Tuesday, July 25, 2017

Resultado de angústia


Pedro J. Bondaczuk


A angústia, aquele misto de ansiedade, medo e frustração, é um dos sentimentos mais difíceis de suportar. Todavia, é a marca registrada dos artistas. Uma obra de arte, qualquer que seja sua forma de manifestação, é fruto de muito trabalho, estudo, concentração e autodisciplina.

É uma enorme bobagem achar que numa súbita inspiração, alguém irá escrever um poema como a “Ilíada”, de Homero, ou a “Eneida”, de Virgílio, ou “Os Lusíadas”, de Camões ou algo semelhante. Ou que irá pintar uma tela como Renoir, Rembrandt ou Velazquez. Ou compor uma “Nona Sinfonia”, como Beethoven. Ou esculpir uma estátua como “Moisés”, de Michelangelo ou “O Pensador”, de Auguste Rodin.

A inspiração, se existir, irá, quando muito, “sugerir” ao artista o tema a ser explorado. Todavia, a forma que adotará é que irá determinar a qualidade, beleza, transcendência e durabilidade (diria perpetuidade) da obra e até mesmo se ela vai existir ou não. O ato de criação é, portanto, uma contínua angústia: antes, durante e depois de se optar por determinada ideia.

Já escrevi, em inúmeras ocasiões, com base em experiência pessoal, que a arte precisa ser instintiva, natural e selvagem. Não me refiro à técnica de produção, claro. Mais do que outras atividades quaisquer, ela carece de método, de organização, de direcionamento da aptidão do artista. Mas a concepção, a abordagem do tema, a visão de determinado objeto ou circunstância têm que ser revestidos de autenticidade, de individualidade, de exclusividade e de muita ousadia. Trata-se da única forma de sermos autênticos.

A arte é a nossa carta de alforria. É a absoluta e irrestrita liberdade de quem a produz. Afinal, ninguém é forçado a ser artista: músico, escritor, pintor, escultor, poeta... É uma escolha pessoal e intransferível, questão de vocação ou de talento. Ou se é ou não se é artista, não existe meio-termo.

Fazer arte, portanto, é o modo mais eficaz de que cada pessoa dispõe para ser livre, para impor a personalidade, para deixar a marca no mundo. A aceitação ou não do que o artista produzir é outra história. Vai depender de critérios subjetivos de apreciação e avaliação dos destinatários. O reconhecimento alheio, claro, foge-lhe por completo das mãos. É uma roleta-russa.

Mas a arte não comporta interferências e nem censuras. A liberdade de escolha do artista tem que ser respeitada e irrestrita. Só a ele cabe decidir sobre o que, quando, como e onde criar. Pois a arte é a nossa carta de alforria. É o nosso "DNA". ~E a nossa marca registrada. É o nosso ser. É a nossa vez. É a nossa voz...e única... Tudo isso, no entanto, tem um preço.

O que move o artista é uma contínua angústia, reitero, antes, durante e depois da produção de uma obra. No momento da inspiração, angustia-se, principalmente, ao procurar a melhor forma de expressão. Durante a execução, preocupa-se em não omitir nenhum detalhe, qualquer nuance que dê beleza ao que está executando. E, concluída a produção, fica-lhe sempre um sentimento vago, de frustração, de que não era daquela maneira que queria que a obra fosse, além do temor de ser mal compreendido pelos que vão apreciar (e de alguma forma, julgar) o que produziu.

Por isso, o poeta Carlos Drummond de Andrade sabia o que estava dizendo ao constatar: “A obra de arte é o resultado feliz de uma angústia contínua”. E eu aduziria: cujo final jamais satisfaz o artista. Se o satisfizer, certamente ele não é do ramo. Ou então, trata-se de um neófito dessa especialíssima confraria, que ensaia os primeiros passos no mundo das artes e é dotado daquela ingenuidade característica dos principiantes.

A motivação do artista, raramente, é a pecuniária. Alguns, poucos, enriquecem com seus trabalhos. Estes, todavia, são exceções. Tanto que a maioria leva uma vida caracterizada por carências materiais de toda a sorte, alguns, até, na miséria explícita, embora dotados desse talento de transformar tudo o que tocam em ouro. Quem lucra com sua criatividade, no entanto, são os outros: editores, marchands, gravadoras etc. etc.etc.

Fosse por dinheiro, por exemplo, Vicent Van Gogh jamais produziria as telas que produziu. Desistiria à primeira pincelada. Talvez pintasse um ou dois quadros, mas só. Logo, largaria mão da arte e faria outra coisa qualquer, mais rentável, para se sustentar. Afinal, em vida, vendeu apenas dois quadros. E assim mesmo, essa venda não foi feita para nenhum apreciador de arte ou algum excêntrico colecionador. Nada disso!

As duas únicas aquisições de suas pinturas foram feitas pelo seu irmão Teo, e de forma anônima, para não agastar o artista. E hoje, quanto valem seus trabalhos? Literalmente, não têm preço! Custam fortunas, ascendem aos milhões e a procura é infinitamente maior do que a oferta. Quem tem um Van Gogh nunca comete a tolice de o vender.

Criar, dar forma e substância ao que existe apenas na imaginação é, sobretudo, descobrir mundos, às vezes fascinantes e outras, assustadores. Portanto, é ousar. É ter coragem para aceitar o risco do ridículo. É desafiar o sistema vigente com alguma novidade que muitas vezes choca a sensibilidade alheia, mas não raro encanta, deslumbra e embevece. É enriquecer o patrimônio da humanidade. É colher os frutos desse supremo dom com humildade e inquietação. Só a arte dá dimensões divinas ao ser humano. É apenas por seu intermédio que o homem verdadeiramente se revela em toda a sua grandeza e transcendência. Mas tem, como subproduto, intensa angústia, que se renova a cada nova produção.


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: