Personagem que ganha
vida própria
Pedro
J. Bondaczuk
Os personagens, criados
por determinados escritores com funções específicas, para serem protagonistas
em uma única história – não importa se romance, novela ou mesmo conto – muitas
vezes crescem tanto, no desenvolvimento do enredo, na medida em que este vai
sendo escrito pelo autor, que se “eternizam” na história da Literatura. E não
somente isso. Agradam de tal sorte os leitores, além dos críticos e de todos os
outros agentes que orbitam neste complexo mundo literário, que viram astros de
séries próprias, algumas com dezenas de volumes. Este foi o caso, por exemplo,
de Edgar Rice Burroughs, com seu personagem Tarzan. O mesmo ocorreu com Arthur
Conan Doyle com a dupla Sherlock Holmes e Doutor Watson. Ou com a prolífica e
super imaginosa Agatha Christie em relação ao inspetor Hercule Poirot. Aliás
ela fez o mesmo com outras tantas personagens que, igualmente, ganharam séries
próprias. Poderia citar dezenas de casos, mas estes bastam para ilustrar o que
afirmei.
Para ser mais atual,
por exemplo, cito a inglesa J. K. Rowling, campeoníssima de vendas graças ao
seu Harry Potter e suas aventuras fantásticas. Sendo atualíssimo (já que gosto
tanto de superlativos), sou induzido a citar o norte-americano Jeffery Deaver,
criador do detetive Lincoln Rhyme e de sua ajudante (uma espécie de Doutor
Watson de saias) Amélia Sachs. Dada minha confessa paixão pelo gênero de contos
policiais, vou deter-me, com mais vagar, em três ou quatro textos que pretendo
partilhar com vocês, a propósito deste escritor, não muito conhecido no Brasil,
mas consagrado em seu país e em muitos outros, notadamente da Europa. E,
principalmente, abordarei os insólitos personagens que criou, que são
“diferentes” mesmo em quase todos os aspectos. Pretendo mostrar a razão de
avaliá-los assim na sequência dos meus comentários, que me proponho a fazer
neste meu estilo característico: vagaroso, detalhado, extenso, talvez
preguiçoso, sem a mínima pressa, que (acho) é didático. Ou espero que seja.
Antes de analisar a
dupla Lincoln Rhyme e Amelia Sachs e de mostrar porque ambos se imortalizaram e
ganharam uma série – que não se sabe quanto irá durar – faz-se indispensável
apresentar seu criador, ou seja, Jeffery Deaver. Trata-se de um escritor já um
tanto veterano (nasceu em 6 de maio de 1950 em Glen Ellyn, Estado do Illinois,
tendo, portanto, recém-completados 64 anos de idade), proveniente, como tantos
e tantos e tantos homens de letras, das redações de jornais. Exerceu, durante
certo tempo, o jornalismo. Certo dia, no entanto, resolveu cursar direito e, ao
diplomar-se, decidiu advogar, em vez de continuar á cata de notícias, mudando,
portanto, de profissão. Esse fato, certamente, influenciou sua Literatura, já
que Deaver mostra conhecimento de leis, sobretudo no campo penal, muito além da
média, coisa de especialista. Não por acaso, seus livros são, basicamente, de
suspense e policiais.
Uma de suas virtudes,
posto que não a única, é seu estilo de narrar: fluente, dinâmico, detalhista
sem se tornar monótono ou repetitivo. Enfim, ágil e direto. O primeiro livro de
Jeffery Deaver data de 1992. Foi “Mistress of Justice” que, creio, não foi
lançado no Brasil. Depois dele, publicou com regularidade, uma média de um
volume novo por ano, sendo traduzido em pelo menos 25 idiomas, vendendo milhões
de exemplares em diversos países e conquistando inúmeros prêmios. Tornou-se
celebridade literária em seu gênero. A primeira aparição de Lincoln Rhyme já se
deu na condição de protagonista, ao contrário de vários outros personagens que,
originalmente, são “figurantes”. Ocorreu em “O colecionador de ossos”, lançado
nos Estados Unidos em 1997 e que chegou ao Brasil somente 11 anos depois, em
2008, pela “Edições BestBolso” (com primorosa tradução de Ruy Jungmann).
O personagem agradou
tanto, que um ano depois protagonizou o enredo de “The coffin dancer”. Em 1999,
é citado, quase que de passagem, no livro “The Devil’s Teardrop”. Mas foi
“crescendo” de um enredo a outro, em “The empty chair” (2000), “The Stone
monkey” (2002) e “The vanished man” (2003) e vai por aí afora. Contribuiu muito para a “consagração” de
Lincoln Rhyme (além dele ser sumamente fascinante), o fato de “O colecionador
de ossos” ter sido adaptado, em 1999, para o cinema (o que merece comentários
mais detalhados, que me proponho a fazer oportunamente). A versão cinematográfica
foi estrelada pela dupla Denzel Washington e Angelina Jolie, garantia, por si
só, de farta bilheteria.
O método de criação de
Jeffery Deaver lembra-me, posto que remotamente, alguns aspectos que muito
aprecio em meus autores preferidos de contos policiais. O poder dedutivo de
Lincoln Rhyme, por exemplo, tem algo de Sherlock Holmes, de Arthur Conan Doyle,
posto que o personagem norte-americano seja mais bem preparado, em termos de
conhecimento científico na identificação de pistas. Tem, também, seu Doutor
Watson, (posto que de saias, e muito mais charmosa do que o bigodudo e vetusto
personagem secundário do escritor inglês, por sua cabeleira ruiva e seus
intensos olhos azuis), no caso a ex-patrulheira Amelia Sachs. O poder dedutivo
do detetive tetraplégico, por sua vez, tem alguma coisa do inspetor Hercule
Poirot, de Agatha Christie. Já o “serial-killer”, descoberto graças ao talento
de Rhyme, tem muito do pai do conto policial, Edgar Alan Poe, no quesito
crueldade, principalmente pelo tétrico hobby que cultivava: o de “colecionar
ossos humanos”, matando, para isso, suas vítimas. Voltarei, certamente, ao
assunto.
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