Os 4 marcos da poesia
de Machado de Assis
Pedro
J. Bondaczuk
O leitor é capaz de
identificar, sem vacilações e nem titubeios, apenas pelo estilo, ou pela
linguagem, ou pela temática, ou por outro detalhe qualquer, o autor destes
magníficos versos, parte de um longo poema?
“Dois
horizontes fecham nossa vida:
Um horizonte, — a saudade
Do que não há de voltar;
Outro horizonte, — a esperança
Dos tempos que hão de chegar;
No presente, — sempre escuro,—
Vive a alma ambiciosa
Na ilusão voluptuosa
Do passado e do futuro” (..)
Não identificou? Então
quem escreveu estes outros versos, não menos profundos e expressivos?
“Está
naquela idade inquieta e duvidosa,
Que
não é dia claro e é já o alvorecer;
Entreaberto
botão, entrefechada rosa,
Um
pouco de menina e um pouco de mulher.
Às
vezes recatada, outras estouvadinha,
Casa
no mesmo gesto a loucura e o pudor;
Tem
coisas de criança e modos de mocinha,
Estuda
o catecismo e lê versos de amor (..).
Continua em dúvida? Não
sabe nem mesmo se são de um mesmo autor ou de dois diferentes? E quem escreveu
isto (garanto, para facilitar, que não foi Gonçalves Dias)?
“Mãe
dos frutos, Jaci, no alto espaço
Ei-la
assoma serena e indecisa:
Sopro
é dela esta lânguida brisa
Que
sussurra na terra e no mar.
Não
se mira nas águas do rio,
Nem
as ervas do campo branqueia;
Vaga
e incerta ela vem, como a idéia
Que
inda apenas começa a espontar (...)
Eu compliquei, em vez
de simplificar? Não foi minha intenção. Farei mais uma tentativa. Quem escreveu
este soneto?
“Um
homem, — era aquela noite amiga,
Noite
cristã, berço no Nazareno, —
Ao
relembrar os dias de pequeno,
E
a viva dança, e a lépida cantiga,
Quis
transportar ao verso doce e ameno
As
sensações da sua idade antiga,
Naquela
mesma velha noite amiga,
Noite
cristã, berço do Nazareno.
Escolheu
o soneto... A folha branca
Pede-lhe
a inspiração; mas, frouxa e manca,
A
pena não acode ao gesto seu.
E,
em vão lutando contra o metro adverso,
Só
lhe saiu este pequeno verso:
‘Mudaria
o Natal ou mudei eu?’"
Bingo! Pelo menos este
soneto o leitor, com conhecimento razoável de Literatura, sabe de sobejo quem
escreveu. É a composição poética mais conhecida de Machado de Assis, que
circula, inclusive, internet afora, sobretudo em época das festas natalinas.
Estou certo que muitos dos meus leitores (assim como eu) conhecem-no de cor e
salteado. É popularíssimo, sobretudo pela forma com que encerra este “Soneto de
Natal”.
E se eu lhes dissesse
que todas essas citações integram poemas que partiram da mesma cabeça, da
sensibilidade do mesmo poeta, vocês acreditariam? Não?!!! Pois deveriam. Todos
estes versos são partes de algum poema de Machado de Assis. Tive o cuidado de
selecioná-los de livros de poesia diferentes, dos quatro que o genial escritor
publicou. Comprometo-me a analisá-los, oportunamente, em separado, já que
marcam fases bem distintas não somente da trajetória poética de Machado de
Assis, mas de toda sua memorável carreira.
Os primeiros versos que
lhe apresentei, caríssimo leitor, abrem o poema “Os dois horizontes”. Essa peça
literária foi publicada em “Crisálidas”, o primeiro livro do escritor, lançado
em 1864, quando tinha, apenas, vinte e cinco anos de idade, marcando sua
estréia no mundo das letras. Os versos seguintes são do poema “Menina e Moça”,
de onze estrofes, em que se nota já certo amadurecimento vocabular, sobretudo
maior leveza na linguagem. Integra o livro “Falenas” de 1870. Até então,
Machado de Assis ainda não havia publicado nada, nada em prosa (não, pelo
menos, em livros, posto que publicasse em jornais e revistas).
Já os terceiros versos
citados abrem o poema “Lua Nova”. Pela temática e até pela forma a que
recorreu, lembra, um pouco, o poeta indigenista Gonçalves Dias. Integra o
terceiro livro de poesias de Machado de Assis, “Americanas”, de 1875, quando já
começava a se destacar em ficção, escrevendo e publicando romances e contos
(além de várias crônicas). A temática, como analisarei oportunamente, tem muito
a ver com este nosso Novo Mundo. Finalmente o “Soneto de Natal”, cuja autoria o
leitor atento certamente identificou, e sem vacilar, faz parte do livro
“Ocidentais”, de 1880 – que muitos consideram como o melhor, de Machado de
Assis, no gênero poesia. Eu não faço essa distinção! Gosto de todos os quatro!
A essa altura, ele já era escritor consagrado, que caíra no gosto dos leitores,
e que atravessava a fase mais criativa da carreira.
Um detalhe chama-me, em
particular, a atenção. É o fato de Machado de Assis ter publicado,
praticamente, um livro de poesias a cada cinco anos. A exceção foi o intervalo
de tempo entre “Crisálidas” e “Falenas”, que
foi de seis anos. Os demais... Se os dois primeiros foram publicados quando o
escritor não publicara nada ainda em prosa, os dois últimos vieram a público
quando já era respeitável (e respeitado) ficcionista, com seus romances e contos.
Cada um demarcou, de maneira inquestionável, uma fase da sua trajetória
literária. Quanto à análise (um pouquinho mais detalhada) de “Crisálidas”,
“Falenas”, “Americanas” e “Ocidentais”, emboras eu não seja um Edgar Alan Poe e
nem Alfred Hitchcock, farei certo suspense. Essa tarefa ficará para outra
ocasião.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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