Thursday, January 08, 2015

Personagem que ganha vida própria

Pedro J. Bondaczuk

Os personagens, criados por determinados escritores com funções específicas, para serem protagonistas em uma única história – não importa se romance, novela ou mesmo conto – muitas vezes crescem tanto, no desenvolvimento do enredo, na medida em que este vai sendo escrito pelo autor, que se “eternizam” na história da Literatura. E não somente isso. Agradam de tal sorte os leitores, além dos críticos e de todos os outros agentes que orbitam neste complexo mundo literário, que viram astros de séries próprias, algumas com dezenas de volumes. Este foi o caso, por exemplo, de Edgar Rice Burroughs, com seu personagem Tarzan. O mesmo ocorreu com Arthur Conan Doyle com a dupla Sherlock Holmes e Doutor Watson. Ou com a prolífica e super imaginosa Agatha Christie em relação ao inspetor Hercule Poirot. Aliás ela fez o mesmo com outras tantas personagens que, igualmente, ganharam séries próprias. Poderia citar dezenas de casos, mas estes bastam para ilustrar o que afirmei.

Para ser mais atual, por exemplo, cito a inglesa J. K. Rowling, campeoníssima de vendas graças ao seu Harry Potter e suas aventuras fantásticas. Sendo atualíssimo (já que gosto tanto de superlativos), sou induzido a citar o norte-americano Jeffery Deaver, criador do detetive Lincoln Rhyme e de sua ajudante (uma espécie de Doutor Watson de saias) Amélia Sachs. Dada minha confessa paixão pelo gênero de contos policiais, vou deter-me, com mais vagar, em três ou quatro textos que pretendo partilhar com vocês, a propósito deste escritor, não muito conhecido no Brasil, mas consagrado em seu país e em muitos outros, notadamente da Europa. E, principalmente, abordarei os insólitos personagens que criou, que são “diferentes” mesmo em quase todos os aspectos. Pretendo mostrar a razão de avaliá-los assim na sequência dos meus comentários, que me proponho a fazer neste meu estilo característico: vagaroso, detalhado, extenso, talvez preguiçoso, sem a mínima pressa, que (acho) é didático. Ou espero que seja.

Antes de analisar a dupla Lincoln Rhyme e Amelia Sachs e de mostrar porque ambos se imortalizaram e ganharam uma série – que não se sabe quanto irá durar – faz-se indispensável apresentar seu criador, ou seja, Jeffery Deaver. Trata-se de um escritor já um tanto veterano (nasceu em 6 de maio de 1950 em Glen Ellyn, Estado do Illinois, tendo, portanto, recém-completados 64 anos de idade), proveniente, como tantos e tantos e tantos homens de letras, das redações de jornais. Exerceu, durante certo tempo, o jornalismo. Certo dia, no entanto, resolveu cursar direito e, ao diplomar-se, decidiu advogar, em vez de continuar á cata de notícias, mudando, portanto, de profissão. Esse fato, certamente, influenciou sua Literatura, já que Deaver mostra conhecimento de leis, sobretudo no campo penal, muito além da média, coisa de especialista. Não por acaso, seus livros são, basicamente, de suspense e policiais.

Uma de suas virtudes, posto que não a única, é seu estilo de narrar: fluente, dinâmico, detalhista sem se tornar monótono ou repetitivo. Enfim, ágil e direto. O primeiro livro de Jeffery Deaver data de 1992. Foi “Mistress of Justice” que, creio, não foi lançado no Brasil. Depois dele, publicou com regularidade, uma média de um volume novo por ano, sendo traduzido em pelo menos 25 idiomas, vendendo milhões de exemplares em diversos países e conquistando inúmeros prêmios. Tornou-se celebridade literária em seu gênero. A primeira aparição de Lincoln Rhyme já se deu na condição de protagonista, ao contrário de vários outros personagens que, originalmente, são “figurantes”. Ocorreu em “O colecionador de ossos”, lançado nos Estados Unidos em 1997 e que chegou ao Brasil somente 11 anos depois, em 2008, pela “Edições BestBolso” (com primorosa tradução de Ruy Jungmann).

O personagem agradou tanto, que um ano depois protagonizou o enredo de “The coffin dancer”. Em 1999, é citado, quase que de passagem, no livro “The Devil’s Teardrop”. Mas foi “crescendo” de um enredo a outro, em “The empty chair” (2000), “The Stone monkey” (2002) e “The vanished man” (2003) e vai por aí afora.  Contribuiu muito para a “consagração” de Lincoln Rhyme (além dele ser sumamente fascinante), o fato de “O colecionador de ossos” ter sido adaptado, em 1999, para o cinema (o que merece comentários mais detalhados, que me proponho a fazer oportunamente). A versão cinematográfica foi estrelada pela dupla Denzel Washington e Angelina Jolie, garantia, por si só, de farta bilheteria.      

O método de criação de Jeffery Deaver lembra-me, posto que remotamente, alguns aspectos que muito aprecio em meus autores preferidos de contos policiais. O poder dedutivo de Lincoln Rhyme, por exemplo, tem algo de Sherlock Holmes, de Arthur Conan Doyle, posto que o personagem norte-americano seja mais bem preparado, em termos de conhecimento científico na identificação de pistas. Tem, também, seu Doutor Watson, (posto que de saias, e muito mais charmosa do que o bigodudo e vetusto personagem secundário do escritor inglês, por sua cabeleira ruiva e seus intensos olhos azuis), no caso a ex-patrulheira Amelia Sachs. O poder dedutivo do detetive tetraplégico, por sua vez, tem alguma coisa do inspetor Hercule Poirot, de Agatha Christie. Já o “serial-killer”, descoberto graças ao talento de Rhyme, tem muito do pai do conto policial, Edgar Alan Poe, no quesito crueldade, principalmente pelo tétrico hobby que cultivava: o de “colecionar ossos humanos”, matando, para isso, suas vítimas. Voltarei, certamente, ao assunto.


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