Gastos inoportunos
Pedro J. Bondaczuk
O Hemisfério Norte pode
tornar-se, por séculos, impossível à sobrevivência humana, em virtude do
“inverno nuclear”, caso ocorra uma guerra atômica, mesmo que limitada. Essa foi
a advertência feita, mais uma vez, por um grupo de ilustres cientistas (entre
os quais alguns Prêmios Nobel) e líderes religiosos, ao término de nova reunião
de cinco dias, realizada na Itália, para debater a questão.
Embora
as superpotências ensaiem timidamente uma reaproximação, com os encontros,
previstos para 7 e 8 de janeiro próximo, entre o secretário de Estado dos
Estados Unidos, George Shultz, e o ministro de Relações Exteriores soviético,
Andrei Gromiko, são francamente hostis suas relações atuais.
Enquanto
os dois países mais poderosos do mundo preparam a pauta para discutir uma
freada na louca corrida armamentista que atualmente empreendem, se preparam,
ativamente, para acelerar ainda mais essa maratona insensata para a destruição.
Calcula-se
que os orçamentos, eufemisticamente chamados de “Defesa”, de russos e
norte-americanos serão, somados, da ordem de US$ 550 bilhões para o próximo
ano. Os números, colocados no papel, na sua frieza, a maior parte das vezes
acabam não falando muito. Analisemos, pois, os seus significados.
Essas
cifras, voltadas na maior parte para a construção de mortíferas armas,
representam 64,7% de toda a dívida externa mundial, que é de US$ 850 bilhões.
Significa que em 1985 serão gastos US$ 1,5 bilhão por dia; US$ 62,5 milhões por
hora; US$ 10,42 milhões por minuto; US$ 173,62 mil por segundo para se
arquitetar novas e cruéis formas de se suprimir a vida.
Apenas
meia hora desses gastos, ou US$ 96,26 milhões, seria suficiente para impedir
que 27 milhões de africanos viessem a morrer de fome logo no início de 1985.
Como tudo seria simples se houvesse bom senso! Os ilustres sábios que se
reuniram para debater as conseqüências de uma guerra nuclear no Planeta
chegaram a outra dolorosa conclusão, entre tantas. A de que seus esforços para
alertar os líderes das superpotências para esses riscos, bastante reais (ao
contrário do que pensam muitos insensatos) são praticamente inúteis. De que
suas advertências certamente cairão em ouvidos moucos, surdos à voz da razão.
Mas
ainda assim julgam ser uma obrigação levantar o tema, inquietar a opinião
pública, para que esta erga um clamor mundial de tais proporções, que faça com
que os homens que realmente decidem se apercebam que não estão simplesmente
brincando de fazer guerra, com meros soldadinhos de chumbo. Que as vítimas que
um novo conflito fizer serão seres humanos, e que entre elas, esses “poderosos”
certamente estarão incluídos.
Se
escaparem da explosão inicial (o que é sumamente improvável) morrerão de fome e
de frio, sem ar e sem luz, em meio a uma indescritível desolação, jamais vista
sequer nos mais assustadores pesadelos. Ao contrário do que muitos pensam,
esses alertas são muito mais do que retórica, ou busca de um espaço para
notoriedade na imprensa.
Frases
de efeito, isto sim, são as vagas promessas de distensão desacompanhadas de
atos, quando na prática, US$ 550 bilhões da riqueza mundial sõ reservados
apenas para a indústria da morte, certamente para auxiliar à devastação já
feita pela fome, que mata dezenas de pessoas por dia, muitas vezes debaixo dos
nossos próprios narizes, nas cidades em que vivemos.
(Artigo
publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 28 de novembro de
1984).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment