Visita inoportuna
Pedro J.
Bondaczuk
A queda do regime sandinista da Nicarágua transformou-se
em verdadeira obsessão para o presidente norte-americano, Ronald Reagan. E se
já era algo pelo que lutava, desde seu primeiro dia na Casa Branca, passou a
ser um objetivo muito maior, a partir de dois fatos recentes.
O primeiro, foi a recusa do
Congresso dos EUA, mais especificamente, de sua Câmara de Deputados, em
conceder ajuda, de US$ 14 milhões, aos anti-sandinistas, através da Agência
Central de Inteligência, a CIA. O fato constituiu-se na maior derrota, até
aqui, de Reagan, no Legislativo.
O segundo episódio, e este
bastante relevante, foi a visita feita pelo presidente da Nicarágua, Daniel
Ortega de Saavedra, à União Soviética e a outros países do Leste Europeu, logo
em seguida à derrota do projeto de auxílio aos “contras”.
Quando o dirigente sandinista,
após uma eleição em que muitos de seus mais ferrenhos adversários não puderam
concorrer, assumiu o governo, solenemente, meses atrás, nós comentávamos que
ele teria, pelo menos no início do mandato, de agir com muita prudência, pois
estaria se equilibrando, permanentemente, em uma perigosa corda-bamba, capaz de
o derrubar a qualquer instante.
Afirmávamos, ainda, que o ideal
seria que ele mantivesse estrito não-alinhamento, não servindo de instrumento
para acirrar as picuinhas das superpotências. Dizíamos que, se Daniel Ortega
pendesse, por pouco que fosse, para a direita, os cubanos fariam de tudo para
que ele fosse derrubado. Mas que, se optasse por um alinhamento ostensivo com a
esquerda, fatalmente, mais dia, menos dia, os norte-americanos desembarcariam
os seus marines em solo nicaragüense e fariam tudo retornar aos tempos
anteriores a 1979, quando a família Somoza permitia que a Nicarágua não
passasse de mero feudo de Tio Sam.
Ortega escolheu procurar abrigo
sob as asas protetoras de Moscou, fiando-se na experiência de 25 anos atrás. E,
certamente, se dará muito mal. As condições são muito diversas, entre a época
em que os guerrilheiros de Sierra Maestra, após deporem o ditador Fulgência
Batista, resolveram criar um enclave soviético no continente e as atuais.
A União Soviética, certamente,
deve estar arrependida dessa aventura, que não lhe trouxe grandes benefícios,
nem estratégicos, nem em termos de avanço da sua ideologia, conforme ela então
acreditava, e que acabou tendo que financiar. Cuba custa, hoje, aos cofres de
Moscou, algo equivalente a US$ 10 milhões por dia. Ou seja, quase a mesma
quantia que Reagan reivindicava para cumprir uma promessa (que acabou não
cumprida) de financiar os chamados “contras”.
Muitos podem argumentar que a
Nicarágua não tinha outra escolha, após a decretação do embargo comercial
norte-americano contra o país. Mas todos sabem que tinha. Bastava, apenas, ter
um pouquinho mais de jogo de cintura. Poderia, por exemplo, ceder nas
exigências básicas de Reagan e negociar com os tradicionais adversários
internos. Ou, na pior das hipóteses, tinha a alternativa de buscar a ajuda,
indispensável – para substituir os produtos norte-americanos e para colocar os
seus – na Europa Ocidental, simpática à causa sandinista.
A ida a Moscou, logo após a
Câmara de Deputados dos EUA recusar o pedido do presidente aos “contras”, criou
visível desconforto, até em áreas favoráveis ao atual governo de Manágua. E deu
a Reagan o pretexto que ele sempre buscou para uma ação mais severa, até de
caráter militar, contra o país.
Ele pode estar raciocinando: “se
não foi possível dar aos anti-sandinistas os US$ 14 milhões prometidos, que se
lhes conceda, então, um prêmio maior: o poder”. Pretextos para uma invasão
(ademais, desnecessários), certamente, não vão faltar.
Por outro lado, é outra balela
afirmar que a Nicarágua pode se tornar outro Vietnã para os Estados Unidos.
Quem diz isso, não conhece as profundas diferenças que existem, não somente
quanto às situações, como entre os povos envolvidos nelas. Afinal, a Nicarágua
jamais teve, entre suas tradições, um Diem-Bien-Phu. E nem Ortega é Nguien Van
Giap. E isso faz grande, senão toda diferença.
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 6
de junho de 1985).
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