Sem
lugar para o homem
Pedro J. Bondaczuk
O
tempo nos parece variável, embora seja sempre fixo, uniforme, imutável e
constante. Há momentos, por exemplo, que ele parece passar com a velocidade do
pensamento. É o caso quando estamos com a pessoa amada e temos que nos separar
dela, mesmo que por relativamente breves instantes. Nessas circunstâncias, como
gostaríamos de deter sua passagem, congelar aquele instante peculiar e
eternizá-lo!!! Claro que isso é impossível. Há, em contrapartida, momentos em
que os ponteiros dos relógios parecem dotados de contundente letargia, de
irritante lentidão, de morosidade de fazer inveja á mais lenta das lesmas.
Quando achamos que passou uma hora, se passaram, somente, alguns parcos
minutos. Isso acontece em instantes de tédio, ou de dor ou de qualquer aflição,
não importa de que natureza.
O
escritor português Vergílio Ferreira fez uma constatação, a propósito, que lida
sem reflexão, parece confuso jogo de palavras, sem muito sentido, mas que, bem
refletida, expressa, no meu modo de ver, cristalina verdade. Escreveu, em um de
seus tantos e modelares textos: “O tempo que passa não passa depressa. O que
passa depressa é o tempo que passou”. Sua passagem é sempre uniforme,
indiferente às nossas circunstâncias, emoções e desejos. Quando em presença da
pessoa amada, por exemplo, a última coisa em que pensamos é no relógio e na
velocidade dos ponteiros. Queremos, somente, gozar, em toda sua plenitude,
aqueles instantes de sonho e de fantasia.
Quando
nos preocupamos com o tempo é somente no momento da separação. Até então, era a
última coisa em que pensamos. Pudera! Temos, em nossa mente e, sobretudo, em
nossa carne, a lembrança das delícias que só o amor pleno e correspondido
proporciona. Claro que gostaríamos de torná-las eternas, embora, para nós,
humanos, seres tão frágeis e efêmeros, a eternidade seja interdita. Aí sim nos
damos conta (e lamentamos), do tempo que passou. É quando achamos que sua
passagem foi sumamente rápida. Ou seja, nos conscientizamos disso somente
quando ele já passou. Deu para entender? Se não entendeu, não se aflija. O
raciocínio é mesmo um tanto confuso, posto que válido.
Há
períodos, em nossa vida, em que tendemos a achar que os dias são todos iguais.
Em vez de agradecer aos céus por essa trégua – pois quando pensamos dessa
maneira, nada de dramático e principalmente ruim está nos acontecendo – lamentamos,
ávidos por “agitação”, esquecendo-nos que esta tanto pode ser positiva, que é a
que realmente queremos, quanto negativa, dolorosa e/ou aflitiva. Embora assim
nos pareça, claro que os dias não são todos iguais. E nem poderiam ser.
Ademais, quem não aprecia a rotina tem, como antídoto, a ação. Que atue para
fazer algo de útil e produtivo para preencher as horas ociosas e não fique à
mercê de terceiros ou de circunstâncias. Se agir, seus dias jamais se parecerão
iguais. Até porque, essa é uma aparência sumamente enganadora.
Marcel
Proust, em um dos volumes de sua grandiosa obra “Em busca do tempo perdido”,
escreveu, a esse propósito: “Os dias talvez sejam iguais para um relógio, mas
não para um homem”. Eu acrescentaria: mesmo os aparentemente rotineiros. Nós,
em nossa indiferença ou distração, é que não notamos suas peculiaridades,
algumas das quais se revelam, no futuro, e nem é preciso que seja distante, tão
importantes a ponto de mudar o curso de nossas vidas. Tenho sempre em mente a
afirmação do Padre Antonio Vieira que, em um dos seus tantos e inspirados
sermões, lembrou: "O tempo esmorece os ardores no coração humano". E
como esmorece! Sobretudo, quando não soubemos aproveitá-lo devidamente. Daí,
advém, geralmente, o arrependimento: pelo que deixamos de fazer ou por aquilo
que fizemos incorretamente. Porém... já será tarde, muito tarde para mudar o
que já se tornou inexorável passado.
O
passar dos anos nos desgasta. Entre outros desgastes (além do físico), ocorre o
do ideal. Por mais bem sucedida que seja uma pessoa, o acúmulo de frustrações,
de mágoas e de decepções cobra fatalmente seu preço. Para uns, este é menor e
para outros, é absurdamente elevado. Mas todos, sem exceção, pagamos algum.
Quem não tem convicções firmes, sobre seu papel no mundo, e é dotado de personalidade tíbia, deixa esfriar depressa o
entusiasmo da juventude. Muitas vezes (quase sempre) termina a vida amargo e
vazio.
Tempos
atrás, escrevi a esse respeito. E a conclusão a que cheguei, na oportunidade,
ainda é a mesma a que chego hoje. “O antídoto para o esmorecimento dos ardores
é a persistência: tenaz, constante e permanente. Contra o desânimo o remédio é
persistir, persistir e persistir. Não há outro caminho para se chegar ao topo
da montanha. A única estratégia cabível é a de valorizar o que a pessoa é e o
que já conquistou. Ou seja, é o autoconhecimento. É a informação, sobre todos e
sobre tudo. É o estímulo à criatividade. Mas é preciso ter ambição e querer
sempre mais, sem medir esforços para a obtenção do que se deseja, desde que
seja lícito, factível e não fira direitos alheios. É preciso querer o máximo
para se obter o mínimo. Os objetivos, todavia, reitero, têm que ser factíveis,
mesmo que minimamente. É inútil correr atrás de sombras, de fantasmas, de
miragens que se desfazem tão logo se chega perto”.
Quando
jovens, cheios de vigor e de entusiasmo, aspiramos ser senhores do tempo.
Chegamos a desejar a eternidade. Esse desejo impossível muda, para muitos, em
decorrência de circunstâncias ruins. Sigmund Freud, quando já bastante idoso,
refugiado em Londres para fugir da perseguição nazista, doente e com um câncer
incurável, confessou, em carta para a filha Ana, que desejava a morte. Em
determinado trecho desabafou, em tom patético: “Viver muito cansa!”. Nem todos,
porém, têm, esse sentimento, essa “entrega de pontos” face circunstâncias
aziagas. Muitos dispõem-se a lutar até o último tanto de energia que tiverem e
não deixam de sonhar com o impossível: com a eternidade. .
Alguma
coisa, no íntimo dessas pessoas, rebela-se (em vão) contra sua efemeridade,
resiste à idéia da morte, que os aniquila e anula e, na maioria dos casos,
apaga todo e qualquer vestígio de que um dia existiram. Um ser tão complexo e
que tem condições para ser maravilhoso, se criar as circunstâncias adequadas,
se quiser e se esforçar para isso, não pode ter sido feito para morrer. Essa
idéia já me passou milhares de vezes pela cabeça. A morte envolve, senão uma
contradição, um incrível desperdício de esforço, de vontade, de energia, de
inteligência e sabe-se lá mais do que. De fato, como um dia afirmou o padre
Eugene Charbonneau, "no tempo não há lugar para o homem..."
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