Machado de Assis vai às
raízes da brasilidade
Pedro
J. Bondaczuk
O terceiro livro de
poesias de Machado de Assis foi “Americanas”, datado de 1875. Na oportunidade o
escritor estava próximo da maturidade literária, do seu período mais criativo e
fértil, que seus biógrafos consideram como sendo o a partir dos seus 40 anos de
idade. Embora sem chegar, ainda, ao auge, estava muito próximo dele. Já gozava,
com justiça, de bastante prestígio nos círculos intelectuais e mantinha copiosa
produção, notadamente na imprensa, em jornais e revistas. “Americanas”,
publicado quando Machado de Assis estava com 36 anos de idade, foi o terceiro
livro de poesias, mas não o terceiro de sua então já considerável bibliografia.
Além de “Crisálidas” e
“Falenas”, ele já havia publicado então dois romances (“Ressurreição”, 1872 e
“A mão e a luva”, 1874), duas coletâneas de contos (“Contos fluminenses”, 1870
e “Histórias da meia-noite”, 1873) e sete peças de teatro (“Hoje Avental,
Amanhã Luva”, 1860; “Desencantos”, 1861; “O Caminho da Porta”, 1863; “O
Protocolo”, 1863; “Teatro”, 1863; “Quase Ministro”, 1864 e “Os Deuses de
Casaca”, 1866. Era, portanto, veterano das letras, com treze livros, de quatro
gêneros diferentes, à disposição dos leitores. Muitos escritores consagrados,
no Brasil ou em qualquer parte do mundo, publicaram muito menos do que isso a
vida toda. Mas Machado de Assis estava, apenas, praticamente no início da sua
brilhante (diria, impecável) trajetória literária. O melhor ainda estava por
vir.
Observe-se que, antes
mesmo da publicação de “Crisálidas”, sua produção poética havia diminuído
sensivelmente. Não porque lhe faltasse assunto ou, como se diz, “inspiração”.
Ademais, não parou de compor (claro), já que publicou outros três livros de
poesia na sequência. Apenas limitou a produção. Ocorre que suas atividades,
profissionais e literárias, eram tantas, que sobrava pouco tempo para o
“convívio com as Musas”. Mas se diminuiu a quantidade, aumentou a qualidade de
seus poemas, que já eram de primeiríssima plana. Apurou a linguagem, beirando a
perfeição, variou os temas e incursionou por assuntos que outros poetas de sua
geração não ousavam explorar.
“Americanas”, como o
próprio título sugere, teve como inspiração o retrato romantizado das mulheres
de passado bastante remoto do Brasil, da época da colonização das terras
brasílicas e até anterior a esta. É uma exaltação poética das virtudes
femininas das ancestrais do povo brasileiro, notadamente das indígenas. Claro
que não se tratava só disso. O livro é composto de treze poemas, alguns
bastante extensos, e pode ser considerado como busca poética de uma identidade
brasileira, o que estava bastante em moda no seu tempo, nos primórdios (ou
quase) de um sentimento, ainda tímido, de nacionalidade, que mal se esboçava,
num país com escassas décadas de independência.
“Americanas” não se
limita a exaltar as virtudes femininas das mulheres do período colonial
(indígenas ou não). Traz, por exemplo, versos em homenagem a José Bonifácio de
Andrada e Silva, o patriarca da nossa independência. Machado de Assis explicou,
tempos depois, que compôs esse poema “a pedidos”. Escreveu: (...) "Por
ocasião de ser inaugurada a estátua do patriarca da Independência, em 7 de
setembro de 1873, pediu-mos o Sr Comendador J. Norberto de S. S., ilustrado
vice-presidente do Instituto Histórico e membro da comissão que promovera aquele
monumento. Não podia haver mais agradável tarefa do que esta de prestar
homenagem ao honrado cidadão, cujo nome a história conserva ligado ao do
Fundador do Império".
Outro poema que me
chama, em particular, a atenção, em “Americanas” é a elegia “A Gonçalves Dias”.
Machado de Assis nunca escondeu a admiração que tinha pelo poeta maranhense,
que morreu no mar, quando regressava ao Brasil, após longa ausência. Muitos
críticos vêem certa influência de José de Alencar na decisão do “Bruxo do Cosme
Velho” de explorar temática indigenista nesse livro. Até pode ser. Afinal,
nessa época, Machado de Assis era muito amigo do autor de “Iracema”. Este era,
além, de escritor, político influente durante a monarquia (foi senador). Consta
que ambos trocavam, amiúde, idéias e observações a propósito de tudo,
principalmente de Literatura.
Alguns leitores
comentaram, comigo, que têm certa dificuldade para entender a poesia de Machado
de Assis. Não os critico e nem os tenho em menor conta. É normal. A melhor
explicação a esse propósito foi a dada pelo poeta, crítico literário e
professor pernambucano, Francisco César Leal, em memorável conferência que
proferiu na Academia Brasileira de Letras, se não me falha a memória em 2008,
quando das solenidades alusivas ao centenário da morte do ilustre escritor. À
certa altura, o saudoso conferencista (faleceu em 2013) pontuou:
“Uma das razões que
tornam a poesia de Machado de Assis fechada ao leitor moderno é o caráter
reflexivo de sua expressão. Essa é uma das características da poesia antiga
desde Homero, passando por Virgílio e Horácio, e imprimindo a sua marca aos
poetas posteriores que, em qualquer época, escreveram segundo o cânon antigo. A
estes Horácio, Virgílio e Homero é o que o Curtius chama de clássicos normais.
A poesia lírica de Machado não expressa apenas sentimentos, mas aquilo que ao
pensamento vai sendo comunicado pela reflexão”. E explicou na sequência: “A
reflexão tem o poder de multiplicar as combinações intuitivas, anula os
entusiasmos afetivos, geralmente carregados de retórica, retórica prosaica e
não retórica poética. Por exemplo, a retórica de um Homero, de um Bucano, de um
Shakespeare, de um Camões, de um Goethe, são retóricas que se podem tolerar
muito bem, e seriam até necessárias. Até mesmo o nosso Carlos Drummond de
Andrade tem momentos de alguma retórica”.
Se você, caro leitor,
está entre os que sentem dificuldade em entender e assimilar a poesia de
Machado de Assis, não se constranja e nem desanime. Você não está sozinho nesse
aspecto. Aliás, está muito bem acompanhado. Todavia, em vez de abandoná-la,
liminarmente, como se escrita em hieróglifos, que seja incapaz de decifrar,
persista, teime, estude. O tanto que você irá aprender, com este exercício – e
não só sobre a Literatura, mas, sobretudo sobre a vida – será inestimável. Não
terá preço. Valerá a pena. E, parodiando Fernando Pessoa (no que não estou
sendo nada, nada, original) concluo que “tudo vale a pena se a alma não é
pequena”. E a sua, certamente, não é.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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