Fuga da beleza
Pedro J. Bondaczuk
A descrição da beleza, da grandeza e da transcendência é o
objetivo e, simultaneamente, o maior desafio de todo escritor que se
preza. Por mais rico que seja o idioma de que se utiliza (e acho o
meu, esta apaixonante língua portuguesa, riquíssimo), ele sempre
esbarra na limitação das palavras.
Muitos procuram solução apelando para a criação de neologismos.
Todavia, não raro, percebem que estes são mais inadequados até do
que as expressões já existentes no dicionário da sua língua. O
que fazer? Desistir? Jamais!
Os poetas, por seu turno, usam e abusam de metáforas. Algumas são
felicíssimas e surpreendentes e causam inveja nos que não tiveram a
sensibilidade de criá-las. Outras, simulam conversas de doidos, tão
sem pé e nem cabeça que são, absolutamente sem sentido.
Mesmo os escritores que tratam do trágico, do tétrico, do horrendo
e do aterrorizante (diria que hoje seja a maioria), no fundo, no
fundo, bem no seu íntimo, sonham, querem e buscam a beleza, a
grandeza e a transcendência, posto que por caminhos equivocados. Ou
seja, procuram chegar às portas do céu atravessando o miolo do
inferno. Acabam por se deixar ficar nele.
Convenhamos, é um tremendo desafio, digno dos doze trabalhos de
Hércules, escrever textos de extrema beleza, com grandeza e
transcendência e que tenham, simultaneamente, conteúdo. Há
estilistas que se esmeram nas palavras, inventam metáforas que soam
harmoniosamente, como perfeita sinfonia, nos ouvidos, mas quando o
que escrevem é submetido a meticulosa análise... são vazios, ocos
e não dizem nada de nada.
Em contrapartida, há escritos que são despojados, em que as
expressões utilizadas soam ásperas, duras, incisivas e rudes e que,
no entanto – como a ganga esconde o precioso diamante – escondem
intensíssima beleza, mas que precisa ser desvendada e detectada.
Compete, nestes casos, ao leitor descobri-la.
Tenho me frustrado bastante, ultimamente, em minhas leituras. Noto,
na maior parte dos livros que leio, a pretexto do autor nos
apresentar uma realidade cuja apresentação é redundante e
desnecessária, posto que todos a conhecemos de sobejo, por sentir
seus efeitos na carne, um desencanto, um pessimismo, um catastrofismo
latente que me confunde e me aborrece.
Essa, todavia, não é a função do escritor. É do jornalista. A
este sim compete a função de nos trazer os acontecimentos nus e
crus, sem exageros, contudo (embora a maioria carregue nas cores ao
nos transmitir as notícias do cotidiano, em que nunca enxergam o
construtivo, mas somente o deletério).
Sem se darem conta, estes supostos estetas empreendem, de fato,
constante, crescente, invariável fuga da beleza. Não entendo a
cabeça dessas pessoas. Por que não guardam para si seu renitente
pessimismo, seu insinuante desencanto, sua doentia aposta no
negativo, no destrutivo e no feio, em vez de contagiarem os outros
com esse vírus que, não raro, é letal? Por que, em contrapartida,
não tentam fazer uma Literatura grandiosa, positiva, caracterizada
pela esperança, pela fé e pela alegria de viver? Creio que este é
seu verdadeiro papel, do qual, insensatamente, abrem mão.
É fácil, muito fácil, facílimo escapar da beleza, nem é preciso
fazer grande força para tal. Procurá-la, alcançá-la, descrevê-la,
prostrar-se aos seus pés e se tornar seu servo e seguidor é que são
elas. Mas esta tem que ser a meta suprema dos cultores das belas
letras. O escritor Ian McEwan, ganhador do Book Prize de 1998, faz o
seguinte alerta a propósito: “Para escapar da beleza só é
preciso escrever mal, o que é muito fácil”. Diria, “é
facílimo”.
Capriche, pois, no seu texto. Tenha em mente que ele pode ser seu
“testamento” para a posteridade. O que você gostaria de legar
aos seus herdeiros, um sítio maravilhoso, com jardins bem cuidados e
diversidade de flores, ou um pantanal pestilento e impenetrável,
repleto de miasmas doentios? Deixar-lhes-ia um viveiro repleto de
pássaros, livres e soltos, que lá estivessem dada a beleza e
aprazibilidade do lugar, ou um cercado de baratas, aranhas e
escorpiões?
O que você gostaria de legar aos seus filhos, textos maravilhosos,
repletos de ensinamentos, de esperança, de amor, de fé e de
grandeza, ou meticulosas descrições dos supostos padecimentos dos
ímpios nas profundezas do inferno? Não fuja da beleza! Ou, se não
conseguir, evite escrever, para o seu bem e o de seus potenciais
leitores!
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