Apreensão dos efeitos
Pedro J. Bondaczuk
As
nossas melhores ideias surgem, muitas vezes, quando sequer estamos
empenhados à sua procura. Vêm à mente, como um raio de luz, em
momentos de divagação, quando deixamos o pensamento livre e
desimpedido a passear por todos os lugares e, simultaneamente, por
lugar algum, sem se concentrar em nada e ninguém específicos.
É a
esse lampejo que chamo de inspiração. Claro que para aproveitar
esse jorro de sabedoria temos que transpirar, e muito, na seqüência.
Nenhuma obra – quer seja de arte, quer de qualquer outra natureza –
é “inspirada” completa, acabada e prontinha para uso.
Por
isso, em momentos de muita pressão, quando me cobram textos bem
escritos e com conteúdo, e em determinado prazo, geralmente escasso,
costumo isolar-me, relaxar cada músculo do corpo e deixar o
pensamento divagar, livre e solto, por onde lhe aprouver. O resultado
é infalível.
Tudo
o que vemos, ouvimos, apalpamos, cheiramos e degustamos nos causa
algum efeito no espírito, alguma sensação, boa ou ruim, que nem
sempre conseguimos apreender com exatidão e reproduzir, com a maior
fidelidade possível, nas obras que criamos.
Esse
é o grande desafio do artista na produção da sua arte. Ou seja, é
a capacidade de fazer com que as pessoas que a irão apreciar não se
limitem a ver e ouvir o que criaram, mas que “sintam” os mesmos
efeitos que o artista sentiu, que o levaram a produzir seu poema,
canção, pintura, escultura etc.
Caso
não consiga transmiti-los, sua obra poderá até ser agradável aos
olhos (ou aos ouvidos, no caso da música), mas não empolgará
ninguém. Ademais, uma determinada pessoa (ou objeto, ou cenário,
não importa) causa efeitos diferentes nos diversos observadores.
Tomemos, por exemplo, um escritor, um pintor, um escultor e um
compositor musical. Façamos com que todos observem o mesmo
determinado modelo estético.
O
escritor verá a pessoa (ou objeto, ou cenário, não importa), de
determinada maneira. O efeito que a visão lhe causar irá suscitar
palavras de apreciação ou depreciação, dependendo se gostar ou
não do que viu. Vai procurar nuances que nem sempre (ou quase nunca)
serão iguais aos dos outros artistas.
O
pintor, por exemplo, poderá atentar para um seio perfeito, ou para
um sorriso maroto, ou no caso de não achar o modelo bonito, para uma
deformidade qualquer, que buscará reproduzir da maneira mais fiel
possível, colocando nessa reprodução toda uma carga de emoções.
Vai, em última análise, se deixar levar pelo efeito que a imagem
lhe causou.
O
escultor, todavia, pode enxergar (e de fato enxerga) as coisas de
forma diferente. Provavelmente, irá atentar para algum detalhe
diverso do observado pelo pintor. Talvez se impressione com as curvas
do modelo, ou com a perfeição do pé e concentrará seus esforços
para reproduzir com a máxima fidelidade o detalhe que o
impressionou. Estará à mercê, portanto, do efeito que lhe foi
causado.
Da
mesma forma irá agir o compositor musical. Sua atenção estará,
certamente, voltada para um determinado tipo de som produzido pelo
modelo, um suspiro peculiar, o ritmo de seus passos ou a sonoridade
de sua risada. Sua atenção, portanto, estará concentrada em
nuances diversas das do escritor, do pintor e do escultor. Tentará
reproduzir, à sua maneira, também, os efeitos que o modelo lhe
causou.
Notem
que os quatro artistas observaram o mesmíssimo objeto (ou pessoa, ou
cenário, não importa). Cada qual, porém, observou-o à sua
maneira. As obras que vierem a produzir, em decorrência dessa
observação, contudo, serão muito diferentes não apenas em sua
natureza (texto, pintura, escultura ou peça musical), mas na carga
de emoção suscitada pelo que viram. O modelo, no caso, foi o mesmo.
Os efeitos causados, no entanto, foram muito diferentes.
Se
tomarmos como exemplo vários escritores, dificilmente haverá
coincidência de impressão entre dois deles que seja. O mesmo vale
para pintores, escultores e compositores musicais. Honoré Balzac
escreveu o seguinte, a propósito, no conto “Obra-prima ignorada”:
“Temos de apreender o espírito e a alma, a fisionomia das coisas e
dos seres. Os efeitos! Os efeitos! Nem o pintor, nem o poeta, nem o
escultor devem separar o efeito da causa, que invencivelmente estão
um no outro. A verdadeira luta está aí!”.
Felizmente,
no entanto, cada artista “vê” aquilo que o inspira de forma
diferente um do outro. Isto resulta nessa imensa variedade de obras
de arte que encanta e enriquece o espírito humano, o que é bom,
convenhamos, para todo o mundo. Já imaginaram se a visão de todos
fosse, não digo semelhante, mas rigorosamente igual? Seria uma
mesmice de causar tédio até em estátua de pedra. Seria a morte das
artes. Os efeitos! Balzac está coberto de razão. São eles que
contam sempre, embora jamais possam estar dissociados do que os
causou.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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