Resultado de angústia
Pedro J. Bondaczuk
A angústia, aquele misto de
ansiedade, medo e frustração, é um dos sentimentos mais difíceis
de suportar. Todavia, é a marca registrada dos artistas. Uma obra de
arte, qualquer que seja sua forma de manifestação, é fruto de
muito trabalho, estudo, concentração e autodisciplina.
É uma enorme bobagem achar
que numa súbita inspiração, alguém irá escrever um poema como a
“Ilíada”, de Homero, ou a “Eneida”, de Virgílio, ou “Os
Lusíadas”, de Camões ou algo semelhante. Ou que irá pintar uma
tela como Renoir, Rembrandt ou Velazquez. Ou compor uma “Nona
Sinfonia”, como Beethoven. Ou esculpir uma estátua como “Moisés”,
de Michelangelo ou “O Pensador”, de Auguste Rodin.
A inspiração, se existir,
irá, quando muito, “sugerir” ao artista o tema a ser explorado.
Todavia, a forma que adotará é que irá determinar a qualidade,
beleza, transcendência e durabilidade (diria perpetuidade) da obra e
até mesmo se ela vai existir ou não. O ato de criação é,
portanto, uma contínua angústia: antes, durante e depois de se
optar por determinada ideia.
Já escrevi, em inúmeras
ocasiões, com base em experiência pessoal, que a arte precisa ser
instintiva, natural e selvagem. Não me refiro à técnica de
produção, claro. Mais do que outras atividades quaisquer, ela
carece de método, de organização, de direcionamento da aptidão do
artista. Mas a concepção, a abordagem do tema, a visão de
determinado objeto ou circunstância têm que ser revestidos de
autenticidade, de individualidade, de exclusividade e de muita
ousadia. Trata-se da única forma de sermos autênticos.
A arte é a nossa carta de
alforria. É a absoluta e irrestrita liberdade de quem a produz.
Afinal, ninguém é forçado a ser artista: músico, escritor,
pintor, escultor, poeta... É uma escolha pessoal e intransferível,
questão de vocação ou de talento. Ou se é ou não se é artista,
não existe meio-termo.
Fazer arte, portanto, é o
modo mais eficaz de que cada pessoa dispõe para ser livre, para
impor a personalidade, para deixar a marca no mundo. A aceitação ou
não do que o artista produzir é outra história. Vai depender de
critérios subjetivos de apreciação e avaliação dos
destinatários. O reconhecimento alheio, claro, foge-lhe por completo
das mãos. É uma roleta-russa.
Mas a arte não comporta
interferências e nem censuras. A liberdade de escolha do artista tem
que ser respeitada e irrestrita. Só a ele cabe decidir sobre o que,
quando, como e onde criar. Pois a arte é a nossa carta de alforria.
É o nosso "DNA". ~E a nossa marca registrada. É o nosso
ser. É a nossa vez. É a nossa voz...e única... Tudo isso, no
entanto, tem um preço.
O que move o artista é uma
contínua angústia, reitero, antes, durante e depois da produção
de uma obra. No momento da inspiração, angustia-se, principalmente,
ao procurar a melhor forma de expressão. Durante a execução,
preocupa-se em não omitir nenhum detalhe, qualquer nuance que dê
beleza ao que está executando. E, concluída a produção, fica-lhe
sempre um sentimento vago, de frustração, de que não era daquela
maneira que queria que a obra fosse, além do temor de ser mal
compreendido pelos que vão apreciar (e de alguma forma, julgar) o
que produziu.
Por isso, o poeta Carlos
Drummond de Andrade sabia o que estava dizendo ao constatar: “A
obra de arte é o resultado feliz de uma angústia contínua”. E eu
aduziria: cujo final jamais satisfaz o artista. Se o satisfizer,
certamente ele não é do ramo. Ou então, trata-se de um neófito
dessa especialíssima confraria, que ensaia os primeiros passos no
mundo das artes e é dotado daquela ingenuidade característica dos
principiantes.
A motivação do artista,
raramente, é a pecuniária. Alguns, poucos, enriquecem com seus
trabalhos. Estes, todavia, são exceções. Tanto que a maioria leva
uma vida caracterizada por carências materiais de toda a sorte,
alguns, até, na miséria explícita, embora dotados desse talento de
transformar tudo o que tocam em ouro. Quem lucra com sua
criatividade, no entanto, são os outros: editores, marchands,
gravadoras etc. etc.etc.
Fosse por dinheiro, por
exemplo, Vicent Van Gogh jamais produziria as telas que produziu.
Desistiria à primeira pincelada. Talvez pintasse um ou dois quadros,
mas só. Logo, largaria mão da arte e faria outra coisa qualquer,
mais rentável, para se sustentar. Afinal, em vida, vendeu apenas
dois quadros. E assim mesmo, essa venda não foi feita para nenhum
apreciador de arte ou algum excêntrico colecionador. Nada disso!
As duas únicas aquisições
de suas pinturas foram feitas pelo seu irmão Teo, e de forma
anônima, para não agastar o artista. E hoje, quanto valem seus
trabalhos? Literalmente, não têm preço! Custam fortunas, ascendem
aos milhões e a procura é infinitamente maior do que a oferta. Quem
tem um Van Gogh nunca comete a tolice de o vender.
Criar, dar forma e substância
ao que existe apenas na imaginação é, sobretudo, descobrir mundos,
às vezes fascinantes e outras, assustadores. Portanto, é ousar. É
ter coragem para aceitar o risco do ridículo. É desafiar o sistema
vigente com alguma novidade que muitas vezes choca a sensibilidade
alheia, mas não raro encanta, deslumbra e embevece. É enriquecer o
patrimônio da humanidade. É colher os frutos desse supremo dom com
humildade e inquietação. Só a arte dá dimensões divinas ao ser
humano. É apenas por seu intermédio que o homem verdadeiramente se
revela em toda a sua grandeza e transcendência. Mas tem, como
subproduto, intensa angústia, que se renova a cada nova produção.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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