Friday, June 12, 2015

Fixação de Machado de Assis por borboletas

Pedro J. Bondaczuk

Os títulos dos dois primeiros livros de Machado de Assis (por sinal, ambos de poesias), respectivamente “Crisálidas” e “Falenas”, sugerem certa fixação (obsessão?) do escritor por borboletas. Seria só coincidência? Não creio, levando em conta a inteligência  dele e seu gosto particular por símbolos, ou melhor, por metáforas. O leitor, que não costuma consultar dicionários, provavelmente estará perguntando: “Onde entram as borboletas nesta história?”.Estou certo que não faria esta pergunta (que a maioria certamente não está fazendo) se atentasse para o significado dessas duas palavras. Ou se, caso não soubesse (ninguém é obrigado a saber de tudo), recorresse ao Mestre Aurélio, também conhecido como “Pai dos Burros”, para se esclarecer.

“Crisálidas” é uma das derradeiras fases do desenvolvimento de uma borboleta, uma espécie de “hibernação” dessa frágil criatura, que integra a ordem Lepidóptera (um dos maiores grupos de insetos, com aproximadamente 150 mil espécies, ou 15% de todos os conhecidos), antes de ocorrer a metamorfose. E é esta última etapa que a transforma tão radicalmente. Torna-a de feia e repelente larva em gloriosa e colorida borboleta. Em texto anterior, especulei sobre o que teria levado Machado de Assis a escolher esse título para seu livro de estréia. Interpretei como uma espécie de promessa do então jovem poeta. Ou seja, que dessa “crisálida”, que era aquela obra inaugural, surgiria, na sequência, gloriosa borboleta. E que borboleta surgiu, posto que não propriamente no segundo livro!!!

O leitor que desconheça o significado de “falenas” e que não tenha, portanto, ainda recorrido ao dicionário, apesar da minha provocação, deve estar insistindo na pergunta inicial. Ou seja: “O que esta palavra tem a ver com borboleta?” Pois saiba que tem tudo. É verdade que não com aquelas coloridas, que voam de flor em flor e se confundem com as pétalas das mais bonitas. Porquanto falenas é a designação de um tipo de borboleta. Só que para vê-las, você terá que ser notívago, porquanto são noturnas. Aliás, são o terror de quem cultiva plantas em estufas, pois elas lhes são sumamente nocivas. Como a língua é dinâmica, o povo atribuiu às falenas sentido figurado, nada poético, considerado até palavrão. Ou seja, o de meretriz, prostituta ou, no popular, puta. Opa!! Será que Machado de Assis quis dar essa conotação pejorativa aos poemas do seu segundo livro? Não creio! Mas... nunca se sabe. Quem poderia dizer por que escolheu os dois títulos que conhecemos, para seus dois primeiros livros, seria ele. E, ao que me consta, ele nunca revelou a ninguém suas razões.

Cá para nós, “falenas” nem mesmo é uma expressão tão rara em poesia. E nem precisa ser da fase do Romantismo e muito menos utilizada por poetas do passado. Muito menos ainda precisa ter a conotação popular. Pode ser (e é) usada no sentido literal, de borboleta noturna mesmo (que creio que era no que Machado de Assis pensava ao intitular seu segundo livro). Ah, vocês não se lembram de nenhum poema que tenha essa palavra? Têm certeza? Se vocês forem fãs de Chico Buarque de Hollanda, não só já a ouviram, como até possivelmente cantaram. Duvidam? Pois bem, na composição de “Mulheres de Atenas”, o criativo compositor popular diz, em determinado verso:

“Quando eles se entopem de vinho
Costumam buscar o carinho
De outras falenas (...)”.

Está aí a tal palavrinha!!!. E Chico Buarque utilizou-a no sentido figurado, no pejorativo, no de meretriz, prostituta (enfim, no popular, no de “puta”). Quando o sujeito está compondo a letra de alguma canção (ou algum poema, o que vem a dar no mesmo), não raro empaca quando quer encontrar rimas criativas terminadas em “enas”. Mas que não sejam as tão comuns, como “serenas”, “pequenas”, “cenas” ou “amenas”. Caso tenha bom vocabulário e conheça seu significado, dá um jeito qualquer de caberem as tais borboletinhas noturnas, vorazes a ponto de darem cabo de árvores até de uma floresta inteira. Ou das infelizes “mariposas humanas”, como queiram.

Sei que esta minha revelação sobre a suposta fixação (ou seria obsessão?) do Bruxo do Cosme Velho por borboletas não irá valorizar e nem desvalorizar sua obra, ou, especificamente, seus dois primeiros livros. É mera curiosidade de um bisbilhoteiro, interessado em tudo o que se refira ao nosso principal escritor, uma espécie de paradigma para todos nós. Mas tenho certeza que Machado de Assis, fanático por originalidade como era, se estivesse vivo, mesmo que contestasse publicamente minhas especulações, em particular, sem que ninguém o visse, as acharia, no mínimo, originais. E duvido que não daria um sorriso, mesmo que à socapa, daqueles com os cantos dos lábios, carregadíssimos de ironia. Concluo, pois, estas digressões especulativas com a expressão popularíssima na Itália: “si non é vero é bene trovato”...


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