Friday, July 14, 2017

Vitória maior é da democracia


Pedro J. Bondaczuk


O plebiscito de anteontem, na União Soviética, deixou claro, já nos primeiros resultados divulgados --- sobre os quais é possível fazer projeções --- que o presidente Mikhail Gorbachev obteve nova vitória política. A extensão desse êxito e se ele será suficiente para o líder do Cremlin retomar as rédeas do controle nacional em suas mãos são questões que o mundo irá saber apenas dentro de vários dias, quando vier a ser feito o cômputo final.

A votação teve um índice de comparecimento anteriormente previsto. Na Federação Russa, feudo político do populista Bóris Yeltsin, foi considerado médio, chegando a 60% dos eleitores. Nas Repúblicas asiáticas, chegou a ser surpreendente, com 90% dos inscritos comparecendo para votar. E nos seis Estados rebeldes --- Lituânia, Letônia, Estônia, Armênia, Moldávia e Geórgia --- foi o esperado, já que os nacionalistas locais decidiram boicotar a consulta popular do Cremlin e organizar seus próprios referendos.

Uma coisa ficou clara: a falta de experiência das autoridades em organizar eleições. A pergunta formulada na cédula foi extremamente confusa, dando margem a interpretações dúbias. A forma de votar, igualmente, não primou pela clareza. Ao contrário do que ocorre em pleitos no Ocidente, os que fizeram um "x" em frente à resposta "sim" estavam de fato votando no "não" e vice-versa.

Isto, aliás, é até compreensível num país onde o voto é uma grande novidade. Muitos não compareceram às urnas dominados pelos temores gerados por mais de 70 anos de ditadura. O importante, todavia, foi o fato de Gorbachev se dispor a querer saber a opinião de seu povo.

Se o plebiscito de anteontem foi, conforme analistas ocidentais e soviéticos, uma pesquisa de opinião sobre o desempenho do atual presidente, tudo leva a crer que ele obteve, majoritariamente, uma aprovação do seu povo, a despeito dos desacertos econômicos e dos traumas políticos pelos quais o país está passando.

Outro vencedor, talvez até mesmo em maior extensão, foi o populista Bóris Yeltsin. É verdade que o "sim" prevaleceu, por pequena margem, na República que dirige. E ele defendia o "não".

Todavia, o maior rival de Gorbachev conseguiu aprovar, no referendo em sua República, a escolha do presidente russo pelo voto direto. E ninguém duvida que ele conquistará o posto sem nenhum sobressalto. Com isso, terá mais força para se opor ao seu antagonista.

Afinal, sempre poderá argumentar tratar-se de um governante "eleito" diretamente, ao contrário do líder do Cremlin, que não se dispôs a arriscar sua permanência no poder nas urnas. Seja qual for o resultado final do plebiscito, o maior ganhador, com certeza, foi a democracia. O simples fato de uma União Soviética realizar uma consulta dessa natureza já é algo fenomenal.

Quem acreditaria que isso seria possível há somente dois anos? E no entanto, neste momento histórico, a população do país pôde sentir o gostinho de algo que é rotineiro nas nações mais desenvolvidas do Ocidente: campanhas pré-eleitorais, pesquisas de boca de urna e outros comportamentos que se espera virarem comuns na URSS do futuro.

(Artigo publicado na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 19 de março de 1991).



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