Wednesday, June 17, 2015

A verdadeira musa de Machado de Assis

Pedro J. Bondaczuk

O relacionamento de Machado de Assis com Carolina Augusta Xavier de Novaes – considerando namoro, noivado, casamento e vida conjugal de quase 35 anos – parece um desses romances de folhetim, tão a gosto dos sonhadores, com começo turbulento, contudo com meio e final felizes. Ou quase, porquanto a morte da esposa teve efeito arrasador na sempre tão frágil saúde do escritor, tornando sumamente penosos e amargos seus derradeiros quatro últimos anos de vida, repletos de dores e de saudades e possivelmente abreviando sua morte. Foi um relacionamento que tinha tudo para dar errado, e desde o começo, mas... não deu.

Trata-se de um aspecto da biografia de Machado de Assis que merece ser abordado em detalhes (o que me proponho a fazer na sequência). Não, todavia, por eventual mania de bisbilhotar a vida alheia à procura de eventuais escândalos (que neste caso não houve), mas  pela influência que essa companheira excepcional, carinhosa e culta, sua verdadeira “musa” teve sobre o escritor, contribuindo (e não ficaria nada surpreso se decisivamente) para que ele fosse o que foi: gênio das letras, que esbanjou cultura, sensibilidade, competência e talento. Poucas vezes o clichê que diz que “todo grande homem tem ao seu lado uma grande mulher” foi tão verdadeiro como neste caso.

Antes de narrar como o casal se conheceu, se casou e viveu em absoluta harmonia – posto que sem gerar filhos –, peço licença, caríssimo leitor, para fazer algumas considerações à margem, q        eu considero indispensáveis. A obra poética de Machado de Assis sugere que ele tenha sido grande amante. São muitas as mulheres às quais dedicou apaixonados poemas de amor. Todavia, ou estas foram somente idealizadas, frutos de sua imaginação (o que considero o mais provável), ou, se de fato existiram, eram paixões meramente platônicas. Duvido que ele haja namorado qualquer uma delas.

Não estou pondo em dúvida sua masculinidade e nem sua capacidade de conquista, longe disso. Estou sendo, apenas, realista, levando em conta os costumes da época – a segunda metade do século XIX – quando atingiu a adolescência e a posterior maturidade. Namoros, naqueles tempos já tão longínquos, não eram, nem de longe, algo sequer remotamente parecido com os de hoje. Envolviam todo um “cerimonial”, uma série de obrigações sociais rigorosamente respeitada por todas as pessoas “de bem”, não importando sua classe.

Não eram raros os casamentos “acertados” pelos respectivos pais (aliás, eram extremamente comuns, quase regra). O namoro era uma espécie de período de “observação”, sobretudo do noivo, para que a família (e não propriamente a noiva) soubesse o que o marido em potencial era, do que gostava, qual o temperamento que tinha, como se comportava e vai por aí afora. Se os “namorados” viessem a se apaixonar, tanto melhor para ambos. Este, porém, não era o aspecto que contava. Amores platônicos, certamente, havia aos montes. Raros, todavia, eram os que redundavam sequer em namoros, quanto mais em casamentos. Guardadas as devidas proporções, e sem os exageros de então, as mudanças, nesse aspecto, são até relativamente recentes. Datam de umas quatro ou cinco décadas, se tanto.

Esta é a razão de eu apostar que das tantas mulheres que Machado de Assis homenageou com apaixonados poemas, nenhuma chegou, de fato, a ser sua namorada. Não passaram de paixões platônicas, naturais da adolescência. Ou foram, insisto, meramente idealizadas. Havia, óbvio (sempre houve desde tempos imemoriais) relações extraconjugais, e muitas. Adultérios sequer eram raros, posto que encobertos (compreensivelmente) sob indevassável manto de segredo. Quando (ou se) descobertos, causavam monumentais escândalos e às vezes até sangrentas tragédias. As conseqüências piores, contudo, recaíam invariavelmente sobre as mulheres. Os moços das classes alta e média tinham, salvo exceções, iniciação sexual com prostitutas, nos vários prostíbulos existentes na capital do império, coisa, aliás, que nunca faltou em lugar e em tempo algum. Muitos tinham essa primeira experiência com escravas da casa (a escravidão, recorde-se, naquele tempo, ainda era deprimente e vergonhosa realidade).

Não consta, porém, que Machado de Assis tenha sido “apresentado ao sexo” por qualquer dessas vias (ou outra qualquer, se não o casamento). Se fosse, não tenham dúvidas, certamente apareceria alguém para relatar tais aventuras e nos mínimos detalhes (até nos mais escabrosos), dada a projeção que ele adquiriu, graças ao seu talento e genialidade. Vejam o caso, por exemplo, de Victor Hugo, na França, praticamente seu contemporâneo, cujos casos extraconjugais com coristas e costureirinhas de Paris foram escancarados e detalhados até por seus biógrafos mais sóbrios. Tudo isso leva-me à conclusão que Carolina foi não só o grande amor da vida de Machado de Assis, se não o “único”.


Consta que, certa feita, os amigos desconfiaram que o “Bruxo do Cosme Velho” estava traindo a mulher, com furtivas escapadas, que pareciam bastante suspeitas. No afã de salvar seu casamento, caso as desconfianças se confirmassem, resolveram segui-lo. Sabem o que descobriram? Que Machado de Assis ia, todas as tardes, avistar, sim, uma bela moça. Todavia, esta não era de carne e osso. Era a retratada no quadro “A dama do livro”, do pintor Roberto Fontana. A descoberta seguinte foi que o escritor não tinha dinheiro para comprar esse quadro que tanto o fascinava. O que fizeram? Para evitar novas suspeitas –  como as que tiveram – e ao mesmo tempo para homenagear o amigo, adquiriram a referida pintura e deram-na de presente ao autor de “Dom Casmurro”. A felicidade de Machado de Assis foi inenarrável. “A dama do livro”, pelo que consta, foi a única mulher com quem o escritor “traiu” Carolina. E era só personagem de uma pintura..

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