Desavenças internas
Pedro J. Bondaczuk
O
sucesso da reunião de cúpula que o presidente norte-americano, Ronald Reagan, e
o líder soviético, Mikhail Gorbachev, vão realizar, dentro de 26 dias, em
Genebra, está seriamente comprometido por antecipação. O fato não se deve,
entretanto, a qualquer rigidez na posição dos dois futuros interlocutores, que
tanto em caráter público, quanto em conversas reservadas, vêm demonstrando uma
grande dose de boa vontade um para com o outro. A ameaça vem dos escalões
intermediários. Mais especificamente, dos gabinetes da Casa Branca, onde o
secretário de Estado, George Shultz, e o da Defesa, Casper Weinberger, parecem
falar linguagens diametralmente opostas, especialmente no que diz respeito ao
cumprimento do Tratado ABM entre as superpotências.
Aliás,
não é de hoje que divergências desse tipo têm vindo a público, mostrando que a
liderança do presidente Ronald Reagan sobre o seu secretariado não é tão
pacífica e completa quanto o leigo poderá pensar. Há tempos setores mais
radicais do Partido Republicano vêm abrindo um autêntico fogo cruzado, no
sentido de um endurecimento ainda maior do governo em relação à União
Soviética, como se esse tipo de procedimento não envolvesse qualquer risco.
Shultz é o grande elemento moderador no atual secretariado (como de resto
também o foi no anterior, desde quando substituiu o general Alexander Haig no
cargo, em maio de 1982), o homem do diálogo, da negociação, enfim, do realismo.
Afinal, tivessem os incendiários que orbitam em torno do poder, na Casa Branca,
o controle da política externa norte-americana, e certamente não haveria
reunião de cúpula alguma em Genebra. O clima de guerra fria seria muito mais
exacerbado do que já é e as superpotências estariam bem mais próximas da confrontação
do que estão.
Isso
não quer dizer que o relacionamento Washington-Moscou é dos melhores. Pelo
contrário, nunca esteve tão deteriorado, nem mesmo na ocasião do famoso caso
dos mísseis em Cuba, em 1961. Tanto Reagan quanto Gorbachev falam seguidamente
em frear a corrida armamentista, mas enquanto manifestam, no âmbito da
Imprensa, essa intenção, as respectivas indústrias bélicas seguem produzindo,
em ritmo frenético, quantidades crescentes de certeiros mísseis dotados das
correspondentes mortíferas ogivas nucleares. Desde março passado, quando
soviéticos e norte-americanos começaram a negociar o desarmamento em Genebra,
os respectivos arsenais foram acrescidos da estonteante quantidade per capita
de 300 novas armas atômicas. Esse foi o mais elevado aumento registrado em
apenas meio ano em toda a história.
Enquanto
George Shultz afirma que o programa "Guerra nas Estrelas" é
negociável, que os Estados Unidos irão manter a IDE somente em âmbito de
pesquisas e que sua implementação irá ocorrer apenas se Washington perceber má
vontade por parte da União Soviética, Casper Weinberger diz exatamente o
oposto. Que a instalação dos armamentos estratégicos será mesmo para valer e
que o Tratado ABM (que versa sobre armas antimísseis), com perdão do
trocadilho, "já foi para o espaço" há muito tempo, rompido que teria
sido pelos russos, unilateralmente.
A
questão da IDE, todavia, envolve muito mais do que mero poder político. Implica
em minar também o espaço (já que em termos de superfície, é capaz que haja
silos de mísseis até no jardim de nossa casa), reduzindo perigosamente a margem
de erro para a deflagração da guerra final. Mas envolve, sobretudo, dinheiro,
muito dinheiro. Mais precisamente, US$ 1,2 trilhão (ou a assombrosa importância
de Cr$ 9,4 quatrilhões), que é quanto o sistema "Guerra nas Estrelas"
vai custar depois de pronto.
Quem
vencerá essa batalha de bastidores na Casa Branca? O realismo de Shultz ou o
comprometimento de Weinberger? A serenidade do secretário de Estado que dialoga
ou a intempestividade do chefe do Pentágono que ameaça? O homem que ainda crê
na negociação ou aquele que apenas acredita na força? Do resultado desse duelo
dependerá se Reagan e Gorbachev vão realmente chegar a algum acordo efetivo ou
se irão se limitar a trocar insultos ou proferir frases de efeito para a
imprensa, nos dias 19 e 20 de novembro, em Genebra. E nas mãos desses dois,
provavelmente, estará nessa oportunidade o destino de todos nós.
(Artigo
publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 24 de outubro de
1985)
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