Fecho de ouro da obra
poética de Machado de Assis
Pedro
J. Bondaczuk
O último dos quatro
livros de poesias de Machado de Assis leva o título de “Ocidentais”. Foi
publicado em 1880, quando o escritor, já consagrado, estava com 41 anos de
idade, plenamente maduro como poeta e como homem. Abriu sua fase mais criativa
e prolífica, na qual produziu sete dos seus nove romances, mais de uma centena
de contos, além de crônicas, artigos políticos, crítica literária e peças
teatrais. “Ocidentais” foi o fecho de ouro de um poeta que dispensa adjetivos.
Sua obra poética fala por si só. É digna de ser lida, estudada, meditada e
difundida geração após geração. Mantém o que todo escritor sonha e raros
conseguem: a atualidade. Não se torna defasada, ultrapassada, démodé, passe o
tempo que passar.
Uma das peculiaridades
desse livro é o fato de Machado de Assis haver incluído nele três obras-primas
de terceiros, de reconhecidos gênios da Literatura mundial, que ele traduziu de
maneira competente e primorosa: “O corvo”, de Edgar Alan Poe; “Ser ou não ser”,
de William Shakespeare e “Os animais iscados da peste”, de Jean de La Fontaine.
Recorde-se que ele aprendeu o inglês e o francês praticamente sozinho, sem
frequent6ar nenhuma escola de línguas, o que dá conta de sua capacidade de
apreensão e inteligência. É em “Ocidentais” que Machado publicou seus melhores
sonetos, dando verdadeira aula de como compor esse complexo tipo de poesia,
belíssimo quando composto com maestria.
As poesias que compõem
o livro são: “O desfecho”, “Círculo vicioso”, “Uma criatura”, “A Artur de
Oliveira, enfermo”, “Mundo interior”, “O corvo” (tradução de “The raven”, de
Edgar Alan Poe), “Perguntas sem respostas”, “Ser ou não ser” (tradução “Be or
not to be” de William Shakespare), “Lindóia”, “Suave mari magno”, “A mosca
azul”, “Antonio Jose”, “Espinosa”, “Gonçalves Crespo”, “Alencar”, “Camões,
“José de Anchieta”, “Soneto de Natal”, “Os Animais iscados da peste” (tradução
de Jean de La Fontaine), “Dante”, “A
Felício dos Santos”, “Maria”, “A uma senhora que me pediu versos”, “Clódia” e
“No alto”. Notem quantas pessoas – quer clássicos, quer poetas apenas
conhecidos, quer “obscuros” até – Machado de Assis homenageia.
Após haver analisado,
nos últimos meses, a obra poética do autor de “Dom Casmurro”, concluí (e tenho
argumentos sólidos para fundamentar essa tese) que, ao contrário da opinião de
muitos críticos literários, “Crisálidas”, “Falenas”, “Americanas” e
“Ocidentais” se completam. Qualquer dessas obras que faltasse, deixaria uma
enorme lacuna na poesia de Machado de Assis. Isso não quer dizer que ele
deixaria de ser grande poeta. Não deixaria. Contudo, faltaria alguma coisa.
Concordo, pois, somente em parte com a afirmação de Manuel Bandeira, que disse
que “se Machado tivesse escrito apenas ‘Crisálidas’ e ‘Americanas’, ele não
teria ficado como grande poeta”. Entendo que teria, mesmo assim, posto que sem
exibir toda a grandeza do seu imenso talento. Bandeira, porém, complementou sua
opinião afirmando que, “em ‘Ocidentais’, Machado efetivamente criou uma obra
poética de primeira linha”. Diria que a “complementou”.
Ilustres mestres de
Literatura, inclusive do Exterior, fundamentam minha conclusão. Recorro, mais
uma vez, ao que disse o ilustre (e saudoso) poeta e crítico literário Francisco
César Leal, na memorável conferência que fez na Academia Brasileira de Letras,
em 2008, alusiva ao centenário de morte do “Bruxo do Cosme Velho”. Ele afirmou,
em certo trecho: “Felizmente, encontrei um autor italiano que, quando estuda os
nossos poetas românticos, dedica a Machado de Assis, numa grande enciclopédia
em dois volumes na Itália, da Bambiani, cerca de cento e quarenta linhas. Bota
trinta e oito para Castro Alves, trinta e oito para Álvares de Azevedo e
quarenta e oito para Gonçalves Dias. E diz que o melhor de todos eles, como
poeta, é Machado de Assis, porque é o mais perfeito e o mais completo”.
O ilustre mestre
citado, professor Ugo Gallo, de uma universidade da Itália que César Leal não
identifica, chega, como se vê, às mesmas conclusões que cheguei (e que expus)
quando comentei os três livros de poesia anteriores do autor de “Dom Casmurro”.
Escreve, na citada enciclopédia, conforme César Leal destacou: “Vou mostrar o
texto de ‘Crisálidas’, primeira coletânea de versos do brasileiro Joaquim Machado
de Assis, publicada em 1864, incluída nas ‘Obras Completas’ de 1901. Frente à
exuberância desenfreada de seus contemporâneos, naturalmente indisciplinados e
dominados pela influência avassaladora dos românticos franceses, Machado
revela, desde essa primeira tentativa poética, profundeza de sentimentos,
grande sobriedade verbal, que o separam dos seus contemporâneos, deixando
perplexo o elemento literário de seu país, por causa do seu inato classicismo e
pela força orgânica do seu estilo imediatamente adquirido. Também para ele, os
temas em que se inspira são a sensualidade face ao ardente, doloroso e
maravilhado subjetivismo, frente à inexorabilidade da natureza".
Especificamente, sobre
o último livro de poesias de Machado de Assis, Ugo Gallo escreveu (e foi
reproduzido por César Leal em sua conferência): "As ‘Ocidentais’... é um
livro que se assemelha em tudo a Verlaine – se sente bem superior a Verlaine.
Depois de uma limpidíssima prosa, das suas novelas mais importantes, Machado
nos dá aqui uma limpidíssima poesia. Em ‘Americanas’, ele havia cedido à
eloqüência laudatória, com suas odes aos grandes poetas brasileiros Gonçalves,
Anchieta, Alencar, o autor dos ‘Primeiros cantos’, e ao português Camões. E
nesta última coleção, nos deixa em ‘Ocidentais’ algumas obras-primas: ‘Uma
criatura’, ‘Círculo vicioso’ e ‘Mundo interior’. Correção extremada de
linguagem, pureza de estilo, perfeição métrica. É moderno, cético, daquele
ceticismo refinado e puro, tão análogo ao espírito de outros europeus a quem
ele não imitava".
Viram? Houve quem
achasse que exagerei em meus comentários sobre os méritos poéticos de Machado
de Assis. Admito que sou mesmo exagerado em muitas coisas, mas mantenho (ou
tento manter) sobriedade quando se trata
de literatura. A avaliação do professor Ugo Gallo mostra que fui comedido em
excesso em minhas apreciações. Ademais, quem ainda achar que há exagero nas
minhas avaliações, é fácil de conferir. Faça o que eu fiz: leia,
analiticamente, “Crisálidas”, “Falenas”, “Americanas” e “Ocidentais” e tire
suas próprias conclusões.
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