Friday, January 30, 2015

Desavenças internas


Pedro J. Bondaczuk

O sucesso da reunião de cúpula que o presidente norte-americano, Ronald Reagan, e o líder soviético, Mikhail Gorbachev, vão realizar, dentro de 26 dias, em Genebra, está seriamente comprometido por antecipação. O fato não se deve, entretanto, a qualquer rigidez na posição dos dois futuros interlocutores, que tanto em caráter público, quanto em conversas reservadas, vêm demonstrando uma grande dose de boa vontade um para com o outro. A ameaça vem dos escalões intermediários. Mais especificamente, dos gabinetes da Casa Branca, onde o secretário de Estado, George Shultz, e o da Defesa, Casper Weinberger, parecem falar linguagens diametralmente opostas, especialmente no que diz respeito ao cumprimento do Tratado ABM entre as superpotências.

Aliás, não é de hoje que divergências desse tipo têm vindo a público, mostrando que a liderança do presidente Ronald Reagan sobre o seu secretariado não é tão pacífica e completa quanto o leigo poderá pensar. Há tempos setores mais radicais do Partido Republicano vêm abrindo um autêntico fogo cruzado, no sentido de um endurecimento ainda maior do governo em relação à União Soviética, como se esse tipo de procedimento não envolvesse qualquer risco. Shultz é o grande elemento moderador no atual secretariado (como de resto também o foi no anterior, desde quando substituiu o general Alexander Haig no cargo, em maio de 1982), o homem do diálogo, da negociação, enfim, do realismo. Afinal, tivessem os incendiários que orbitam em torno do poder, na Casa Branca, o controle da política externa norte-americana, e certamente não haveria reunião de cúpula alguma em Genebra. O clima de guerra fria seria muito mais exacerbado do que já é e as superpotências estariam bem mais próximas da confrontação do que estão.

Isso não quer dizer que o relacionamento Washington-Moscou é dos melhores. Pelo contrário, nunca esteve tão deteriorado, nem mesmo na ocasião do famoso caso dos mísseis em Cuba, em 1961. Tanto Reagan quanto Gorbachev falam seguidamente em frear a corrida armamentista, mas enquanto manifestam, no âmbito da Imprensa, essa intenção, as respectivas indústrias bélicas seguem produzindo, em ritmo frenético, quantidades crescentes de certeiros mísseis dotados das correspondentes mortíferas ogivas nucleares. Desde março passado, quando soviéticos e norte-americanos começaram a negociar o desarmamento em Genebra, os respectivos arsenais foram acrescidos da estonteante quantidade per capita de 300 novas armas atômicas. Esse foi o mais elevado aumento registrado em apenas meio ano em toda a história.

Enquanto George Shultz afirma que o programa "Guerra nas Estrelas" é negociável, que os Estados Unidos irão manter a IDE somente em âmbito de pesquisas e que sua implementação irá ocorrer apenas se Washington perceber má vontade por parte da União Soviética, Casper Weinberger diz exatamente o oposto. Que a instalação dos armamentos estratégicos será mesmo para valer e que o Tratado ABM (que versa sobre armas antimísseis), com perdão do trocadilho, "já foi para o espaço" há muito tempo, rompido que teria sido pelos russos, unilateralmente.

A questão da IDE, todavia, envolve muito mais do que mero poder político. Implica em minar também o espaço (já que em termos de superfície, é capaz que haja silos de mísseis até no jardim de nossa casa), reduzindo perigosamente a margem de erro para a deflagração da guerra final. Mas envolve, sobretudo, dinheiro, muito dinheiro. Mais precisamente, US$ 1,2 trilhão (ou a assombrosa importância de Cr$ 9,4 quatrilhões), que é quanto o sistema "Guerra nas Estrelas" vai custar depois de pronto.

Quem vencerá essa batalha de bastidores na Casa Branca? O realismo de Shultz ou o comprometimento de Weinberger? A serenidade do secretário de Estado que dialoga ou a intempestividade do chefe do Pentágono que ameaça? O homem que ainda crê na negociação ou aquele que apenas acredita na força? Do resultado desse duelo dependerá se Reagan e Gorbachev vão realmente chegar a algum acordo efetivo ou se irão se limitar a trocar insultos ou proferir frases de efeito para a imprensa, nos dias 19 e 20 de novembro, em Genebra. E nas mãos desses dois, provavelmente, estará nessa oportunidade o destino de todos nós.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 24 de outubro de 1985)


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