Vitória maior é da
democracia
Pedro J. Bondaczuk
O plebiscito de anteontem, na
União Soviética, deixou claro, já nos primeiros resultados
divulgados --- sobre os quais é possível fazer projeções --- que
o presidente Mikhail Gorbachev obteve nova vitória política. A
extensão desse êxito e se ele será suficiente para o líder do
Cremlin retomar as rédeas do controle nacional em suas mãos são
questões que o mundo irá saber apenas dentro de vários dias,
quando vier a ser feito o cômputo final.
A votação teve um índice de
comparecimento anteriormente previsto. Na Federação Russa, feudo
político do populista Bóris Yeltsin, foi considerado médio,
chegando a 60% dos eleitores. Nas Repúblicas asiáticas, chegou a
ser surpreendente, com 90% dos inscritos comparecendo para votar. E
nos seis Estados rebeldes --- Lituânia, Letônia, Estônia, Armênia,
Moldávia e Geórgia --- foi o esperado, já que os nacionalistas
locais decidiram boicotar a consulta popular do Cremlin e organizar
seus próprios referendos.
Uma coisa ficou clara: a falta
de experiência das autoridades em organizar eleições. A pergunta
formulada na cédula foi extremamente confusa, dando margem a
interpretações dúbias. A forma de votar, igualmente, não primou
pela clareza. Ao contrário do que ocorre em pleitos no Ocidente, os
que fizeram um "x" em frente à resposta "sim"
estavam de fato votando no "não" e vice-versa.
Isto, aliás, é até
compreensível num país onde o voto é uma grande novidade. Muitos
não compareceram às urnas dominados pelos temores gerados por mais
de 70 anos de ditadura. O importante, todavia, foi o fato de
Gorbachev se dispor a querer saber a opinião de seu povo.
Se o plebiscito de anteontem
foi, conforme analistas ocidentais e soviéticos, uma pesquisa de
opinião sobre o desempenho do atual presidente, tudo leva a crer que
ele obteve, majoritariamente, uma aprovação do seu povo, a despeito
dos desacertos econômicos e dos traumas políticos pelos quais o
país está passando.
Outro vencedor, talvez até
mesmo em maior extensão, foi o populista Bóris Yeltsin. É verdade
que o "sim" prevaleceu, por pequena margem, na República
que dirige. E ele defendia o "não".
Todavia, o maior rival de
Gorbachev conseguiu aprovar, no referendo em sua República, a
escolha do presidente russo pelo voto direto. E ninguém duvida que
ele conquistará o posto sem nenhum sobressalto. Com isso, terá mais
força para se opor ao seu antagonista.
Afinal, sempre poderá
argumentar tratar-se de um governante "eleito" diretamente,
ao contrário do líder do Cremlin, que não se dispôs a arriscar
sua permanência no poder nas urnas. Seja qual for o resultado final
do plebiscito, o maior ganhador, com certeza, foi a democracia. O
simples fato de uma União Soviética realizar uma consulta dessa
natureza já é algo fenomenal.
Quem acreditaria que isso
seria possível há somente dois anos? E no entanto, neste momento
histórico, a população do país pôde sentir o gostinho de algo
que é rotineiro nas nações mais desenvolvidas do Ocidente:
campanhas pré-eleitorais, pesquisas de boca de urna e outros
comportamentos que se espera virarem comuns na URSS do futuro.
(Artigo publicado na página
15, Internacional, do Correio Popular, em 19 de março de 1991).
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