Reconhecimento posto
que tardio
Pedro
J. Bondaczuk
O norte-americano
Philip Kindred Dick, ou Philip K. Dick (ou então PKD, como assinava sua
produção literária), foi, sobretudo, um inovador na ficção científica. Em vez
de concentrar sua atenção no espaço, em viagens intergalácticas, como a maioria
de autores do gênero fazia (e faz), optou por extrapolar como, na sua opinião,
seria nosso mundo no futuro, pagando o preço da poluição, das injustiças
sociais e da maldade latente no coração humano. Vários dos seus livros (e
produziu muitos, dezenas deles), seguem essa linha. Em alguns aspectos, lembra
“1984”, de George Orwell, ao “criar” ditadores cínicos, cruéis e sem piedade,
de fazer inveja a “Big Brother”.
Apesar da sua
importância literária, como inovador do gênero pelo qual optou, aconteceu com
Dick algo que considero injusto, cruel, mas muito mais comum do que muita gente
pensa: foi reconhecido, apenas, depois da sua morte. Encarou, por exemplo,
incontáveis dificuldades para publicar seus livros. Vários e vários e vários
deles foram recusados por editores, que achavam suas histórias esquisitas
demais e seu autor um tanto quanto “amalucado”. A bem da verdade, seu
comportamento, nada convencional, contribuiu bastante para isso. O tempo,
contudo, encarregou-se de mostrar que ali estava um gênio das letras. Pena,
para ele, que isso só aconteceu depois da sua morte.
Faltou pouco para que
Dick usufruísse pelo menos o início do seu sucesso, que se deu com a versão
para o cinema do seu romance “Do androids dream of electric ship?”. O leitor
pode não estar identificando a que filme estou me referindo, pois desconhece
algum com esse nome e que tenha tido êxito incontestável de crítica e de
público. E tem razão. Porém, as coisas mudam de figura se eu informar que a
produção em questão recebeu o nome de “Blade Runner, o caçador de andróides”.
Bem, Dick conquistou a fama de forma “transversa”. O verdadeiro mérito do êxito
desse filme deveria caber aos roteiristas Hampton Fancher e David Peoples e,
claro, ao seu diretor, Ridley Scott, e ao elenco que tem, nos principais
papéis, astros como Harrison Ford, Rutger Hauer, Sean Young, Edward James Olmos
e Daryl Hanna, entre outros.
E por que faço essa
ressalva? Porque o roteiro de Blade Runner lembra, somente, de maneira bastante
vaga, o romance de Philip K. Dick. Mas esse escritor polêmico e até então
injustiçado, considerado, antes da morte, “autor menor” ao qual praticamente
ninguém dava importância, não colheu, em vida, nem mesmo uma migalha do sucesso
de que goza (com justiça) até hoje. Morreu em Santa Ana, na Califórnia, em 2 de
março de 1982, pouco depois de completar 57 anos de idade (nasceu em Chicago em
16 de dezembro de 1928) e o filme foi lançado, apenas, em meados desse ano. Foi
Hollywood, no entanto, que o “descobriu” e o consagrou. Depois de “Blade
Runner”, vários de suas novelas e contos foram adaptados para o cinema e
enriqueceram muita gente. Menos... Philip K. Dick (ou PKD).
Cito, entre outras de
suas obras adaptadas para as telas, “Minority Report” (que no Brasil recebeu o
título de “Relatório Minoritário”, dirigido por Steven Spielberg e estrelado
por Tom Cruise), “O vingador do futuro” (com Arnold Scharzenegger), “Assassinos
cibernéticos” (com Peter Weller), “Pago para esquecer” (com Bem Affleck), “O
vidente” (com Nicolas Cage), “A scanner darkly” (com Keanu Reeves) e “Os
agentes do destino”! (com Matt Damon), dos quais consegui me lembrar; A partir
do sucesso desses filmes, seus livros foram redescobertos pelas editoras,
relançados e, ao contrário do que havia acontecido quando estava vivo,
esgotaram edições e mais edições e seguem sendo publicados e vendendo muito
mundo afora. Apenas Blade Runner, que foi indicado para o Oscar em 1983, já
teve sete versões, além da original de 1982. Mas que vantagem esse autor
sofrido e injustiçado teve do seu talento? Praticamente nenhuma!! É o tipo de reconhecimento
que eu não gostaria de ter: o póstumo. Se algum dia eu tiver que ser
reconhecido (se merecer isso, claro) que o seja enquanto estiver vivo. Caso
contrário... é preferível ser esquecido para todo o sempre.
PKD explorou, em
muitas das suas obras, temas como a realidade e a humanidade.
Criou personagens comuns, pessoas como cada um de nós, sem recorrer, portanto,
aos heróis galácticos de outras obras do gênero. Essa foi sua grande e maior
“sacada”. Foi o precursor do que ficou conhecido como cyberpunk, A enciclopédia eletrônica
Wikipédfia observa, a propósito desse escritor peculiar: “Inspirando-se em
ideias do budismo, cabalismo, gnosticismo e outras
doutrinas herméticas, e combinando-as com certos aspectos das novas
crenças na parapsicologia, extraterrestres e percepção
extra-sensorial, criou mundos alternativos nos quais
acabou eventualmente por julgar viver. O autor acreditava ter sido contatado,
em março de 1974, por uma ‘mente racional transcendental’, o que ele
julgava ser uma teofania. Detalhes sobre este evento são relatados no
romance Valis, publicado em 1978”. Como se vê, nosso personagem era mesmo
um tanto “amalucado”.
Dizia-se que era
paranóico, com mania de perseguição. Bem, nesse aspecto, é possível sair em
defesa de PKD. Em sua juventude, ele manteve contatos com o Partido Comunista
dos EUA, com o qual simpatizava. Por causa disso, foi alvo de implacável
investigação do FBI e do serviço secreto da Força Aérea. Destaque-se que o
mundo atravessava, então, o auge da chamada Guerra Fria. Sua suposta “mania de
perseguição” não era, portasnto, propriamente, paranóia, mas dura realidade em
sua vida, marcada por tantos fracassos e decepções. PKD foi (e é) justamente
reconhecido, é inegável. Mas... somente após a morte. Reitero: é o tipo de
reconhecimento que dispenso completamente.
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