Sunday, January 25, 2015

Que não se perca o “bonde da história”


Pedro J. Bondaczuk


O Líbano, pela quinta ou sexta vez nos últimos doze anos, está em vias de obter um acordo entre os “senhores da guerra” para pôr fim à confrontação entre irmãos que se verifica nesse país desde abril de 1975. Mais uma vez, a fiadora dessa proposta pacificadora é a Síria, na pessoa do seu presidente, Hafez Assad.

A esta altura, porém, a expectativa já não é tão acentuada quanto foi em outras oportunidades e isso é bastante compreensível, em virtude das várias frustrações que sua população tem passado a esse respeito.

A última tentativa nesse sentido foi realizada em 28 de dezembro de 1985. Naquela ocasião, os chefes de todas as milícias firmaram um acordo, pelo qual se comprometiam a alterar a Constituição do Líbano (que data de 1943), para que se fizesse uma distribuição mais equânime do poder.

Na época em que essa Carta Magna foi elaborada, a realidade nacional libanesa era bastante diversa da existente hoje. A comunidade cristã maronita era majoritária, não existia o Estado de Israel, não havia um movimento no mundo árabe (que a rigor, virtualmente, não existia, já que vários dos países atuais ainda eram colônias) reivindicando uma pátria para os palestinos. Ou seja, inexistiam todas as questões que são hoje as chaves do presente conflito.

Atualmente, o quadro é bem diverso e em vários aspectos. O Líbano, de uns tempos para cá, a despeito de ter um governo legalmente constituído e empossado, tornou-se uma terra de ninguém. Ou, melhor seria dito se afirmássemos “de todo o mundo”. Sua soberania tornou-se uma verdadeira ficção, já que as decisões realmente relevantes vêm todas de fora. Principalmente de Damasco, ditadas por Hafez Assad, cujo país tem um mandado da Liga Árabe para tentar pacificar essa outrora exemplar comunidade nacional.

Há algumas fortes indicações, porém, de que o atual plano de paz tem mais condições de ser aceito do que o anterior. O acordo de dezembro de 1985 tinha uma falha fundamental. Um dos seus signatários não era parte legítima para assumir este compromisso.

Ao invés dos mediadores terem consultado o presidente Amin Gemayel para responder pelos cristãos maronitas, a tarefa foi entregue a Elie Hobeika, que comandava na ocasião uma das tantas facções em que se divide a milícia maronita. É claro que o governante e seus seguidores só poderiam assumir a atitude que assumiram então.

Contestados em sua autoridade, passados despudoradamente para trás, depuseram esse comandante da chefia do grupo, cargo que foi conquistado, numa sangrenta batalha de quase uma semana, por Samir Geagea, um homem afinado com a família do falecido patriarca Pierre Gemayel, criador dessa organização e durante muitos anos uma “eminência parda” do governo nacional.

Desta vez, o presidente concorda com o plano de pacificação. E é bem provável que se desloque para Damasco para o sacramento, neste final de semana. Mas o projeto ainda está encontrando alguma resistência, embora tenha conseguido, anteontem, a importante adesão de Camille Chamoun, que já presidiu esse país e é um dos seus políticos mais reputados, respeitado por seguidores e por adversários.

O obstáculo, mais uma vez, é Samir Geagea. Desta feita, não em virtude de alguém estar tentando solapar a autoridade de seu chefe, Amin Gemayel. Ocorre que esse comandante da milícia cristã simplesmente não suporta os sírios. Sente-se humilhado por ver o território da sua pátria sob ocupação estrangeira e gostaria que as coisas voltassem a ser como antes, quando o poderio dos maronitas era incontrolável. Só que os tempos são outros.

A realidade de hoje é muito diferente de quando a guerra civil começou. De todas as comunidades, a que mais perdeu com o conflito foi a cristã. E o país só terá condições de ver o fim da atual carnificina caso sua liderança caia na realidade e aceite fazer concessões. Caso contrário, o caos persistirá indefinidamente e o Líbano não passará de mero arremedo de uma sociedade nacional.

A hora e a vez da reconciliação0 pode ser agora e ninguém tem o direito de deixar passar tão pr4eciosa oportunidade. Sob pena, inclusive, de ser cobrado pela história.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 6 de março de 1987).


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