Processo autofágico
Pedro J. Bondaczuk
O regime fundamentalista do
Irã, responsável pela deposição do xá Rheza Pahlevi, completou ontem seis anos
de duração, com o país literalmente escondido das vistas do Ocidente. Mas,
certamente, vivendo talvez a sua maior crise dos últimos séculos, quer
econômica, quer institucional, tendo ainda que enfrentar, além da guerra contra
o Iraque, um severo boicote internacional, por causa principalmente do
desrespeito contínuo que pratica contra os direitos humanos.
Quando
no dia 30 de janeiro de 1979 o aiatolá Ruhollah Khomeini retornou de um longo
exílio na França, foi recebido com muita festa no Aeroporto de Meharabad, em
Teerã, e carregado nos braços do povo. A população, massacrada pela polícia
secreta do deposto xá, passando enormes privações para que o país pudesse se
transformar numa potência militar (ou como a monarquia se auto-atribuía,
“Gendarme do Golfo Pérsico”), extraía o máximo da riqueza nacional, originada
pelo petróleo, para investir em armas. Era uma política perversa, todos
concordavam.
Quando
Khomeini implantou a sua República Islâmica, ela foi saudada com estardalhaço
pela imprensa, inclusive a ocidental. O semanário francês “L’Express” chegou
mesmo a comparar o que acontecia então no Irã à Revolução Bolchevique de 1917 e
à Mexicana, de 1910.
Exageros
a parte, a verdade é que o velho aiatolá, acolhido e abrigado pelos franceses
em anos penosos de exílio, decepcionou a todos que esperavam que ele viesse a
trazer paz e pão a seu atribulado povo. E oportunidades de trabalho aos
operários desse “pobre país rico”. Todos se enganaram. Não apenas os
observadores internacionais, mas até os próprios políticos que apoiaram essa
aventura republicana.
A
República Islâmica, nesses seus seis anos de duração, se autodevorou. Vários de
seus líderes de primeira hora caíram em desgraça. Alguns conseguiram escapar do
Irã para novo e incerto período de exílio. Outros acabaram perdendo suas vidas,
frustrados e amargurados, vendo ruir o país dos sonhos que julgavam estar ajudando
a forjar.
Shapour
Bakhtiar, por exemplo, que assumiu o gabinete provisório no dia 1º de janeiro
de 1979, substituindo o xá, já doente e prestes a entregar o poder com o
objetivo de promover uma transição não traumática, está na Europa e já escapou
de vários atentados.
Mehdi
Bazargan, o primeiro chefe de gabinete de Khomeini, que assumiu em 12 de
fevereiro de 1979 e renunciou em 6 de novembro do mesmo ano, por se opor à
chacina promovida pelos guardas revolucionários, teve o mesmo destino.
Abolhassan
Bani-Sadr, revolucionário de primeira hora e ex-secretário de Khomeini durante
o exílio em Paris, foi não somente abandonado pelo mestre, mas até mesmo
ameaçado de morte por ele, tendo que empreender uma cinematográfica fuga, em 29
de julho de 1981, na companhia do líder do grupo opositor ao regime mais
radical de todos, Massoud Radjavi, chefe dos “Mujahidden-Kalq”, para fugir à
sanha homicida do “amigo”.
Menos
feliz foi o ministro de Relações Exteriores, Sadegh Gotbzadeh, preso em 7 de
abril de 1982 e fuzilado em 16 de setembro do mesmo ano, acusado de tramar
contra o regime que ajudou a implantar.
A
lista dos revolucionários iniciais, que caíram em desgraça, poderia ser
desfiada com dezenas, quiçá centenas de nomes que pontilharam por muito tempo
as manchetes internacionais. O velho aiatolá, que um dia foi a esperança de
redenção de seu povo, se transformou, positivamente, no seu verdugo, no seu
grande coveiro. No carrasco que encarcera, desterra, anula e até executa seus
próprios aliados, não mostrando qualquer espécie de lealdade ou respeito a não
ser com seu fanático ideal de fazer o Irã retroceder ao ano de 700 de nossa
era, quando o país foi governado despoticamente por Ciro.
E
nesse aspecto, não há que negar, foi bem sucedido. Implantou no Oriente Próximo
um dos mais sanguinários e detestáveis regimes dos tempos modernos, negação de
tudo o que pregou durante o seu exílio em Paris.
(Artigo
publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 12 de fevereiro
de 1985).
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