Sunday, June 07, 2015

Os 4 marcos da poesia de Machado de Assis

Pedro J. Bondaczuk

O leitor é capaz de identificar, sem vacilações e nem titubeios, apenas pelo estilo, ou pela linguagem, ou pela temática, ou por outro detalhe qualquer, o autor destes magníficos versos, parte de um longo poema? 

“Dois horizontes fecham nossa vida:

  Um horizonte, — a saudade
  Do que não há de voltar;
  Outro horizonte, — a esperança
  Dos tempos que hão de chegar;
  No presente, — sempre escuro,—
  Vive a alma ambiciosa
  Na ilusão voluptuosa
  Do passado e do futuro” (..)

Não identificou? Então quem escreveu estes outros versos, não menos profundos e expressivos?

“Está naquela idade inquieta e duvidosa,
Que não é dia claro e é já o alvorecer;
Entreaberto botão, entrefechada rosa,
Um pouco de menina e um pouco de mulher.

Às vezes recatada, outras estouvadinha,
Casa no mesmo gesto a loucura e o pudor;
Tem coisas de criança e modos de mocinha,
Estuda o catecismo e lê versos de amor (..).

Continua em dúvida? Não sabe nem mesmo se são de um mesmo autor ou de dois diferentes? E quem escreveu isto (garanto, para facilitar, que não foi Gonçalves Dias)?

“Mãe dos frutos, Jaci, no alto espaço
Ei-la assoma serena e indecisa:
Sopro é dela esta lânguida brisa
Que sussurra na terra e no mar.
Não se mira nas águas do rio,
Nem as ervas do campo branqueia;
Vaga e incerta ela vem, como a idéia
Que inda apenas começa a espontar (...)

Eu compliquei, em vez de simplificar? Não foi minha intenção. Farei mais uma tentativa. Quem escreveu este soneto?

“Um homem, — era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço no Nazareno, —
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,

Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações da sua idade antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno.

Escolheu o soneto... A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.

E, em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
‘Mudaria o Natal ou mudei eu?’"

Bingo! Pelo menos este soneto o leitor, com conhecimento razoável de Literatura, sabe de sobejo quem escreveu. É a composição poética mais conhecida de Machado de Assis, que circula, inclusive, internet afora, sobretudo em época das festas natalinas. Estou certo que muitos dos meus leitores (assim como eu) conhecem-no de cor e salteado. É popularíssimo, sobretudo pela forma com que encerra este “Soneto de Natal”.

E se eu lhes dissesse que todas essas citações integram poemas que partiram da mesma cabeça, da sensibilidade do mesmo poeta, vocês acreditariam? Não?!!! Pois deveriam. Todos estes versos são partes de algum poema de Machado de Assis. Tive o cuidado de selecioná-los de livros de poesia diferentes, dos quatro que o genial escritor publicou. Comprometo-me a analisá-los, oportunamente, em separado, já que marcam fases bem distintas não somente da trajetória poética de Machado de Assis, mas de toda sua memorável carreira.

Os primeiros versos que lhe apresentei, caríssimo leitor, abrem o poema “Os dois horizontes”. Essa peça literária foi publicada em “Crisálidas”, o primeiro livro do escritor, lançado em 1864, quando tinha, apenas, vinte e cinco anos de idade, marcando sua estréia no mundo das letras. Os versos seguintes são do poema “Menina e Moça”, de onze estrofes, em que se nota já certo amadurecimento vocabular, sobretudo maior leveza na linguagem. Integra o livro “Falenas” de 1870. Até então, Machado de Assis ainda não havia publicado nada, nada em prosa (não, pelo menos, em livros, posto que publicasse em jornais e revistas).

Já os terceiros versos citados abrem o poema “Lua Nova”. Pela temática e até pela forma a que recorreu, lembra, um pouco, o poeta indigenista Gonçalves Dias. Integra o terceiro livro de poesias de Machado de Assis, “Americanas”, de 1875, quando já começava a se destacar em ficção, escrevendo e publicando romances e contos (além de várias crônicas). A temática, como analisarei oportunamente, tem muito a ver com este nosso Novo Mundo. Finalmente o “Soneto de Natal”, cuja autoria o leitor atento certamente identificou, e sem vacilar, faz parte do livro “Ocidentais”, de 1880 – que muitos consideram como o melhor, de Machado de Assis, no gênero poesia. Eu não faço essa distinção! Gosto de todos os quatro! A essa altura, ele já era escritor consagrado, que caíra no gosto dos leitores, e que atravessava a fase mais criativa da carreira.

Um detalhe chama-me, em particular, a atenção. É o fato de Machado de Assis ter publicado, praticamente, um livro de poesias a cada cinco anos. A exceção foi o intervalo de tempo entre “Crisálidas” e “Falenas”,           que foi de seis anos. Os demais... Se os dois primeiros foram publicados quando o escritor não publicara nada ainda em prosa, os dois últimos vieram a público quando já era respeitável (e respeitado) ficcionista, com seus romances e contos. Cada um demarcou, de maneira inquestionável, uma fase da sua trajetória literária. Quanto à análise (um pouquinho mais detalhada) de “Crisálidas”, “Falenas”, “Americanas” e “Ocidentais”, emboras eu não seja um Edgar Alan Poe e nem Alfred Hitchcock, farei certo suspense. Essa tarefa ficará para outra ocasião.


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