A essência da vida
Pedro J. Bondaczuk
O
novo ano está às portas pedindo passagem. Cada segundo que passa o torna mais
próximo. Aliás, em muitas partes do mundo – em países da Ásia e da Oceania – já
chegou. Seus habitantes já fazem o que a maioria de nós fará por aqui, em mais
dez horas – redijo estas reflexões às 14 horas de 31 de dezembro de 2014. Ou
seja, abraçam-se, soltam fogos, abrem champanhes, fazem juras e resoluções, a
maioria das quais (quando não a totalidade) cairá no esquecimento, se não
amanhã, pelo menos na próxima segunda-feira, quando a vida retomar seu ritmo
normal. Enfim, tudo o que se faz, em todos os anos, nesta mesma época, se
repetirá e está se repetindo onde já é ano novo. É certo que, por razões
várias, conforme a realidade de cada um, nem todos estão comemorando, ou vão
comemorar a passagem de 2014 para 2015. Suspeito que a maioria esteja nesse
caso, enfrentando dramas pessoais ou familiares terríveis.
Há
gente nascendo, gente morrendo, gente delinqüindo, gente amando, gente passando
fome, gente chorando em desespero etc.etc.etc. por este mundão de Deus afora.
Isso sempre foi e sempre será assim. É a realidade da vida que, os que podem,
buscam esquecer, pelo menos em ocasiões como esta. Os que conseguem (e me
incluo entre estes nos meus quase 72 anos de vida) são privilegiados, posto que
raramente reconheçam esse privilégio. Na real, abstraindo fantasias e
esperanças, este momento trata-se de mera mudança de números em uma folhinha e
nada mais. Todavia, as pessoas (e eu também, claro) agem como se fosse o início
de uma nova era, que fantasiam como próspera e radiosa. Todos os dias, e não
apenas 1º de janeiro, são ou podem ser recomeços ou continuidades. Ou ambos.
Embora muitas vezes nos pareçam “iguais”, os dias (nenhum deles) nunca são. Nós é que não notamos as diferenças,
a não ser quando atropelados por perdas e tragédias. Quase que mecanicamente,
tendemos a considerar que o período recém-findo nos trouxe só amarguras e
dissabores. Esquecemos, pois, das alegrias e bênçãos que tivemos.
Passamos
a fazer planos muito vagos, não raro mirabolantes, para futuro próximo,
acompanhados de resoluções que, insisto, raros cumprirão. Muitos dirão, ou pelo
menos pensarão: “2014 já vai tarde!” Insensatos! Esquecem-se que nossa morte
está em algum lugar do futuro? No fundo, no fundo, todos sabem, ou pelo menos
intuem essa verdade. O que querem é se iludir, como se essa ilusão lhes desse
forças para continuar vivendo. Em escassas dez horas – nas quais tantas coisas
boas e/ou ruins ainda podem acontecer – pelo menos para nós que estamos regidos
pela hora oficial de Brasília – entraremos, de vez, em novo ano. Aliás, na
realidade, 2014 vai acabar só uma hora depois dos relógios marcarem meia-noite.
Estamos em pleno horário de verão. Mas o que importa? Alguns farão essa
observação, em meio às vaias dos que os cercarem. Assim que os primeiros fogos
riscarem o céu, vão chover abraços e votos (a maioria feita à base de clichês
surrados, repetidos ano após ano, num atentado à memória alheia) de
felicidades, saúde e prosperidade, feitos só "da boca para
fora". São palavras mecânicas,
formais, mera convenção social, mas de "bom tom" que sejam ditas. É
uma farsa que se repete, geração após geração, com raras variações.
O
jornalista, escritor e médico Wilson Luiz Sanvito escreveu, em um de seus tantos
artigos publicados no “Jornal da Tarde”, de São Paulo, que “após uma longa
vida, o homem é um pouco uma fusão de todas as pessoas que conheceu, todos os
livros que leu, todos os crepúsculos que admirou, todas as obras de arte que
apreciou, todas as músicas que ouviu”. Por esse critério, 2014 serviu-me como
ano de enriquecimento, de acréscimo ao patrimônio intelectual e, sobretudo,
sentimental. Novas e estimulantes amizades foram incorporadas às antigas, o que
muito me envaidece e orgulha. E para minha alegria, nenhuma das que eu já tinha
antes se perdeu.
Mas
na próxima segunda-feira (isto se não for já amanhã ou depois), as solenes
resoluções da véspera serão prontamente esquecidas. A vida seguirá seu curso,
até o próximo final do ano. Para quem gosta de futebol (e este é o meu caso),
já poderá, por exemplo, a partir de sábado, acompanhar a primeira competição de
2015: a Copa São Paulo de Futebol Junior. Estudos, trabalho, namoro,
casamentos, separações, planos, sucessos, fracassos, encontros e desencontros,
nascimentos e mortes... Tudo se sucederá de novo, meio que aleatoriamente. E
continuaremos, como sempre, buscando a felicidade alhures, mesmo que ela esteja
o tempo todo conosco, bem debaixo do nosso nariz sem que a notemos. Concluo que
a esperança ainda é o grande alimento das nossas ilusões. E que estas se
constituem, admitamos ou não, na verdadeira essência da vida...
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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