Sangue contaminado
Pedro J. Bondaczuk
O sangue, classificado
pelos especialistas como “tecido hematopoiético”, tem, talvez, a função mais
importante de todas as partes do organismo. São em suas células que estão as
defesas do corpo contra invasões de agentes patogênicos externos, ou seja, dos
vírus e bactérias, que causam as diversas doenças.
Essa
tarefa defensiva é exercida por cinco tipos de glóbulos brancos, cada qual com
uma função específica, para garantir a nossa saúde. É através dele, também, das
hemoglobinas (glóbulos vermelhos) que os músculos recebem o oxigênio que
permite que queimem o açúcar elaborado pelo fígado e movimentem o corpo. E o
aparelho circulatório conduz aos pulmões o gás carbônico que deve ser
eliminado.
Sua
importância é tamanha que se não houver fluxo sangüíneo no cérebro durante
cerca de 3 minutos, a pessoa morre, já que o delicadíssimo tecido cerebral
virtualmente “apodrece”. No sangue, portanto, reside a função da vida. Pois é
nele que ultimamente vem se instalando um terrível, monstruoso e até aqui
imbatível agente da morte: o vírus da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida, a
popular Aids.
Milhares
de pessoas em todo o mundo vêm sendo contaminadas mediante transfusões e saem,
portanto, dos vários hospitais, mais doentes do que às vezes entraram. As
principais vítimas desse processo têm sido os hemofílicos, que necessitam, para
sobreviver, de sucessivas renovações desse importante elemento vital.
Não
se concebe que algo desse tipo ocorra, mesmo num país como o nosso, onde o
respeito ao semelhante e aos seus direitos nunca foi a principal norma. Nos
últimos dias choveram, através de noticiários de rádio, jornal e TV, denúncias
incríveis sobre os bancos responsáveis pela coleta, guarda e distribuição de
sangue humano.
Em
alguns estabelecimentos desse tipo, o elemento vital é tratado como um produto
qualquer, sem os devidos cuidados e precauções. Geladeiras caseiras,
inadequadas para a estocagem, foram mostradas pela televisão em algumas dessas
casas. E o que é pior, recipientes vetados pelo Ministério da Saúde, por
estarem contaminados, foram exibidos sendo utilizados à vontade. Tudo isso
impunemente, como se fosse um simples caso de sonegação de imposto ou uma
questão que pudesse ser tratada burocraticamente.
Outra
denúncia terrível é a de que no Rio de Janeiro a coleta e distribuição de
sangue estariam nas mãos de traficantes de drogas, que estariam lucrando até
três vezes mais com esse comércio do que com a venda de cocaína, maconha e
sabe-se lá mais o quê.
O
pior de tudo é que há pessoas que não podem passar sem esse elemento vital. E a
desinformação que parece tomar conta do País está afastando os doadores até
daquelas instituições sabidamente sérias, com renome firmado na praça graças a
um trabalho honesto e responsável.
Quem
tem essa possibilidade de doar, e é sadio, deve continuar fazendo suas doações.
Quem doa não corre nenhum risco, desde que em bancos realmente idôneos que a
população certamente saberá distinguir quais são.
Mas
a opinião pública, por outro lado, deve cobrar, e com insistência, uma punição
para esses “vampiros”, que fazem da coleta e distribuição desse elemento vital
meramente um comércio. Que arrebanham mendigos, prostitutas e viciados notórios
e que em troca de alguns cruzadinhos insignificantes, que “caem do céu” para
esses deserdados da sorte, perpetram esse hediondo crime, de retirar deles
sangue contaminado, para inocular nas veias de alguém necessitado o agente da
morte. Saúde é uma coisa séria e não é questão para estar em mãos de “gangsters”,
cujo lugar é a cadeia, com enormes bolas de ferro nos pés. E estamos
conversados!
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 23 de janeiro de 1988).
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