Desfazendo equívocos
Pedro
J. Bondaczuk
A Literatura é
atividade de múltiplos caminhos para os que, por vocação e/ou opção, decidem
exercê-la plenamente. Apresenta (é verdade) relativamente poucos gêneros para o
escritor exercitar sua criatividade e sua imaginação, escorado pelo máximo de
informação que possa conseguir a propósito do que pretende escrever, a saber:
poesia, crônica, conto, novela, romance (estes três com seus dois derivados, um
tão antigo quanto o ato de redigir – no caso, a peça teatral – e o outro
decorrente do avanço tecnológico, que é o roteiro de cinema, ambos, todavia,
com a finalidade de serem verbalizados por atores), além de ensaio e da crítica
literária. Isso não quer dizer que não se possam desenvolver novidades nesse
aspecto. Surgem, volta e meia, por exemplo, subgêneros, posto que raros. Mas
nada impede que se criem novos gêneros literários, hoje inexistentes, desde que
alguém consiga criá-los.
Tentarei ser mais claro
e, sobretudo, desfazer alguns equívocos, bastante disseminados, a propósito de
Literatura.. Caso eu tenha aptidão para a poesia, nada me impede de escrever,
também, contos, novelas, romances etc., desde que tenha essa capacidade e conte
com preparo suficiente para tal. Posso até ser conhecido como “poeta”. Mas isso
não quer dizer que eu deva, necessariamente, me dedicar “exclusivamente” a esse
gênero. Caso tenha aptidão para ser “também” cronista, contista, romancista
etc. posso, caso opte atuar nesses campos, fazê-lo e com sucesso, se for bom
literato. Por que não?!
Esse preâmbulo
destina-se, principalmente, a esclarecer que o rótulo “escritor de ficção
científica” a quem se disponha a atuar nessa área, não passa apenas disso: de
mera designação genérica, inexpecífica, nem sempre exata ou adequada. Caso
alguém que atue nessa área se disponha a escrever poesias, crônicas, ensaios
etc., nada o impede (a não ser o fato de ter ou não aptidão para esses gêneros)
de fazê-lo. Não existe, pois, o “escritor de ficção científica”, com a idéia de
exclusividade. Existe, apenas, o “escritor”, com a prerrogativa de escolher
qualquer dos caminhos que a Literatura lhe proporcione, por critérios todos
seus.
É certo que alguns se
especializam em determinados gêneros e não se dispõem a se aventurar em nenhum
outro. Esta, porém, é escolha livre, soberana e exclusivamente pessoal. Há,
até, os que decidem seguir uma única linha temática, como por exemplo, as
aventuras intergalácticas, em seus enredos. Nada impede que ajam assim.
Ninguém, no entanto, lhes impõe essa exclusividade (e, ademais, nenhuma outra).
É escolha, reitero, apenas e exclusivamente pessoal. Júlio Verne, por exemplo,
não escreveu “só” histórias de ficção científica, embora seus livros mais
famosos sejam desse tipo. O mesmo vale para H. G. Wells, George Orwell e Arthur
C. Clarcke, entre tantos outros. Foram escritores ecléticos, versáteis e,
convenhamos, geniais.
Muitos estranham quando
relaciono, entre autores que tenham produzido obras de ficção científica, o
nome de Aldous Huxley. Não deveriam. É verdade que a maior parte de seus
romances não segue essa linha. Aliás, ele escreveu um pouco de tudo: ensaios,
crônicas, poesia (até editou a revista “Oxford Poetry” dedicada a esse gênero),
literatura de viagem e até roteiros de cinema. A primeira vez que tomei contato
com sua literatura, há 53 anos, foi com a leitura do seu romance “Contraponto”.
Encantei-me com sua maneira de escrever (pudera!). Li, na sequência, “Sem olhos
em Gaza”, “Também o cisne morre”, “O tempo deve parar” e “A ilha”, com a mesma
empolgação. Na época, e nos anos posteriores, sequer me passou pela cabeça que
ele escrevesse, também, ficção científica. Na oportunidade, eu ainda não havia
lido “Admirável mundo novo”. Aliás, na ocasião, eu até detestava o gênero. Na
verdade, estava é mal informado. Desconhecia, por exemplo, a obra de um H. G.
Wells, de um Isaac Asimov, de um Arthur C. Clarcke e até mesmo de Júlio Verne.
Foi só após a leitura desses “gênios”, e de alguns outros, que mudei
radicalmente de opinião a propósito da ficção científica.
“Admirável mundo novo”
é um dos livros mais marcantes, chocantes e impactantes que já li. É tão
complexo, que para comentá-lo, minimamente bem (o que pretendo fazer),
precisarei (provavelmente) de um bom par de dias (quiçá de semanas), tamanha
sua complexidade. E não sou o único a achar isso. Li inúmeros ensaios a
propósito e, em todos, seus autores manifestam a mesmíssima perplexidade que
tenho em relação a essa obra-prima. Aliás, o próprio autor chegou a essa
conclusão. Tanto que escreveu, e publicou, um livro de ensaios, intitulado
“Retorno ao Admirável Mundo Novo”, em que busca justificar o insólito enredo
que criou, demonstrando que muitas das “profecias” do seu romance estavam se
concretizando, em decorrência do “progresso” científico no que diz respeito à
manipulação genética e, sobretudo, da vontade de seres humanos. Recomendo,
caríssimo leitor, que leia as duas obras, para acompanhar o raciocínio da
análise que pretendo fazer. Aguarde.
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