Sunday, July 23, 2017

Miragem da eternidade

Pedro J. Bondaczuk

A arte é, no final das contas, uma tentativa (na maioria das vezes bem-sucedida) de interpretação da vida, feita pelo artista. Tudo o que o cerca, animal, vegetal ou mineral não importa, é tema potencial para suas criações, temperado, claro, pelo seu talento, experiência e modos de enxergar as coisas.

Deleito-me, e aprendo muito mais sobre mim mesmo e o mundo, nas obras dos grandes criadores, do que na filosofia, nas ciências e em outras tantas disciplinas criadas pelo e para o homem. A natureza, se bem observada, é, por si só, inigualável obra de arte. Ás vezes é tétrica (e para o artista, há beleza, até, na extrema feiúra) às vezes sublime, dependendo do que se observa.

Mais do que agradar os sentidos, seu principal papel é induzir o observador à reflexão e à análise do que é e onde está. Ser artista, portanto, é enxergar o outro lado das coisas e se deleitar com ele. Procuramos a beleza em cenários sofisticados, em arranjos e combinações refinados e não atentamos para o tanto que há de belo ao nosso redor.

Não raro não conseguimos vislumbrar a poesia que há num bando de crianças sadias brincando despreocupadas, ou na limpidez do olhar da pessoa amada, ou nas flores selvagens e brutas que brotam por entre as ervas das campinas.

Desprezamos o simples. Somos obsessivos pelo complexo, pelo artificioso, pelo complicado. Mas a beleza real e hipnotizadora, aquela que nos enleva a alma e nos leva a esquecer as agruras da vida, está na simplicidade. Esconde-se nas coisas aparentemente mais triviais que nos rodeiam ou com as quais topamos casualmente.

Basta atentar para ela e, com a força do talento, criar poemas, romances, contos, pinturas, músicas etc. que se tornem imortais. Quando contemplamos, absortos e distraídos, um cenário deslumbrante, de extrema beleza – um sol dourado sobre um vasto trigal maduro; um lago de águas serenas e cristalinas cercado por um bosque verdejante; uma noite clara e enluarada com um céu salpicado de estrelas – sentimos uma ânsia indefinida, um desejo incontido de viajar pelo espaço e conhecer outros mundos e maravilhas interditas aos olhos humanos.

Sentimos que não somos daqui, deste lugar em que estamos, e que a vida não pode ser desperdiçada com picuinhas e ambições mesquinhas. Aflora em nós o artista que somos e que, às vezes, ou por timidez, ou por ignorância, ou em virtude das circunstâncias, ainda não descobrimos. Saber admirar o belo, e valorizá-lo, também é arte, posto que não se materialize em nenhuma obra.

O artista, sobretudo o escritor, como qualquer ser humano normal, com um mínimo de raciocínio, aspira à eternidade. Claro que tem consciência da impossibilidade física de chegar a ela. Busca-a, porém, através da sua obra. Se conseguirá ou não alcançar seu ousado objetivo, nunca saberá.

Para ter sucesso depende de circunstâncias várias que lhe fogem por completo ao controle. Não depende, sequer, da qualidade do que produziu. Inúmeras manifestações artísticas perderam-se para sempre, ao longo do tempo e da história, em decorrência de guerras, convulsões sociais, catástrofes etc.

Quanta coisa espetacular e original não se perdeu, por exemplo, no incêndio da Biblioteca de Alexandria, no Egito?! Ou na destruição da de Nínive! Ou por causas várias, nos mais variados tempos e lugares!

A obra de arte, objetivamente, não é eterna. Eterno é o dom artístico, a necessidade do homem de interpretar o que é, sente, faz e tudo o que o rodeia. É esse talento, que se manifesta das formas mais variáveis (literatura, pintura, música etc.) que confere ao artista uma espécie de “miragem de eternidade”.

Ela pode vir a se concretizar? Pode! Mas o que produziu pode, também, se perder para sempre e não deixar o menor vestígio em questão de parcos anos. O escritor Gaëtan Picon – autor, entre outros livros, de “O escritor e sua sombra” – escreveu a respeito: “A obra não é eterna, mas a continuidade da criação artística, que a submete ao jogo das revivescências e das metamorfoses, é como uma miragem de eternidade”. E não é?!



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