Injustiçado por crer na dignidade
Pedro J.
Bondaczuk
O gueto negro sul-africano de Sharpeville (ao lado
daquele que circunda Johannesburgo, ou seja, o do Sowetto), está inscrito na
história deste século como um dos símbolos de violência e de intolerância que o
vem caracterizando.
Nesse povoamento, há 28 anos, o mundo testemunhou,
estarrecido, um massacre, que incomodou, sobremaneira, os que têm consciência,
embora os poderosos do mundo preferissem ignorar esse drama. Ali, em 21 de
março de 1960, 69 pessoas foram estúpida e traiçoeiramente massacradas, por
protestarem contra uma ofensa à sua dignidade, que consideravam intolerável.
Opunham-se à chamada “lei do passe” (e não se
tratava, no caso, de nenhuma legislação esportiva acerca da venda de jogadores),
que lhes proibia livre trânsito dentro da sua própria pátria. Em meio ao drama
geral, uma pessoa, em particular, acabou sendo sumamente prejudicada nesse
incidente.
Não foi nenhum líder negro, ou qualquer ativista
político. Foi um policial veterano, acostumado às piores coisas, que, no
entanto, se recusou a cumprir uma ordem que considerava intolerável, por ir
contra seus princípios humanitários.
Referimo-nos ao agente Ignatius Terblanche, que se
rebelou contra uma determinação para usar a força contra os manifestantes de
Sharpeville, por entender que essa não era a melhor maneira de conter ânimos
exaltados ou restabelecer a ordem.
Por causa dessa atitude digna e corajosa, ele acabou
punido duplamente. Foi aposentado, compulsoriamente, da sua corporação, por
insubordinação, ficando 27 anos sem promoção e acusado (injustamente), pelas
pessoas que tentou proteger, de as haver traído.
Na semana passada, o policial em questão morreu, sem
que tivesse se redimido perante os negros. Quanto à polícia, esta acabou de
promovê-lo, posto que tardiamente e com visível má vontade, no ano passado,
depois desse zeloso funcionário ter remoído a sua frustração e mágoa por quase
três décadas.
O caso de Terblanche demonstra, no entanto, que é
possível uma convivência racial pacífica na África do Sul, desde que haja
vontade para isso e os dois lados se respeitem. O que há, na verdade, ho0je,
nesse país, é uma minoria espertalhona querendo explorar o trabalho de uma
maioria despreparada para fazer valer os seus direitos por meios pacíficos, sem
lhe dar quase nada em troca.
Existe um abismo enorme, aparentemente impossível de
ser transposto, entre os interesses dos dois grupos. Um, não quer ceder, por
dispor da força. O outro, espera fazer valer o que lhe é devido mediante sua
massacrante superioridade numérica. E enquanto o impasse persistir, levantes
como o de Sowetto, de 1976, e massacres, como o de Sharpeville, de 1960, serão
dolorosas rotinas, que ninguém conseguirá alterar.
(Artigo publicado na página 14, Internacional, do
Correio Popular, em 22 de março de 1988)
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