Thursday, January 08, 2015

Injustiçado por crer na dignidade



Pedro J. Bondaczuk


O gueto negro sul-africano de Sharpeville (ao lado daquele que circunda Johannesburgo, ou seja, o do Sowetto), está inscrito na história deste século como um dos símbolos de violência e de intolerância que o vem caracterizando.

Nesse povoamento, há 28 anos, o mundo testemunhou, estarrecido, um massacre, que incomodou, sobremaneira, os que têm consciência, embora os poderosos do mundo preferissem ignorar esse drama. Ali, em 21 de março de 1960, 69 pessoas foram estúpida e traiçoeiramente massacradas, por protestarem contra uma ofensa à sua dignidade, que consideravam intolerável.

Opunham-se à chamada “lei do passe” (e não se tratava, no caso, de nenhuma legislação esportiva acerca da venda de jogadores), que lhes proibia livre trânsito dentro da sua própria pátria. Em meio ao drama geral, uma pessoa, em particular, acabou sendo sumamente prejudicada nesse incidente.

Não foi nenhum líder negro, ou qualquer ativista político. Foi um policial veterano, acostumado às piores coisas, que, no entanto, se recusou a cumprir uma ordem que considerava intolerável, por ir contra seus princípios humanitários.

Referimo-nos ao agente Ignatius Terblanche, que se rebelou contra uma determinação para usar a força contra os manifestantes de Sharpeville, por entender que essa não era a melhor maneira de conter ânimos exaltados ou restabelecer a ordem.

Por causa dessa atitude digna e corajosa, ele acabou punido duplamente. Foi aposentado, compulsoriamente, da sua corporação, por insubordinação, ficando 27 anos sem promoção e acusado (injustamente), pelas pessoas que tentou proteger, de as haver traído.

Na semana passada, o policial em questão morreu, sem que tivesse se redimido perante os negros. Quanto à polícia, esta acabou de promovê-lo, posto que tardiamente e com visível má vontade, no ano passado, depois desse zeloso funcionário ter remoído a sua frustração e mágoa por quase três décadas.

O caso de Terblanche demonstra, no entanto, que é possível uma convivência racial pacífica na África do Sul, desde que haja vontade para isso e os dois lados se respeitem. O que há, na verdade, ho0je, nesse país, é uma minoria espertalhona querendo explorar o trabalho de uma maioria despreparada para fazer valer os seus direitos por meios pacíficos, sem lhe dar quase nada em troca.

Existe um abismo enorme, aparentemente impossível de ser transposto, entre os interesses dos dois grupos. Um, não quer ceder, por dispor da força. O outro, espera fazer valer o que lhe é devido mediante sua massacrante superioridade numérica. E enquanto o impasse persistir, levantes como o de Sowetto, de 1976, e massacres, como o de Sharpeville, de 1960, serão dolorosas rotinas, que ninguém conseguirá alterar.      

(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 22 de março de 1988)


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