Que a porta
permaneça aberta
Pedro J. Bondaczuk
O presidente norte-americano, Ronald Reagan, e o líder
soviético, Mikhail Gorbachev, cada um à sua maneira e por seus próprios
motivos, têm toda a razão para considerar que a terceira reunião de cúpula realizada
entre ambos, que terminou ontem, em Washington, foi um pleno sucesso. Isso a
despeito deles não terem conseguido nada de mais expressivo além da assinatura
do acordo para a eliminação de mísseis de média e curta distâncias de seus
respectivos arsenais, o que, convenhamos, não é pouco. Principalmente por
representar o primeiro pacto desse tipo em toda a história das armas nucleares.
Tanto um como o outro andavam precisando de tanto
espaço na imprensa. Aliás, este não lhes faltou em momento algum. No mundo
todo, suas imagens sorridentes foram mostradas, suas anedotas e tiradas de
inteligência foram repetidas ad nausea e seus discursos, recheados de citações
de vultos do país um do outro foram reproduzidos em todos os lugares.
A televisão japonesa investiu US$ 100 milhões para
transmitir o encontro. A chinesa projetou as imagens para milhões de
telespectadores locais. Gorbachev, além disso, pôde mostrar na mídia
norte-americana a razão de ser sempre comparado a um garoto propaganda do
marxismo. Mas de um novo tipo de comunismo, não mais aquele caracterizado por
surrados dogmas, expressados por anciões azedos, mal-encarados e mal-humorados.
Esbanjou charme e simpatia e vendeu seu peixe em
todo o lugar que lhe foi possível. Disse, sorrindo, algumas verdades amargas
que, se fossem ditas, em Washington, pelo vetusto Leonid Brezhnev, ou pelo
rústico Nikita Kruschev, causariam enorme alarido, uma catadupa avassaladora de
críticas e de recriminações. Enunciadas por ele, no entanto, geraram
gargalhadas e foram recebidas com simpatia.
O bom em tudo isso foi o rompimento do gelo que ainda
caracterizava os diálogos superformais entre as superpotências. Estes ganharam,
sobretudo, um toque de inteligência. Para quem esperava mirabolantes surpresas,
a cúpula recém-finda pode ter sido uma decepção. Mas não foi por falta de
aviso.
Na semana passada os dois porta-vozes
governamentais, o norte-americano Marlin Fitzwater e o soviético Gennady
Gerasimov, preveniram os jornalistas para que não esperassem demais das
conversações. Afinal, os temas debatidos referem-se a problemas que se arrastam
há anos (alguns, há décadas), sem nenhum avanço e muito menos qualquer solução.
E não seriam algumas horas de conversa (embora cordial e revestida,
aparentemente de mútua boa vontade) que iriam remover, num miraculoso
abracadabra, essa cordilheira de controvérsias.
O importante é que Estados Unidos e União Soviética
agora estão conversando, invés de brigarem. O que não se pode é deixar que as
portas da intolerância voltem a se fechar.
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do
Correio Popular, em 11 de dezembro de 1987).
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