Escritor à frente do
seu tempo
Pedro
J. Bondaczuk
O francês Júlio Verne
(ou Jules Verne, como de fato se chamava) é presença obrigatória sempre que se
faça qualquer relação dos mais importantes escritores de ficção científica. Nem
todos os seus livros foram desse gênero, embora os que seguiram essa linha
sejam os mais lidos, apreciados e de maior sucesso. Sua bibliografia é extensa
(posto que seja cinco vezes menor que a de Isaac Asimov, que publicou incríveis
509 títulos). Ascende a pelo menos uma centena de romances. Todavia, Júlio
Verne detém primazia sobre qualquer outro escritor, de qualquer gênero, no
mundo todo. É o mais traduzido de todos os tempos. Seus livros foram publicados
em 148 línguas, de acordo com levantamento da Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Outra das suas
primazias, que o fizeram tão popular 109 anos após sua morte (morreu em 24 de
março de 1905, aos 77 anos de idade, na cidade de Amiens) foi a quantidade de
seus livros transposta para o cinema. Foram, ao todo, 33 deles, que geraram
noventa e cinco filmes, muitos dos quais estrondosos sucessos de bilheteria.
Isso sem contar as inúmeras adaptações para a televisão, inclusive na forma de
desenhos animados, o que o tornou popular entre as crianças. Já escrevi, tempos
atrás, a seu respeito. Por isso, há pouca coisa a acrescentar.
A primeira novela de
sucesso, de Júlio Verne, foi “Cinco semanas em um balão”, publicada em 1862.
Essa história tinha tanta verossimilhança, uma fartura tão grande de detalhes
sobre coordenadas geográficas, culturas, animais, comportamentos e tipos de
pessoas, que por muitos anos ficou a dúvida, no espírito do leitor, sobre se o
livro era de ficção ou relato verídico de uma viagem. Esse é o tipo de estilo
que considero desejável a qualquer escritor. Ou seja, com descrições tão
detalhadas e assertivas, que deixem esse tipo de dúvida no espírito de quem
vier a ler seus textos.
Ocorre que Júlio Verne
jamais chegou sequer perto de um balão. Ademais, quando escreveu a novela,
nunca havia pisado o solo de qualquer parte da África. O enredo foi, todo ele,
fruto de sua fértil imaginação. E, claro, de meticulosa pesquisa, recorrendo a
fontes absolutamente confiáveis. Destaque-se que “Cinco semanas em um balão”
não tem nada a ver com ficção científica. O curioso é que, o segundo livro que
escreveu, “Paris no século XX” (escrito em 1863), foi o último de sua autoria a
ser publicado. Veio a público apenas 84 anos após sua morte, em 1989. Isso tem
uma explicação, que raramente é mencionada.
Ocorre que o conteúdo
dessa produção foi considerado sumamente pessimista e, mais: depressivo. Por
causa disso, seu editor (e amigo pessoal) Pierre-Jules Hetzel, um dos
principais responsáveis pela brilhante carreira literária que fez, o aconselhou
a deixar de lado esse livro. Argumentou que era bastante inferior a “Cinco
semanas em um balão” e que, por isso, não agradaria os leitores e talvez
prejudicasse, até, seu crescente prestígio. Júlio Verne – não se sabe se
concordando ou não com o amigo – decidiu não publicar esse romance, sem se
desfazer, contudo, do manuscrito, que guardou em um cofre. Ele foi descoberto
quase um século depois, quando finalmente um editor, com grande visão de
negócio, resolveu publicá-lo. Afinal, o autor já estava mais do que consagrado
e qualquer coisa inédita de sua autoria que viesse a ser encontrada, certamente
seria um sucesso (como “Paris no século XX” foi).
O último livro escrito
por Júlio Verne e publicado enquanto ele ainda estava vivo foi “O senhor do
mundo”, datado de 1904. Embora parte considerável de sua obra nada tenha a ver
com ficção científica, foi nesse gênero que se consagrou. Afinal, foi um
escritor que sempre esteve à frente do seu tempo. Imaginou inúmeros avanços
tecnológicos, que anos depois, acabariam sendo inventados e viabilizados. Um
deles foi o submarino nuclear, que “criou” para seu romance “Vinte mil léguas
submarinas”, publicado em 1870, quando ainda sequer se cogitava no uso de
energia atômica para qualquer fim (pacífico ou não). Batizou-o de “Nautilus”.
Mais de oitenta anos
depois, a embarcação que havia imaginado, foi viabilizada. Em julho de 1951, o
Congresso norte-americano autorizou a construção do primeiro submarino movido a
propulsão nuclear. A construção, a cargo da General Electric, começou em 14 de
junho de 1952. E em 21 de janeiro de 1954, a embarcação foi lançada ao mar. Na
hora de batizá-la, alguém teve a genial idéia de homenagear seu imaginativo e
verdadeiro criador, no caso, Júlio Verne. O submarino nuclear recebeu o nome de
“Nautilus”. Ou seja, exatamente o mesmo do que era capitaneado pelo Capitão
Nemo, principal personagem do livro do “profético” escritor francês.
Júlio Verne imaginou
várias máquinas voadoras, que vieram, de fato, a ser inventadas. Nos últimos
anos de vida, escreveu sobre o uso inadequado da tecnologia e os seus impactos
sobre o meio ambiente. Aliás, a necessidade da preservação ambiental foi, na
ocasião, sua principal preocupação, numa época em que o assunto não passava
pela cabeça de quem quer que fosse. Finalmente, não se pode esquecer que ele
foi o primeiro a “colocar um homem no nosso satélite natural”, em seu livro “Da
terra à Lua”. Esse romance foi publicado em 1865 e 104 anos depois, isso
aconteceu, de fato, com a alunissagem de Neil Armstrong, em 20 de julho de
1969.
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