Sunday, January 18, 2015

O escritor que apavorou um país

Pedro J. Bondaczuk

O futuro – do mais remoto, de dezenas de séculos á frente, ao bem próximo – é o tempo utilizado pelos escritores de ficção científica para situar seus enredos. Por isso, são forçados, pela própria opção que fizeram pelo gênero, a levar a capacidade de imaginação a extremos. Muito leitor foge desse tipo de história por considerá-lo demasiadamente absurdo. Não raro é mesmo. Não se pode, todavia, generalizar. Há, é fato, aventuras envolvendo não apenas outros planetas, mas confederações de galáxias e outros quetais. Isso é mais do que mera fantasia: é surreal e beira ao delírio. Principalmente quando se sabe que o homem mal chegou à lua (e muitos ainda duvidam que haja chegado), quanto mais a lugares tão distantes que, se fosse possível chegar lá, demandaria várias gerações para tanto (e isso se houvesse alguma nave capaz de empreender a viagem), tal é sua distância, tão grande que praticamente não há número que a quantifique.

Contudo, esse tipo de enredo é, apenas, ínfima fração dos que são criados pelos ficcionistas. A necessidade de tornar suas histórias minimamente verossímeis não raro faz desses escritores uma espécie de “profetas”, antecipando, em décadas, invenções que se concretizam, apenas, muitos anos depois, quando não séculos à frente. Nem tudo o que imaginam, claro, é viabilizado por inventores. Afinal, a imaginação humana não tem limites. Já sua capacidade de concretizar o imaginado tem. Imaginar é fácil. Fazer é que são elas.

Encontrei em um site (que infelizmente não posso identificar, por não haver anotado qual foi) uma relação de dez consagrados escritores de ficção científica, cuja obra pode ser incluída, sem sustos, entre os clássicos. Não se pode dizer que um seja melhor do que o outro, que este supere aquele em criatividade e capacidade de descrição, e vice versa, pois todos têm suas virtudes e aptidões. E esse tipo de avaliação é subjetivo demais e, sobretudo, injusto. Diria que os dez estão no mesmíssimo patamar de qualidade, respeitando as peculiaridades de cada um. O primeiro da lista, sobre o qual me proponho a comentar, hoje, é o britânico Herbert George Wells (que assinava como H. G. Wells), o escritor que “apavorou um país”, no caso os Estados Unidos. Explico. Trata-se de um ficcionista do século XIX, embora tenha produzido parte considerável de sua obra no século XX e que faleceu em 1946. Celebrizou-se, sobretudo, pelo seu livro “Guerra dos Mundos”.

A propósito, esta obra popularizou-se por causa de um incidente que ficou na História e que volta e meia é mencionado em aulas nos cursos de Comunicação. O livro foi adaptado para o cinema, cujo filme teve a direção de ninguém menos que Steven Spielberg. O professor Eduardo Meditsch, da Universidade Federal de Santa Catarina, narra com grande objetividade o citado fato, o de uma obra de ficção causando pânico em milhares e milhares de pessoas, em artigo publicado no site “Observatório de Imprensa”, cujo parágrafo inicial peço licença para reproduzir.

Relata: “Era uma noite de domingo, 30 de outubro de 1938, véspera do tradicional Dia das Bruxas nos Estados Unidos, A rede de rádio CBS transmitia o programa Mercury Theater, que semanalmente apresentava textos literários adaptados, sob a direção de um talentoso ator de 23 anos que tinha grandes ambições no mundo artístico. Seu nome era Orson Welles. Naquela semana, o texto escolhido foi o romance de ficção científica A Guerra dos Mundos, escrito no final do Século XIX pelo inglês H.G. Wells. Por uma série de fatores, o programa teve audiência maior do que a normal. A qualidade da interpretação e um contexto histórico carregado de tensões levaram a um resultado explosivo: um em cada cinco ouvintes não notou que se tratava de obra de ficção; parte considerável do público acreditou que a Terra estava realmente sendo invadida por marcianos. Milhares deixaram as suas casas tentando fugir das cidades. O pânico provocou acidentes em série, prejuízos incalculáveis e até tentativas de suicídio. Nunca mais a sociedade americana olharia a mídia da mesma maneira”.

É certo que tanta gente acreditou que a Terra estava sendo invadida por marcianos graças à genialidade interpretativa de Orson Welles e de seu cast de rádio-atores. Mas não se pode negar o poder de convencimento do enredo de H. G. Wells. O cara foi um gênio como ficcionista. Naquela época, ainda se acreditava que Marte abrigaria vida, e inteligente. Hoje já se sabe que é um planeta “morto”, inóspito, inabitável, que talvez não tenha sequer bactérias dessas que resistem aos piores ambientes, com condições terríveis, possivelmente insuportáveis para o homem. Estas podem ser descritas, sem exagero, como uma espécie de mistura das condições existentes no deserto do Saara (pelas freqüentes e cataclísmicas tempestades de areia que podem durar meses) e na geladíssima Antártida, com suas temperaturas de dezenas de graus abaixo de zero.

A bibliografia de H. G. Wells é bastante extensa. Cataloguei pelo menos vinte romances de ficção científica que publicou, mas desconfio que esse número seja muito maior. Pelo que sei, seis deles (também podem ser bem mais) foram traduzidos para o português e lançados no Brasil: “A máquina do tempo” (1895), “A ilha do Dr. Moreau” (1896), “O homem invisível” (1897), “A guerra dos mundos” (1898), “O alimento dos deuses” (1904) e “Os dias do cometa” (1906). Os próprios títulos nos induzem a concluir que o escritor inglês não se limitou a tratar de supostos ETs e de viagens espaciais, como alguns supõem. Muita coisa que “criou”, para compor seus enredos, que não existiam na prática, são hoje objetos triviais, presentes em nosso dia a dia. Na sequência, proponho-me a tratar dos outros nove escritores de ficção científica constantes da lista que localizei na internet.


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