Regularidade e beleza
Pedro J. Bondaczuk
O artista (não importa de qual arte) tem sensibilidade superior à
média, muito mais aguçada que as pessoas comuns. Conta, por
exemplo, com raro dom de vislumbrar beleza onde ninguém, que não
tenha esse senso estético tão apurado, sequer suspeita que exista.
Enxerga as coisas comuns, aparentemente banais, sob um prisma
diferente da maioria, que surpreende os que não têm esse dom. Ouve
sons que para os outros é mera algaravia dissonante de ruídos, nos
quais detecta harmonia e musicalidade.
Sente, na ponta dos dedos, nuances que tornam asperezas e
rusticidades em coisas suaves, refinadas e belas. Distingue olores
especiais onde parece haver, somente, cheiro acre e enjoativo de
decomposição, quando não de podridão.
Descobre sabores inusitados – mistura exótica de doce, salgado,
azedo e amargo – em frutos e alimentos que para a maioria sabem a
um gosto, se não desagradável, pelo menos não atrativo. Sim,
amigos, a culinária também é arte. E das mais difíceis, porém
prazerosas.
Essa sensibilidade acima da média, porém, não se manifesta,
apenas, ocasionalmente. Uma vez ou outra, quem não é artista,
também a tem. Neste, todavia, ela está incorporada à sua
personalidade, faz parte da sua pessoa. Está ali, sempre presente, e
ocorre, sobretudo, com regularidade. Esta é a palavra-chave do
talento. Sua busca por beleza é permanente, incessante, obsessiva
até. E por tanto procurá-la, encontra-a, amiúde, e em profusão,
embora, via de regra, sequer se dê conta de que a encontrou. .
O escritor alemão do século XVIII, Georg Phillip Friedrich von
Hartenberg, conhecido pelo pseudônimo de Novalis (também chamado de
“Profeta do Romantismo”) escreveu, certa feita: “Na verdade, o
pintor pinta com a vista. A sua arte é a de ver tudo com
regularidade e beleza”.
Claro que esta constatação vale, igualmente, para as demais artes,
apenas substituindo os olhos por outros sentidos, como ouvidos,
nariz, tato e papilas gustativas, quando for o caso. O comum para
todos é o fato do artista utilizar a aguçada sensibilidade que tem
com “regularidade e beleza”.
O conceito de belo é subjetivo. O que é bonito para uns, pode não
ser para outros e vice-versa. É o artista que lhe confere
universalidade e, em determinadas ocasiões, até unanimidade, o que,
convenhamos, é bastante raro.
Arte não é algo que se possa fazer ocasionalmente. Da concepção
de uma obra, até a sua conclusão, transcorre um tempo imenso,
sobretudo esta última parte. Seu executor praticamente nunca se
satisfaz com o resultado do que produziu. Encontra, a todo o momento,
imperfeições onde o leigo nunca suspeitaria que houvesse.
Batalha, incessantemente, para encontrar o jogo mais apropriado de
luz e sombra e a tonalidade mais adequada de cor em sua pintura.
Busca, obsessivamente, a nota musical mais expressiva e harmônica na
composição musical que produz, cuja diferença, talvez, só ele
consiga perceber. Garimpa a palavra mais precisa, que torne clara e
sem qualquer ambigüidade cada estrofe de um poema, ou cada parágrafo
de um conto, ou cada descrição de um cenário, no caso de se tratar
de escritor.
Por mais que o produto final da sua concepção original pareça
perfeito aos que o rodeiam, o artista nunca se satisfaz. Não raro,
paga preço proibitivo por sua hipersensibilidade. Sofre demais e
chega a lamentar por seu talento. Faz arte pela arte e raros
conseguem um padrão pelo menos razoável de vida, do ponto de vista
material.
Esquece-se de tudo e de todos na sua busca regular por beleza. E
empenha-se por perpetuá-la em tintas, em pedra, em metal, em sons,
em textos, em perfumes, em sabores etc.etc,etc, Consegue, mesmo que
não se convença.
Fosse deixado para impor sua vontade, possivelmente jamais
completaria qualquer obra de arte, tamanha a obsessão que tem pela
perfeição. Permaneceria, enquanto vivesse, a burilar, a pincelar, a
rasurar, a corrigir, incessantemente, “defeitos” que apenas ele
vislumbra.
Instado a dar por concluída sua produção, a contragosto, parte
para outra obra, mas com a mesmíssima regularidade e com igual
relutância em concluí-la, no momento do arremate final. É, pois,
previsível, pelo menos nesse aspecto.
Creia-me, amável leitor, sei do que estou falando. Sou tomado a todo
o instante por essa incontrolável obsessão, que me faz detestar
tudo o quanto escrevo, a despeito da freqüente (provavelmente
generosa) apreciação alheia.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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