Versão cinematográfica
aquém do livro
Pedro
J. Bondaczuk
A versão
cinematográfica de “O colecionador de ossos”, best-seller de Jeffery Deaver
sobre o qual teci alguns comentários em dias anteriores, é bem inferior ao
livro em que se baseia. Isso às vezes acontece. Nem todas as obras literárias
se prestam à dramaturgia, especialmente quando seus autores têm estilos
peculiares de escrever. Raramente os roteiristas captam o que há de melhor no
enredo impresso, por uma série de razões. Cinema é, sobretudo, ação. Nesse
caso, as adaptações, até por esse motivo, não conseguem aproveitar o que muitos
escritores têm como principal virtude: reflexões e capacidade descritiva
peculiar. Os filmes não descrevem: mostram.
Entre o livro de
Jeffery Deaver e sua versão para as telas, prefiro, mil vezes, o primeiro.
Tanto que as peripécias do detetive tetraplégico Lincoln Rhyme, que aparecem em
várias outras novelas do autor (com idêntico sucesso da que “originou” o
peculiar personagem), não mereceram série cinematográfica. Ficaram restritas a
um único e solitário filme. “O colecionador de ossos”, se não foi,
propriamente, fiasco de crítica e de público, não se constituiu, também, em
êxito, desses que credenciam seus produtores ao Oscar, por exemplo, ou a
qualquer outra premiação do gênero. Não repetiu, pois, o inegável êxito do
livro que, tantos anos após seu lançamento, continua vendendo aos milhares,
fenômeno que se repete com a série que o sucedeu envolvendo a dupla de
detetives.
Essa recepção (digamos)
fria, do público e da crítica ao filme não se deveu ao elenco, dos mais
“estrelados”, tendo como destaque a dupla Denzel Washington e Angelina Jolie
nos principais papéis. O motivo se deve ao roteiro, à adaptação do livro, feita
por Jeremy Iacone. E não se trata, como muito apressadinho tenderá a concluir,
de incompetência do roteirista. Longe disso. Deve-se às dificuldades que
determinadas obras literárias apresentam para serem adaptadas para o cinema. E
a novela de Jeffery Deaver é uma delas.
Não entendi, porém,
algumas mudanças (no meu entender supérfluas) que o roteirista fez em relação
ao original do escritor. Por que, por exemplo, o sobrenome da personagem de
Angelina Jolie teve que ser alterado? No livro, a policial que faz dupla com
Lincoln Rhyme nas investigações chama-se Amelia Sachs. Já no filme, ela passa a
ser Amélia Donaghy. Por que mexer nesse pequeno detalhe que nada acrescenta
para o entendimento do enredo? Outra alteração supérflua, desnecessária, e que
chama a atenção de quem leu o livro atentamente e assistiu sua versão
cinematográfica, é a “mudança de sexo” do faz tudo de Lincoln Rhyme – aquele
que faz as vezes, simultaneamente, de enfermeiro, secretário, guarda-costas
etc.etc.etc. – sem o qual o detetive tetraplégico não sobreviveria mais do que
alguns dias. No livro, é um homem, chamado o tempo todo de Thom. Já no filme, é
uma mulher, Thelma (papel interpretado pela rapper Queen Latifah), mudança essa
que, reitero, é totalmente desnecessária e para mim sem sentido.
A versão
cinematográfica de “O colecionador de ossos” só não teve avaliação ainda pior
da crítica, graças ao excelente desempenho de Denzel Washington (o que,
convenhamos, não chega a surpreender, tratando-se dele). O papel de Lincoln
Rhyme é dificílimo. Por tratar-se de um tetraplégico, que raramente sai da
cama, as possibilidades corporais de um ator, que prima pela ação, são
restritíssimas. O consagrado astro de Hollywood, todavia, tira água de pedra.
Utilizando-se, apenas, do rosto, das expressões faciais e do tom de voz,
manifesta, com genial perfeição, a amargura de um homem sem nenhuma mobilidade
física, cujo desejo maior é o de conseguir ajuda para que possa cometer
suicídio, que caracteriza essa figura. É coisa de gênio!
Já Angelina Jolie não
brilha (como se espera dela), mas não decepciona. Vive sua personagem com
correção, posto que com sobriedade, sem nada de excepcional que se espera
sempre de uma atriz do seu porte, com tantos prêmios no currículo. O filme,
rodado em 1999, conta com direção de Phillip Noyce. A trilha sonora, por sinal
adequada, é de Craig Armstrong. Entre os demais integrantes do elenco,
destacam-se Queen Latifah, Michael Rooker, Mike McGlone, Luiz Guzmán, Leland
Orser, John Benjamin Hickey, Bob Cannavale, Ed O’Neil, Richard Zeman, Olivia
Birkelund, Gary Swanson, Jim Bulleit e Frank Fontaine.
Quem assistiu somente a
versão cinematográfica de “O colecionador de ossos”, sem ler o livro de Jeffery
Deaver, que a inspirou, não tem noção exata da excelência dessa obra, que
assegurou uma coleção de (merecidos) prêmios literários ao autor. Por mais que
aprecie o desempenho dos protagonistas e sua excelente fotografia, não posso
deixar de concordar com a crítica publicada no “Rotten Tomatoes” a propósito
dessa película: “Um talentoso elenco é desperdiçado em uma tentativa branda de
um filme de suspense sobre serial-killer”. Ainda assim recomendo, sobretudo aos
amantes de contos policiais, que conheçam as duas produções. Ou seja, que
assistam, sim, ao filme, mas sem deixar de ler o excelente livro de Jeffery
Deaver.
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