Medida
antipática, ilegal e provocativa
Pedro J. Bondaczuk
A atitude da Grã-Bretanha, anunciada, anteontem, em
Londres, aumentando a zona de exclusão em torno das Ilhas Malvinas para 150
milhas, chegando a sobrepor-se a águas territoriais argentinas, é antipática,
ilegal e altamente provocativa, além de desnecessária.
Os britânicos argumentam que a medida visa a
proteger a pesca na região, que estaria sendo feita de maneira predatória. É
evidente que o alvo visado foi o recente acordo firmado pela Argentina com a
União Soviética e a Bulgária, a esse propósito.
O que surpreendeu mais, no entanto, foi o fato da
providência ter sido adotada imediatamente após a 41ª Assembléia Geral das
Nações Unidas ter aprovado uma resolução brasileira, considerando todo o
Atlântico Sul como zona de paz e de cooperação. Ou seja, uma área
desmilitarizada, principalmente livre de armamentos atômicos.
Recorde-se que nessa histórica votação, realizada
segunda-feira, a Grã-Bretanha ficou em cima do muro. Ou seja, foi um dos oitos
países que não votaram, nem a favor e nem contra, mas se abstiveram. O único
membro que se manifestou contrário à resolução brasileira foi o representante
dos Estados Unidos.
Aliás, a propriedade britânica sobre o Arquipélago
das Malvinas continua sendo algo sumamente contestável, já que esse território
foi tomado à força, em 1833, e sua soberania sempre ficou pendente nos diversos
foros internacionais criados desde então.
A vitória militar, obtida em 1982, não lhe dá, em
absoluto, nenhuma legitimidade sobre essas ilhas. É verdade que praticamente
todo o mundo condenou a intempestivas invasão Argentina às Geórgias do Sul,
ocorrida em 2 de abril daquele ano. Não porque o ato fosse ilegítimo, mas pelo
fato do governo que o determinou não gozar de plena legitimidade, por ser
extensão de um regime de fato e não de direito.
No entanto, nem mesmo aqueles que condenaram com
maior dureza a atitude agressiva determinada pelo general Leopoldo Galtieri
afirmaram, em momento algum, que essas possessões eram, legitimamente, da
Grã-Bretanha. E nem poderiam afirmar.
O que se levantou, na ocasião, foi a tese de que uma
arbitragem internacional, e não um confronto armado, deveria decidir a questão
da soberania sobre o arquipélago contestado. Ocorre que a Organização das Nações
Unidas, para infelicidade geral, hoje não passa de mera tribuna onde as
questões mais agudas que agitam o mundo são apenas levantadas e não um
organismo com poder decisório e capacidade de fazer cumprir tais decisões,
conforme seria desejável e como se pensou fazer quando da sua criação.
Os britânicos, por outro lado, são membros
permanentes da única das divisões da ONU que, teoricamente, teria condições de
tomar alguma providência prática e a implementar: o Conselho de Segurança. Por
uma estranha e antidemocrática norma, esse país, junto com Estados Unidos,
União Soviética, França e China, goza do poder de vetar aquilo que não lhe
convier.
Discutir ali a soberania das Malvinas,
evidentemente, não lhe convém. Dessa maneira, a prepotência das potências fecha
todas as portas para que um problema dessa natureza possa ser resolvido
diplomaticamente.
Se em 1982 os britânicos puderam argumentar que se
sentiram agredidos pela Argentina, a estranha decisão de anteontem, ditando
normas, inclusive sobre águas que não lhe pertencem, adquirem idêntico sentido.
Com isso, o governo da primeira-ministra Margaret Thatcher consegue, somente,
criar novos focos de tensão e razões para que a antipatia internacional contra
o seu governo extrapole capitais como Trípoli, Damasco, Teerã e Beirute e se
espalhe por todas as partes. Para que se estenda, também, à nossa sofrida,
espoliada e humilhada América Latina.
Esse é um bom exemplo de como atitudes provocativas
podem prestar um imenso desserviço à causa da paz. Nada mais justo, portanto,
que os argentinos se sintam tão indignados. Afinal, Raul Alfonsin não é
Leopoldo Galtieri e a Grã-Bretanha sabe bem disso.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do
Correio Popular, em 31 de outubro de 1986)
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