Friday, January 02, 2015

Que a porta permaneça aberta


Pedro J. Bondaczuk


O presidente norte-americano, Ronald Reagan, e o líder soviético, Mikhail Gorbachev, cada um à sua maneira e por seus próprios motivos, têm toda a razão para considerar que a terceira reunião de cúpula realizada entre ambos, que terminou ontem, em Washington, foi um pleno sucesso. Isso a despeito deles não terem conseguido nada de mais expressivo além da assinatura do acordo para a eliminação de mísseis de média e curta distâncias de seus respectivos arsenais, o que, convenhamos, não é pouco. Principalmente por representar o primeiro pacto desse tipo em toda a história das armas nucleares.

Tanto um como o outro andavam precisando de tanto espaço na imprensa. Aliás, este não lhes faltou em momento algum. No mundo todo, suas imagens sorridentes foram mostradas, suas anedotas e tiradas de inteligência foram repetidas ad nausea e seus discursos, recheados de citações de vultos do país um do outro foram reproduzidos em todos os lugares.

A televisão japonesa investiu US$ 100 milhões para transmitir o encontro. A chinesa projetou as imagens para milhões de telespectadores locais. Gorbachev, além disso, pôde mostrar na mídia norte-americana a razão de ser sempre comparado a um garoto propaganda do marxismo. Mas de um novo tipo de comunismo, não mais aquele caracterizado por surrados dogmas, expressados por anciões azedos, mal-encarados e mal-humorados.

Esbanjou charme e simpatia e vendeu seu peixe em todo o lugar que lhe foi possível. Disse, sorrindo, algumas verdades amargas que, se fossem ditas, em Washington, pelo vetusto Leonid Brezhnev, ou pelo rústico Nikita Kruschev, causariam enorme alarido, uma catadupa avassaladora de críticas e de recriminações. Enunciadas por ele, no entanto, geraram gargalhadas e foram recebidas com simpatia.

O bom em tudo isso foi o rompimento do gelo que ainda caracterizava os diálogos superformais entre as superpotências. Estes ganharam, sobretudo, um toque de inteligência. Para quem esperava mirabolantes surpresas, a cúpula recém-finda pode ter sido uma decepção. Mas não foi por falta de aviso.

Na semana passada os dois porta-vozes governamentais, o norte-americano Marlin Fitzwater e o soviético Gennady Gerasimov, preveniram os jornalistas para que não esperassem demais das conversações. Afinal, os temas debatidos referem-se a problemas que se arrastam há anos (alguns, há décadas), sem nenhum avanço e muito menos qualquer solução. E não seriam algumas horas de conversa (embora cordial e revestida, aparentemente de mútua boa vontade) que iriam remover, num miraculoso abracadabra, essa cordilheira de controvérsias.

O importante é que Estados Unidos e União Soviética agora estão conversando, invés de brigarem. O que não se pode é deixar que as portas da intolerância voltem a se fechar.

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 11 de dezembro de 1987).


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