Paixão
por livros
Pedro J. Bondaczuk
O livro sempre esteve presente em
minha vida, desde que me conheço por gente ou, mais especificamente, desde meus
cinco anos de idade, quando aprendi a ler com meu saudoso pai, em uma velha
Bíblia, que não sei onde foi parar. Entrei para a escola já alfabetizado. Isso
facilitou muito minha tarefa de aprender conceitos básicos, fundamentais para a
sequência da minha vida e me descortinou um mundo maravilhoso, que tive o
privilégio de desbravar. Quanto à Bíblia, em que aprendi a ler, sinto-me
frustrado até hoje com o fato de não tê-la guardado como relíquia. Afinal, sua
importância sentimental é imensurável em minha biografia. Nunca soube onde ela
foi parar.
Meu saudoso pai foi não somente
meu primeiro mestre – o que tem importância sem limites na minha vida – mas
também, e principalmente, o responsável pela minha paixão por livros. Jamais me
obrigou a aprender as primeiras letras. O aprendizado deu-se de forma natural,
espontânea, lúdica. Foi uma espécie de cumplicidade recíproca entre duas
pessoas que muito se amavam e que se compreendiam apenas pelo olhar. E o hábito
pela leitura surgiu naturalmente, por imitação e pela curiosidade que ele
sempre soube me despertar e cultivar pelo conteúdo dos livros. Sábia (e
bendita) estratégia! Afinal, nada, ou quase nada, do que fazemos “obrigados”
sobrevive em nosso comportamento, seja lá o que for.
Meu pai, além de ensinar-me a ler
e de despertar minha curiosidade, nunca deixou que me faltassem livros. E olhem
que não “nadava em dinheiro”. Raros nadavam naqueles tempos. Lutava com imensas
dificuldades, como todo trabalhador brasileiro, para sustentar a família – com
a indispensável parceria da minha mãe, destaco, que sempre trabalhou demais –
para que eu e minha irmã tivéssemos vida minimamente confortável. Cada centavo
que entrava em casa era preciosíssimo. Tinha que ser gasto com critério e
prudência. O País vivia, reitero, tempos difíceis, de instabilidade política e
de problemas econômicos que, aliás, sempre foram, infelizmente, rotina na vida
nacional. Todavia, para meu pai, livro não era supérfluo e muito menos luxo.
Era artigo essencial. Por isso, sempre dava um jeito para que nunca me
faltasse. E nunca me faltou.
Antes que algum chato de plantão
me questione, por tratar, em espaço nobre como este, de assunto estritamente
particular, informo que estou atendendo a vários leitores, que leram, em uma
das minhas quase três mil crônicas a menção de que aprendi a ler com meu pai e
pediram-me detalhasse esse aprendizado. Não se trata, pois, como pode parecer
aos desavisados, de nenhum narcisístico “culto à personalidade”. Posso até ser
vaidoso (e confesso que sou), mas não ao ponto de não reconhecer minhas
deficiências e contradições. Aliás, enquanto alguns me acusam de falar muito
sobre mim, a maioria dos que entram em contato comigo, sobretudo por e-mail,
queixa-se exatamente do contrário. Ou seja, de que quase nunca escrevo sobre
minha vida e experiências que tive. Vá entender!!!
Bem, voltando ao assunto, estou
convicto de que o livro é, ao lado da forma de fazer fogo, da roda e da
agricultura (entre outras) uma das maiores invenções do homem. Ele permite o
acúmulo de sabedoria, de experiências, de informações e de emoções de
indivíduos especiais e possibilita o acesso a elas de gerações e mais gerações,
séculos (não raro milênios) afora, após a morte destes. Para Jorge Luís Borges,
o paraíso, caso exista, é ilimitada biblioteca com todas as obras já escritas
desde que o “Homo Sapiens” aprendeu como preservar idéias, informações e
sentimentos. Sou tentado a pensar do mesmo modo.
O ilustre escritor argentino (que
sempre tive como uma espécie de meu “guru literário”) observou, com a argúcia
que o caracterizava: “Dos diversos instrumentos do homem, o mais assombroso é,
sem dúvida, o livro. Os demais são extensões do seu corpo. O microscópio, o
telescópio são extensões de sua vista; o telefone é extensão da voz; também
temos o arado e a espada, extensões do seu braço. Mas o livro é outra coisa: o
livro é uma extensão da memória e da imaginação”. Exagero? Longe disso!
Foi esse objeto precioso, que meu
pai me ensinou a entender e a gostar, o que fez de mim o que hoje sou. Foi ele
que me inspirou a também registrar minhas observações, opiniões, experiências,
fantasias e emoções. Só não tenho certeza de que faço isso bem. Procuro fazer
sempre o melhor, com o máximo empenho. Um ponto é essencial para que se possa
pelo menos pretender escrever bem: ler, ler e ler, farta e incansavelmente. Um
bom escritor é, antes de tudo, excelente leitor. André Malraux constatou que "o artista
não é aquele que cria, é aquele que sente". Sensibilidade, portanto, é
fundamental para que se estabeleça empatia, entendimento e cumplicidade entre
quem escreve e quem lê. É o que tento, todos os dias, fazer.
Há ocasiões e assuntos em que, e
sobre que, é preferível não escrever. Caso contrário, corre-se o risco de se
produzir textos vazios, sem beleza, criatividade, emoção, conteúdo e, por
conseqüência, sem nenhuma serventia. Há, também, descrições que se fazem
dispensáveis, por serem redundantes. Há idéias cuja transcrição para o papel se
constitui, no mínimo, em perda de tempo e de esforço (e elas são tantas!!), por
sua ineficácia, banalidade ou pelo conteúdo destrutivo que encerram. Mas esta
já é uma outra história... Quando me pedem para ensinar a escrever bem,
respondo, com sinceridade e sem falsa modéstia: “Ora, quem me dera se eu
soubesse! Quem me dera!” E faço a recomendação óbvia, mas eficaz: “leia, leia e
leia, sempre, sem cessar”.
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