Maldade sem limites
Pedro
J. Bondaczuk
A maldade tem limites?
Em caso afirmativo, quais eles são? Há, ainda, algo de sumamente perverso,
feroz e absurdo que um ser humano não tenha praticado contra outro, desde que
nossa espécie surgiu no Planeta? Numa rápida reflexão sobre guerras,
escravidão, preconceitos e toda e qualquer espécie de violência que caracteriza
a história do homem, não reluto em responder: não! Não, não há limites para a
maldade. Só não posso garantir que toda ela, em suas múltiplas manifestações,
já se esgotou no coração e na mente desse perigoso animal que raciocina. Nunca
se sabe.
A data de 27 de janeiro
de 1945 é particularmente reveladora no que diz respeito a essa questão. Nela,
começou a ser revelado ao mundo – que relutou em crer que fosse verdade (e
muitos não crêem até hoje) – um dos mais hediondos, covardes e insanos crimes
já cometidos contra a humanidade. Foi num dia como este, há exatos 70 anos, que
as tropas soviéticas, do Exército Vermelho, libertaram o campo de concentração
nazista de Auschwitz-Birkenau, localizado na atual Polônia. Foi só então que
começou a vir a público o que muitos suspeitavam, mas duvidavam da própria
suspeita, tão horrível foi o que se passou ali.
Naquela localidade
bucólica foi instalada gigantesca “indústria da morte”. Não se trata de
metáfora ou coisa parecida. Foi real. Foi uma coisa tão insana que, se não
houvesse provas, seria impossível de se acreditar que tenha existido. Mentes
sumamente doentias, degeneradas pelo fanatismo e pelo preconceito, conceberam
matança metódica, constante, organizada, como se fosse fábrica de salsichas, ou
seja lá do que for. Destinava-se, no entanto, a matar não outros animais
(frangos, porcos, reses etc.), mas... pessoas. E mais: em escala industrial,
com a subsequente eliminação dos vestígios dessa surreal carnificina. No
complexo de Auschwitz-Birkenau foram eliminados, em câmaras de gás construídas
para esse fim, por baixo, por baixo, um milhão de seres humanos: adultos,
crianças, bebês, velhos e mulheres. Em suma, pessoas! Para se livrar de tantos
cadáveres, os monstros que planejaram e executaram essa inacreditável chacina,
cremaram esses corpos, em esquema, reitero, metódico, organizado e industrial,
e espalharam as cinzas nos arredores, sobretudo em um lago das proximidades.
O auge, do que passou
para a história com a denominação de Holocausto foi o ano de 1944. Nessa
ocasião, eram assassinadas, metódica e industrialmente, seis mil pessoas por
dia, a imensa maioria judeus, mas também ciganos, deficientes físicos e
mentais, comunistas e outros tantos indivíduos que desgostavam o regime
nazista, que os considerava “inferiores” e, por isso (em suas mentes
ensandecidas), deveriam ser eliminadas, em nome de uma pretensa (e absurda)
“pureza racial”. E achavam isso justificável e “normal”!!! Confesso que relutei
muito em fazer este registro – que faço nu e cru, sem retoques e sem
preocupação com estilo – tamanhos são o asco e o horror que essa ação insana me
causa só de pensar que aconteceu e que envolveu outros tantos campos de
concentração, embora não tão organizados como Auschwitz-Birkenau.
A libertação desse
gigantesco e surreal “corredor da morte” tem que ser sempre lembrada, até para
que loucura como esta não venha a se repetir. Os meios de comunicação, todavia,
omitem-se hoje a propósito. Uma pena! Tenho minhas dúvidas que tamanha
insanidade não esteja se repetindo, e quem sabe com carga mais terrível de
covardia e crueldade, em alguma parte qualquer do mundo. Afinal, mesmo depois
de libertado o campo de Auschwitz e do testemunho de milhares de sobreviventes
sobre os horrores que viram, milhões de pessoas relutaram em acreditar que tudo
aquilo ocorreu. Certamente deve ter sido muito pior do que consigo relatar.
Quem pode jurar que algo semelhante, talvez em proporções menores, mas com o
mesmo grau de virulência e de menosprezo à vida, não esteja acontecendo agora,
neste instante, em algum dos tantos grotões esquecidos da Terra, na Síria, no
Iraque, no Afeganistão ou sabe-se lá onde? Eu não ponho minha mão no fogo.
O fanatismo cega as
pessoas e faz com que percam a perspectiva, a ética, a moral e a noção do certo
e errado. Foram seres humanos, como cada um de nós, mortais e efêmeros como
suas indefesas vítimas, que cometeram estas e tantas outras atrocidades. Nenhum
desses monstros era imortal. Ninguém é! Como puderam colocar fantasias de
poder, ideologias que não resistem à mínima análise, ambições estúpidas e sem
sentido, acima da grandeza e transcendência da vida?!!! Pois é, mas colocaram.
E muitos, certamente, colocariam hoje, em circunstâncias e contexto parecidos.
Concordo com Theodore
Adorno ao declarar que “após Auschwitz não pode haver poesia”. E não pode
mesmo. Nenhum escritor, perito em histórias de crueldade e horror, já
conseguiu, consegue ou conseguirá sequer se aproximar remotamente da crueldade
disso que de fato aconteceu e que começou a ser revelado para o mundo há exatos
setenta anos. Embora não tenha escrito com esse fim, o poema “Tempos sombrios”,
de Berthold Brech, cabe razoavelmente neste caso, porquanto diz:
“Realmente,
vivemos tempos sombrios!
A
inocência é loucura. Uma fronte sem rugas
denota
insensibilidade. Aquele que ri
ainda
não recebeu a terrível notícia
que
está para chegar.
Que
tempos são estes, em que
é
quase um delito
falar
de coisas inocentes,
pois
implica em silenciar
sobre
tantos horrores”.
Pois é, Brecht tem
razão. “Realmente, vivemos tempos sombrios!” Deus que nos livre de novos
“Holocaustos”!!!!
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