, pois, estas digressões especulativas com a expressão popularíssima na
Itália: “si non é vero é bene trovato”...
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