Friday, January 23, 2015

A crítica que incomoda

Pedro J. Bondaczuk

O intelectual, principalmente se for artista, é, salvo exceções, extremamente vaidoso, mesmo que saiba dissimular essa vaidade e se mostre modesto em público. Por essa razão, é bastante sensível às críticas, embora estas sejam necessárias, quando pertinentes, para a correção de rumos, se estes não forem corretos e/ou adequados. Aliás, nem é necessário ser nenhum erudito, um “poço de cultura”, para se incomodar com opiniões negativas de terceiros. E, claro, esse tipo de sensibilidade não é prerrogativa exclusiva de artistas. Pessoa alguma, mesmo que seja a própria imperfeição ambulante, poço de mediocridade, o sujeito mais errado do mundo, gosta de ser criticada. Quem disser o contrário, estará mentindo. Pode até aceitar restrições, tanto ao que é quanto ao que faz, entendendo que estas sejam necessárias e que podem lhe trazer benefícios. Mas gostar, gostar mesmo, duvido que goste.

Salvo se formos sumamente alienados, temos, todos nós, noção das nossas limitações. Ninguém é autossuficiente em nada e muito menos perfeito, seja no que for. E sabemos disso. Procuramos, todavia, com o máximo empenho, preservar essas nossas tantas vulnerabilidades do olhar indiscreto do público, mesmo que elas sejam gritantemente ostensivas. Alguns conseguem dissimular seus defeitos, sejam de que natureza forem. Outros tantos, por mais que se empenhem, não têm êxito, por eles serem ostensivos em demasia. Fazemos de tudo para que nossas imperfeições não sejam fatores que nos façam, digamos, resvalar para o ridículo. Mesmo sabendo, em nosso íntimo, que determinado texto que escrevermos (se formos escritores, no caso) – em verso ou em prosa – esteja distante, por exemplo, da mínima correção, quanto mais da perfeição que tanto buscamos, nos incomodamos se alguém nos diz. Podemos reconhecer a deficiência, mas não aceitamos que outros a identifiquem e a esfreguem em nosso nariz, mesmo que com palavras amáveis, gentis, melífluas ate. Afinal, isso é da natureza humana.

Alguns sequer admitem que cometam falhas. Julgam-se – ou apenas dão a entender que se julgam – perfeitos. Dessa maneira, afogam talentos, muitas vezes no nascedouro, em virtude desse amor próprio exacerbado. No outro extremo, há os hipócritas. Os que se revestem de falsa humildade, à espera de elogios dos que os rodeiam. A virtude, no entanto, está no meio. Está em aceitar as críticas, por mais que nos incomodem e nos doam, com a condição delas serem pertinentes e feitas por quem tenha autoridade para fazê-las. Mas sem se depreciar à espera de ser contestado. Isso chama-se hipocrisia e não traz benefício algum a ninguém. Mas não podemos e não devemos nunca admitir críticas que não sejam válidas, e não propriamente por questão de vaidade, mas de justiça e de amor próprio. E, sobretudo, por razões práticas. Pela convicção de que elas não nos trarão benefício algum.

Um leigo, que não conheça sequer o ABC da Física, por exemplo, não tem condição alguma de criticar uma nova teoria que esteja sendo apresentada por um especialista da matéria, por mais absurda que pareça. Não é opinião abalizada que deva ser levada a sério. Todavia, há muitos e muitos e muitos chatos de plantão que se arrogam em especialistas de tudo e de qualquer coisa e se esmeram em enumerar um elenco interminável de críticas a propósito do que não entendem e jamais entenderão. Da mesma forma, um analfabeto não tem base para encontrar reparos no estilo, digamos, de um Machado de Assis, de um Vinícius de Moraes, de um Érico Veríssimo, ou de qualquer outro escritor consagrado, brasileiro ou não, por jamais ter lido nada deles, até por não saber ler.

Critica válida, portanto, é a de pessoa com conhecimento de causa para criticar. Somente isso, todavia, não basta. É preciso que seja honesta. É necessário que aquilo que esteja sendo criticado seja de fato defeito. Que não haja interesses pessoais ou antipatias por trás dos reparos. Aliás, o crítico desonesto, que tenta destruir uma obra somente por não gostar do autor, invariavelmente acaba se dando mal. Ao questionar alguma coisa notoriamente de qualidade, que haja caído no agrado público, terá seu próprio bom gosto ou tirocínio postos em questão. O tiro sairá, com certeza, pela culatra.

Além das características citadas, a crítica, para ser bem aceita, tem que ser feita no momento oportuno. Nada é mais constrangedor, para não dizer irritante, do que ser criticado após um trabalho estafante, feito em condições precárias e cujo resultado, embora não perfeito, seja visivelmente bom. Em jornalismo temos muito disso. Muitas vezes um leitor, atormentado por problemas pessoais, liga para as redações ou para criticar o que não entende, ou para pôr reparos em nosso estilo, ou apenas para ter um "bode expiatório" sobre o qual descarregar suas frustrações e complexos. Raciocina – senão consciente, pelo menos inconscientemente – que ninguém é melhor para alvo de sua raiva na maioria dos casos indefinida e vaga, do que uma figura pública.

Acontece que esta também é humana. Igualmente tem problemas, dores, mágoas, frustrações e momentos de ira, como todo mundo. Mesmo assim, se o criticado tiver cabeça, se confiar no que faz e se souber onde pretende chegar, até a crítica maldosa e ostensivamente destrutiva tende a ser um benefício. Foi o que escreveu o filósofo Edmund Burke, ao constatar: "Aquele que nos combate fortalece nossas energias e aguça nosso potencial. Nosso adversário é nosso salvador". Mas que incomoda... ora, ora, ora, não tenham a mais remota dúvida. Ou não incomoda?! Claro que sim, e além da conta.


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