Simplicidade e sabedoria
Pedro J. Bondaczuk
A simplicidade (salvo uma ou outra exceção) quase sempre está diretamente vinculada à sabedoria. O sábio entende o mundo, aceita as pessoas como são, conhece a vida com sua grandeza e limitações e sabe, portanto, o quanto somos efêmeros e transitórios. E, principalmente, o quanto o sucesso e o fracasso são fortuitos e enganadores, posto que passageiros. Tudo passa. Tudo... inclusive nós passamos. A sabedoria popular consagrou a expressão: “Não há bem que sempre dure e nem mal que nunca se acabe”. O néscio não entende essas coisas. É arrogante, prepotente e cabe-lhe, a caráter, a afirmação de que “tem um rei na barriga”. Pelo menos parece ter. Embora não afirme, porquanto não me considero onisciente e muito menos dono da verdade, desconfio que quem não cultive a simplicidade, a candura e a inocência, jamais poderá ostentar a condição de sábio. Pelo menos nunca conheci nenhum que não aliasse essas duas características.
Estas reflexões vêm a propósito de um jornalista e escritor que muito prezo e que seguirei considerando amigo enquanto viver, posto que ele tenha já “se encantado”, em 31 de janeiro de 2014, e prematuramente, aos 61 anos de idade. Afinal, como garantiu em certa ocasião o romancista Guimarães Rosa: “Um poeta nunca morre. Fica encantado”. E essa maiúscula figura, admirada e amada por todos, era, entre outras tantas coisas, íntimo (diria “intimíssimo”) das Musas. Era, “também”, inspirado poeta. Refiro-me a Eustáquio Gomes, conhecido na intimidade como “Tatá”, de quem tive o privilégio e a honra de ser não somente companheiro de trabalho na redação do Correio Popular de Campinas, mas, sobretudo, de privar de sua amizade. Tanto isso é verdade, que é dele o prefácio (e que prefácio!) do meu livro “Por uma nova utopia”, cujos direitos comerciais doei ao Centro de Defesa da Vida, entidade voltada à prevenção de suicídios. No referido texto, ele esbanjou simplicidade e generosidade, sem perder a objetividade, ao ver, em mim, méritos literários que nem sei se de fato tenho.
Proponho-me a escrever sobre Eustáquio Gomes – que foi, além de jornalista, escritor, mestre em Letras pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), cronista semanal da revista “Metrópole” do Correio Popular, autor de quinze livros, entre os quais “Febre Amorosa” (romance, recentemente traduzido para o russo), “Cavalo Inundado” (poesia), “A mulher que virou canoa” (contos), “Os jogos de junho” (novela), “Hemmingway: sete encontros com o leão” (ensaio biográfico), “Jonas Blau” (romance) e “O mapa da Austrália” (romance) – nos próximos dias. Por hoje, limito-me a reproduzir o generoso prefácio que redigiu para meu livro “Por uma nova utopia”, que intitulou de “Um jornal das sensações”. Ei-lo:
“Pouco sei da
biografia pessoal de Pedro Bondaczuk, exceto que foi radialista e trabalhador
de indústria, que escreve contos e poemas, especializou-se num jornalismo
multímodo e tem uma grande biblioteca. Seu único livro até aqui publicado,
“Quadros de Natal”, circula por aí em edições sucessivas, sob o selo de um
colégio preparatório. E isso é tudo o que sei.
Mas não é preciso muito para imaginá-lo por trás de sua escrivaninha de
escriba, consciente de um método que é só dele, seguro de uma lucidez que não
se entrega. Basta acompanhar sua produção através das páginas do “Correio
Popular”, caudalosa, variada e sempre informativa. Tem-se a impressão de que
dando-lhe espaço ele encheria um jornal inteiro, diariamente, com seu
repertório inesgotável. Balzac o colocaria num romance, Diderot gostaria de
tê-lo a serviço de sua Enciclopédia.
Assim como pululam, em todas as épocas, os cronistas da negatividade,
Pedro Bondaczuk é positivo até mesmo quando critica. Não perde ocasião de
rechaçar as frases feitas dos céticos, recusa-se a acreditar na surrada lenda
que diz que “os tempos atuais” são os piores, nega-se a “fazer da angústia um
estilo de vida”. Mas tampouco pactua com os pares que, para edulcorar seu
próprio cotidiano, tratam de extrair “riqueza da miséria, nobreza da canalhice,
ética da imoralidade”.
Pode-se dizer que, homogêneo na variedade de suas peças, este livro é
bem o retrato de seu autor, nele transparecendo sua concepção de vida, a
clareza de suas idéias, a profundidade de seus conhecimentos e a riqueza de
suas esperanças. Seus temas tanto podem ser a cidade que o acolheu e lhe deu um
título de cidadania quanto aos progressos da ciência, a poetisa que morreu
prematuramente, os rumos do País à porta do novo milênio ou os mistérios da
realidade circundante “que, de tão fantástica, chega a humilhar a ficção”.
Trata de reis e crianças abandonadas, tanto cita Tolstoi quanto poetas
de província.
Mas, generoso, é severo com os grandes e indulgente com os pequenos.
Claramente para ele não contam o dinheiro, o prestígio ou o poder, mas sim “o
ato de viver, de apreciar esta maravilhosa aventura (da vida), que tem mais
valor por ser única”. Não por acaso há nele ressonância de Krishnamurti e
Daisaku Ikeda, mas é na frase de Roland Barthes – “Nenhum poder, algum saber,
muito sabor” – que acharemos talvez a melhor definição para a escolha filosófica
de Bondaczuk, cujo texto é sempre um incitamento ao exercício de viver, às
possibilidades da existência.
Creio que a certa altura o autor se coloca a questão que para ele deve
ser crucial: escritor-jornalista ou jornalista-escritor? Parece-me que a questão
se resolve naturalmente na medida em que todo o texto jornalístico de Bondaczuk
se inclina para a literatura e, como tal, apresenta características de
durabilidade que o jornalismo puro não tem. Não por acaso ele passeia da poesia
à ética, da biologia à história, da sociologia ao romance. Ninguém é capaz de
fazê-lo sem contar com um senso de orientação apurado e sem o domínio das
formas breves da linguagem literária. E ele os tem.
Brevidade, concisão, clareza. Eu diria que são estas suas principais qualidades.
Homem de muitos instrumentos, Bondaczuk prefere todavia o solo da
flauta – o conto, o poema, a crônica. Está no seu elemento, conhece as
complexidades do gênero e as domina. Isso lhe permite falar consigo mesmo e com
seus leitores, sondar-lhes os sentimentos, ouvir sua respiração e, a partir
dessa intensa troca de códigos cotidianamente o diário de suas sensações, como
um jornal que, refletindo as pompas e as misérias do mundo, ecoasse também o
fragor da alma”.
Muito obrigado, generoso e sábio amigo
– dotado de tantas virtudes, entre as quais a simplicidade – por fazer parte
não apenas da minha carreira de escritor (posto que dos mais obscuros e
modestos), mas da minha vida, com seus exemplos de competência,
responsabilidade e grandeza que tento e sempre tentarei seguir. Gratíssimo,
inesquecível Tatá, sobretudo por ter existido e se abrigado, para sempre, em
meu coração e em minha memória!!!
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