A verdadeira musa de
Machado de Assis
Pedro
J. Bondaczuk
O relacionamento de
Machado de Assis com Carolina Augusta Xavier de Novaes – considerando namoro,
noivado, casamento e vida conjugal de quase 35 anos – parece um desses romances
de folhetim, tão a gosto dos sonhadores, com começo turbulento, contudo com meio
e final felizes. Ou quase, porquanto a morte da esposa teve efeito arrasador na
sempre tão frágil saúde do escritor, tornando sumamente penosos e amargos seus
derradeiros quatro últimos anos de vida, repletos de dores e de saudades e
possivelmente abreviando sua morte. Foi um relacionamento que tinha tudo para
dar errado, e desde o começo, mas... não deu.
Trata-se de um aspecto
da biografia de Machado de Assis que merece ser abordado em detalhes (o que me
proponho a fazer na sequência). Não, todavia, por eventual mania de bisbilhotar
a vida alheia à procura de eventuais escândalos (que neste caso não houve),
mas pela influência que essa companheira
excepcional, carinhosa e culta, sua verdadeira “musa” teve sobre o escritor,
contribuindo (e não ficaria nada surpreso se decisivamente) para que ele fosse
o que foi: gênio das letras, que esbanjou cultura, sensibilidade, competência e
talento. Poucas vezes o clichê que diz que “todo grande homem tem ao seu lado
uma grande mulher” foi tão verdadeiro como neste caso.
Antes de narrar como o
casal se conheceu, se casou e viveu em absoluta harmonia – posto que sem gerar
filhos –, peço licença, caríssimo leitor, para fazer algumas considerações à
margem, q eu considero
indispensáveis. A obra poética de Machado de Assis sugere que ele tenha sido
grande amante. São muitas as mulheres às quais dedicou apaixonados poemas de
amor. Todavia, ou estas foram somente idealizadas, frutos de sua imaginação (o
que considero o mais provável), ou, se de fato existiram, eram paixões
meramente platônicas. Duvido que ele haja namorado qualquer uma delas.
Não estou pondo em
dúvida sua masculinidade e nem sua capacidade de conquista, longe disso. Estou
sendo, apenas, realista, levando em conta os costumes da época – a segunda
metade do século XIX – quando atingiu a adolescência e a posterior maturidade.
Namoros, naqueles tempos já tão longínquos, não eram, nem de longe, algo sequer
remotamente parecido com os de hoje. Envolviam todo um “cerimonial”, uma série
de obrigações sociais rigorosamente respeitada por todas as pessoas “de bem”,
não importando sua classe.
Não eram raros os
casamentos “acertados” pelos respectivos pais (aliás, eram extremamente comuns,
quase regra). O namoro era uma espécie de período de “observação”, sobretudo do
noivo, para que a família (e não propriamente a noiva) soubesse o que o marido
em potencial era, do que gostava, qual o temperamento que tinha, como se
comportava e vai por aí afora. Se os “namorados” viessem a se apaixonar, tanto
melhor para ambos. Este, porém, não era o aspecto que contava. Amores
platônicos, certamente, havia aos montes. Raros, todavia, eram os que
redundavam sequer em namoros, quanto mais em casamentos. Guardadas as devidas
proporções, e sem os exageros de então, as mudanças, nesse aspecto, são até
relativamente recentes. Datam de umas quatro ou cinco décadas, se tanto.
Esta é a razão de eu
apostar que das tantas mulheres que Machado de Assis homenageou com apaixonados
poemas, nenhuma chegou, de fato, a ser sua namorada. Não passaram de paixões
platônicas, naturais da adolescência. Ou foram, insisto, meramente idealizadas.
Havia, óbvio (sempre houve desde tempos imemoriais) relações extraconjugais, e
muitas. Adultérios sequer eram raros, posto que encobertos (compreensivelmente)
sob indevassável manto de segredo. Quando (ou se) descobertos, causavam
monumentais escândalos e às vezes até sangrentas tragédias. As conseqüências
piores, contudo, recaíam invariavelmente sobre as mulheres. Os moços das
classes alta e média tinham, salvo exceções, iniciação sexual com prostitutas,
nos vários prostíbulos existentes na capital do império, coisa, aliás, que
nunca faltou em lugar e em tempo algum. Muitos tinham essa primeira experiência
com escravas da casa (a escravidão, recorde-se, naquele tempo, ainda era
deprimente e vergonhosa realidade).
Não consta, porém, que
Machado de Assis tenha sido “apresentado ao sexo” por qualquer dessas vias (ou
outra qualquer, se não o casamento). Se fosse, não tenham dúvidas, certamente
apareceria alguém para relatar tais aventuras e nos mínimos detalhes (até nos
mais escabrosos), dada a projeção que ele adquiriu, graças ao seu talento e
genialidade. Vejam o caso, por exemplo, de Victor Hugo, na França, praticamente
seu contemporâneo, cujos casos extraconjugais com coristas e costureirinhas de
Paris foram escancarados e detalhados até por seus biógrafos mais sóbrios. Tudo
isso leva-me à conclusão que Carolina foi não só o grande amor da vida de
Machado de Assis, se não o “único”.
Consta que, certa
feita, os amigos desconfiaram que o “Bruxo do Cosme Velho” estava traindo a
mulher, com furtivas escapadas, que pareciam bastante suspeitas. No afã de
salvar seu casamento, caso as desconfianças se confirmassem, resolveram
segui-lo. Sabem o que descobriram? Que Machado de Assis ia, todas as tardes,
avistar, sim, uma bela moça. Todavia, esta não era de carne e osso. Era a
retratada no quadro “A dama do livro”, do pintor Roberto Fontana. A descoberta
seguinte foi que o escritor não tinha dinheiro para comprar esse quadro que tanto
o fascinava. O que fizeram? Para evitar novas suspeitas – como as que tiveram – e ao mesmo tempo para
homenagear o amigo, adquiriram a referida pintura e deram-na de presente ao
autor de “Dom Casmurro”. A felicidade de Machado de Assis foi inenarrável. “A
dama do livro”, pelo que consta, foi a única mulher com quem o escritor “traiu”
Carolina. E era só personagem de uma pintura..
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk.
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