A enigmática e
apaixonante Capitu
Pedro
J. Bondaczuk
O nome Maria Capitolina
Santiago lhe sugere alguma coisa, prezado leitor? Não? Tem certeza? Você pelo
menos já ouviu falar dessa ilustre senhora? Nunca ouviu? Pense bem. E se eu lhe
disser que ela foi casada com o senhor Bento Santiago, melhora? Ainda não? Ah,
mas agora tenho certeza que sua resposta será positiva, ao revelar seu apelido:
Capitu! Se estiver em uma banheira, tomando banho (isso se não faltar água em
sua casa nestes tempos bicudos de crise hídrica) tenha o cuidado de não sair
nu, às ruas, como Arquimedes fez, por volta de 230 antes de Cristo, na cidade
italiana de Siracusa, ao descobrir o princípio da flutuabilidade, gritando
“Eureka! Eureka! Eureka!”.
Pois é. Maria
Capitolina Santiago é o nome da personagem feminina mais famosa da Literatura
brasileira, quiçá mundial, à qual foram dedicados filmes, peças de teatro,
letras de música, além de imensa quantidade de livros. A despeito de parecer
tão real, de carne e osso, semelhante ou parecida com alguém que conheçamos,
Capitu é fruto exclusivo da imaginação de um dos escritores que mais entenderam
as mulheres, sem ser nenhum renitente Dom Juan (muito pelo contrário): Machado
de Assis. Aliás, esses conquistadores baratos nada entendem do mundo feminino.
“Usam” suas parceiras e nada mais.
Fiz esse mesmo teste
(inicialmente a título de brincadeira, mas que na sequência transformei em
pesquisa informal) com mais de uma centena de amigos e de conhecidos. As
respostas, quando declinei o nome completo da personagem, sem revelar seu
apelido, foram as mais estapafúrdias, estranhas e pitorescas (na verdade,
grotescas) possíveis. Alguns responderam que se tratava de alguma cantora
obscura de rap. Outros juraram que era alguma política, não muito conhecida,
variando o cargo que ocupava (vereadora, deputada, prefeita etc.etc.etc.). Houve,
até, quem chutasse que se tratava do nome verdadeiro de alguma atriz global.
Chutes, chutes e chutes... Todavia, tudo mudou quando revelei seu apelido, pelo
qual ficou conhecida desde quando foi criada. Houve consenso nas respostas ao
identificá-la como personagem de Machado de Assis. Mesmo entre os que jamais
leram qualquer livro do escritor e, inclusive, entre os que não leram
coisíssima alguma em termos de literatura, a não ser revistas em quadrinhos e
uma ou outra notícia de jornal, se tanto.
Capitu é a principal
protagonista, a personagem central do romance “Dom Casmurro”, publicado em
1899, embora o título do livro nos remeta a Bento Santiago, o Bentinho, que
ficou conhecido por essa designação, a mesma dessa obra (e quem leu o livro,
não teve a menor dificuldade de entender a razão). Ele caracteriza-se, sobretudo, por seu doentio
ciúme (se motivado ou não, é tema de controvérsias e debates ainda hoje, 116
anos após a publicação da obra), comparável ao de Otelo, de William
Shakespeare. É ou não é coisa de gênio?
Essa mulher que causa
tanta controvérsia e que é conhecidíssima do público brasileiro, mesmo que não
leitor, nunca existiu. É fruto da imaginação, da capacidade de observação e do
talento descritivo de Machado de Assis. Pode até ser que o escritor tenha se
inspirado em alguma dama que eventualmente conheceu. Até pode ser. Se for o
caso, diria que se inspirou em muitas do seu tempo. Todavia, a verossimilhança
de Capitu é tamanha, que chegamos a duvidar que seja mero personagem ficcional.
Tendemos a achar que foi uma pessoa “viva”, de carne e osso, com todas as
virtudes e defeitos de qualquer mulher.
Confesso que me
apaixonei, de imediato – fiquei literalmente “de quatro”, ao ler “Dom Casmurro”
pela primeira vez – por aquela menina-moça fascinante, sobretudo a do início do
romance, quando o autor narra como Capitu e Bentinho se conheceram e como se
apaixonaram (pelo menos ele se apaixonou). “ (...) Criatura de catorze anos,
alta, forte e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os
cabelos grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas uma à outra, à
moda do tempo, desciam-lhe pelas costas. Morena, olhos claros e grandes, nariz
reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo. As mãos, a despeito de
alguns ofícios rudes, eram curadas com amor; não cheirava a sabões finos nem
águas de toucador, mas com água do poço e sabão comum trazia-as sem mácula.
Calçava sapatos de duraque, rasos e velhos, a que ela mesma dera alguns pontos
(...)”. Como não se apaixonar por uma mulher assim?!!!
Mas não foi, apenas,
pelo aspecto físico de Capitu que me apaixonei. Foi pelo seu espírito
brincalhão, despojado, juvenil, por sua espontaneidade, pela personalidade
forte e ao mesmo tempo envolvente. E, claro, pela característica que a tornou
famosa e imortal através do tempo. Ou seja, seus olhos “de cigana oblíqua e
dissimulada”. Recorro à enciclopédia eletrônica Wikipédia para elencar algumas
das adaptações dessa personagem para outras artes e contextos, que não a
Literatura e que contribuíram para popularizá-la entre pessoas que nada têm a
ver com livros, muitas das quais que até detestam leituras. Cito, por exemplo,
dois filmes inspirados nessa figura de “olhos de ressaca”: “Capitu” (1968) de
Paulo César Saraceni e “Dom” (2003) de Moacyr Góes.
Contudo, a paixão e
tormento de Bentinho foi levada, também, para os palcos, com peças como
“Criador e criatura - o encontro de Machado e Capitu” (1999) de Flávio Aguiar e
Ariclê Perez e “Capitu” (1999) de Marcus Vinícius Faustini. Inspirou, até mesmo,
uma ópera, “Dom Casmurro” (1992) de Ronaldo Miranda e Orlando Codá. E, para o
cúmulo da popularização, gerou uma bem cuidada microssérie para televisão:
“Capitu”, exibida pela Rede Globo em 2008, ano do centenário da morte de seu
genial criador: Machado de Assis. Nem na música popular essa apaixonante e
misteriosa (dissimulada?) figura feminina deixou de constar. O compositor
paulista Luiz Tatit compôs uma canção intitulada “Capitu”, gravada por Zélia
Duncan e Ná Ozzetti que, apesar do título, refere-se a uma internauta que usa o
nome da personagem machadiana, mas que, de alguma forma, remete a ela, já que
esse apelido, convenhamos, não é lá tão comum. Grande Maria Capitolina
Santiago!!!
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