Que não se perca o “bonde da história”
Pedro J.
Bondaczuk
O Líbano, pela quinta ou sexta vez nos últimos doze anos,
está em vias de obter um acordo entre os “senhores da guerra” para pôr fim à
confrontação entre irmãos que se verifica nesse país desde abril de 1975. Mais
uma vez, a fiadora dessa proposta pacificadora é a Síria, na pessoa do seu
presidente, Hafez Assad.
A esta altura, porém, a
expectativa já não é tão acentuada quanto foi em outras oportunidades e isso é
bastante compreensível, em virtude das várias frustrações que sua população tem
passado a esse respeito.
A última tentativa nesse sentido
foi realizada em 28 de dezembro de 1985. Naquela ocasião, os chefes de todas as
milícias firmaram um acordo, pelo qual se comprometiam a alterar a Constituição
do Líbano (que data de 1943), para que se fizesse uma distribuição mais
equânime do poder.
Na época em que essa Carta Magna
foi elaborada, a realidade nacional libanesa era bastante diversa da existente
hoje. A comunidade cristã maronita era majoritária, não existia o Estado de
Israel, não havia um movimento no mundo árabe (que a rigor, virtualmente, não
existia, já que vários dos países atuais ainda eram colônias) reivindicando uma
pátria para os palestinos. Ou seja, inexistiam todas as questões que são hoje
as chaves do presente conflito.
Atualmente, o quadro é bem
diverso e em vários aspectos. O Líbano, de uns tempos para cá, a despeito de
ter um governo legalmente constituído e empossado, tornou-se uma terra de
ninguém. Ou, melhor seria dito se afirmássemos “de todo o mundo”. Sua soberania
tornou-se uma verdadeira ficção, já que as decisões realmente relevantes vêm
todas de fora. Principalmente de Damasco, ditadas por Hafez Assad, cujo país
tem um mandado da Liga Árabe para tentar pacificar essa outrora exemplar
comunidade nacional.
Há algumas fortes indicações,
porém, de que o atual plano de paz tem mais condições de ser aceito do que o
anterior. O acordo de dezembro de 1985 tinha uma falha fundamental. Um dos seus
signatários não era parte legítima para assumir este compromisso.
Ao invés dos mediadores terem
consultado o presidente Amin Gemayel para responder pelos cristãos maronitas, a
tarefa foi entregue a Elie Hobeika, que comandava na ocasião uma das tantas
facções em que se divide a milícia maronita. É claro que o governante e seus
seguidores só poderiam assumir a atitude que assumiram então.
Contestados em sua autoridade,
passados despudoradamente para trás, depuseram esse comandante da chefia do
grupo, cargo que foi conquistado, numa sangrenta batalha de quase uma semana,
por Samir Geagea, um homem afinado com a família do falecido patriarca Pierre
Gemayel, criador dessa organização e durante muitos anos uma “eminência parda”
do governo nacional.
Desta vez, o presidente concorda
com o plano de pacificação. E é bem provável que se desloque para Damasco para
o sacramento, neste final de semana. Mas o projeto ainda está encontrando
alguma resistência, embora tenha conseguido, anteontem, a importante adesão de
Camille Chamoun, que já presidiu esse país e é um dos seus políticos mais
reputados, respeitado por seguidores e por adversários.
O obstáculo, mais uma vez, é
Samir Geagea. Desta feita, não em virtude de alguém estar tentando solapar a
autoridade de seu chefe, Amin Gemayel. Ocorre que esse comandante da milícia
cristã simplesmente não suporta os sírios. Sente-se humilhado por ver o
território da sua pátria sob ocupação estrangeira e gostaria que as coisas
voltassem a ser como antes, quando o poderio dos maronitas era incontrolável. Só
que os tempos são outros.
A realidade de hoje é muito
diferente de quando a guerra civil começou. De todas as comunidades, a que mais
perdeu com o conflito foi a cristã. E o país só terá condições de ver o fim da
atual carnificina caso sua liderança caia na realidade e aceite fazer
concessões. Caso contrário, o caos persistirá indefinidamente e o Líbano não
passará de mero arremedo de uma sociedade nacional.
A hora e a vez da reconciliação0
pode ser agora e ninguém tem o direito de deixar passar tão pr4eciosa
oportunidade. Sob pena, inclusive, de ser cobrado pela história.
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 6
de março de 1987).
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