O escritor que apavorou
um país
Pedro
J. Bondaczuk
O futuro – do mais
remoto, de dezenas de séculos á frente, ao bem próximo – é o tempo utilizado
pelos escritores de ficção científica para situar seus enredos. Por isso, são
forçados, pela própria opção que fizeram pelo gênero, a levar a capacidade de
imaginação a extremos. Muito leitor foge desse tipo de história por
considerá-lo demasiadamente absurdo. Não raro é mesmo. Não se pode, todavia,
generalizar. Há, é fato, aventuras envolvendo não apenas outros planetas, mas
confederações de galáxias e outros quetais. Isso é mais do que mera fantasia: é
surreal e beira ao delírio. Principalmente quando se sabe que o homem mal
chegou à lua (e muitos ainda duvidam que haja chegado), quanto mais a lugares
tão distantes que, se fosse possível chegar lá, demandaria várias gerações para
tanto (e isso se houvesse alguma nave capaz de empreender a viagem), tal é sua
distância, tão grande que praticamente não há número que a quantifique.
Contudo, esse tipo de
enredo é, apenas, ínfima fração dos que são criados pelos ficcionistas. A
necessidade de tornar suas histórias minimamente verossímeis não raro faz
desses escritores uma espécie de “profetas”, antecipando, em décadas, invenções
que se concretizam, apenas, muitos anos depois, quando não séculos à frente.
Nem tudo o que imaginam, claro, é viabilizado por inventores. Afinal, a
imaginação humana não tem limites. Já sua capacidade de concretizar o imaginado
tem. Imaginar é fácil. Fazer é que são elas.
Encontrei em um site
(que infelizmente não posso identificar, por não haver anotado qual foi) uma
relação de dez consagrados escritores de ficção científica, cuja obra pode ser
incluída, sem sustos, entre os clássicos. Não se pode dizer que um seja melhor
do que o outro, que este supere aquele em criatividade e capacidade de descrição,
e vice versa, pois todos têm suas virtudes e aptidões. E esse tipo de avaliação
é subjetivo demais e, sobretudo, injusto. Diria que os dez estão no mesmíssimo
patamar de qualidade, respeitando as peculiaridades de cada um. O primeiro da
lista, sobre o qual me proponho a comentar, hoje, é o britânico Herbert George
Wells (que assinava como H. G. Wells), o escritor que “apavorou um país”, no
caso os Estados Unidos. Explico. Trata-se de um ficcionista do século XIX,
embora tenha produzido parte considerável de sua obra no século XX e que
faleceu em 1946. Celebrizou-se, sobretudo, pelo seu livro “Guerra dos Mundos”.
A propósito, esta obra
popularizou-se por causa de um incidente que ficou na História e que volta e
meia é mencionado em aulas nos cursos de Comunicação. O livro foi adaptado para
o cinema, cujo filme teve a direção de ninguém menos que Steven Spielberg. O
professor Eduardo Meditsch, da Universidade Federal de Santa Catarina, narra
com grande objetividade o citado fato, o de uma obra de ficção causando pânico
em milhares e milhares de pessoas, em artigo publicado no site “Observatório de
Imprensa”, cujo parágrafo inicial peço licença para reproduzir.
Relata: “Era uma noite de domingo, 30 de outubro
de 1938, véspera do tradicional Dia das Bruxas nos Estados Unidos, A rede de
rádio CBS transmitia o programa Mercury Theater, que semanalmente
apresentava textos literários adaptados, sob a direção de um talentoso ator de
23 anos que tinha grandes ambições no mundo artístico. Seu nome era Orson Welles.
Naquela semana, o texto escolhido foi o romance de ficção científica A Guerra dos Mundos, escrito
no final do Século XIX pelo inglês H.G. Wells. Por uma série de fatores, o
programa teve audiência maior do que a normal. A qualidade da interpretação e um
contexto histórico carregado de tensões levaram a um resultado explosivo: um em
cada cinco ouvintes não notou que se tratava de obra de ficção; parte
considerável do público acreditou que a Terra estava realmente sendo invadida
por marcianos. Milhares deixaram as suas casas tentando fugir das cidades. O
pânico provocou acidentes em série, prejuízos incalculáveis e até tentativas de
suicídio. Nunca mais a sociedade americana olharia a mídia da mesma maneira”.
É certo que tanta gente acreditou que a Terra estava sendo
invadida por marcianos graças à genialidade interpretativa de Orson Welles e de
seu cast de rádio-atores. Mas não se pode negar o poder de convencimento do
enredo de H. G. Wells. O cara foi um gênio como ficcionista. Naquela época,
ainda se acreditava que Marte abrigaria vida, e inteligente. Hoje já se sabe
que é um planeta “morto”, inóspito, inabitável, que talvez não tenha sequer
bactérias dessas que resistem aos piores ambientes, com condições terríveis,
possivelmente insuportáveis para o homem. Estas podem ser descritas, sem
exagero, como uma espécie de mistura das condições existentes no deserto do
Saara (pelas freqüentes e cataclísmicas tempestades de areia que podem durar
meses) e na geladíssima Antártida, com suas temperaturas de dezenas de graus
abaixo de zero.
A bibliografia de H. G. Wells é bastante extensa. Cataloguei
pelo menos vinte romances de ficção científica que publicou, mas desconfio que
esse número seja muito maior. Pelo que sei, seis deles (também podem ser bem
mais) foram traduzidos para o português e lançados no Brasil: “A máquina do
tempo” (1895), “A ilha do Dr. Moreau” (1896), “O homem invisível” (1897), “A
guerra dos mundos” (1898), “O alimento dos deuses” (1904) e “Os dias do cometa”
(1906). Os próprios títulos nos induzem a concluir que o escritor inglês não se
limitou a tratar de supostos ETs e de viagens espaciais, como alguns supõem.
Muita coisa que “criou”, para compor seus enredos, que não existiam na prática,
são hoje objetos triviais, presentes em nosso dia a dia. Na sequência,
proponho-me a tratar dos outros nove escritores de ficção científica constantes
da lista que localizei na internet.
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