Bomba de tempo embutida no
cruzado
Pedro J. Bondaczuk
A inflação do mês de maio
registrou a taxa de 1,4%, acumulando 2,08% desde o início da
aplicação do plano de estabilização econômica brasileiro. Esse
ressurgimento inflacionário foi suficiente para levantar temores,
dúvidas e especulações infundados, tanto entre os que saem sempre
perdendo com esse "inchaço" doentio da economia, quanto
entre os que acham que ainda podem ganhar alguma coisa, como no
passado recente, com esse tipo de distorção.
Essa taxa, todavia, não
representa risco algum para o sucesso do chamado "choque
heterodoxo" e até é um sintoma positivo. Demonstra que, ao
contrário dos outros países que usaram o mesmo remédio, no Brasil
não se manifestou a seqüela mais indesejável que geralmente
acompanha esse tipo de providência: a recessão.
Todavia, convém que a
população, responsável direta pelo sucesso do Plano Cruzado, se
acautele. Volte a exercer severa vigilância sobre os preços, tendo
sempre em mente que cada centavo indevido pago a outrem, lhe irá
faltar no dia, na semana ou no mês seguintes, já que os salários
estão congelados. E essa fiscalização, todos sabem, não pode ser
um ato isolado, de uma só pessoa. Até porque, sozinhos somos
extremamente fracos.
A nossa força reside na
união, na mobilização, ordeira, cavalheiresca, civilizada, mas
firme, decidida, permanente e constante. Cada vez que impedirmos um
comerciante inconsciente de remarcar alguma mercadoria ou cobrar o
que se conhece popularmente por "PF" (por fora) por seu
produto, sem que estejamos sabendo, estaremos até mesmo colaborando
com ele.
Ninguém tem mais a perder, se
for registrado um novo surto inflacionário, do que aquele que dispõe
de um capital, aplicado em estoques, em títulos ou em outro
investimento qualquer (que não seja a caderneta de poupança) já
que, em boa hora, foi suprimida essa que sempre foi a maior
realimentadora da inflação: a correção monetária. O cruzado
sofrendo qualquer tipo de erosão, todos os seus haveres e ganhos
ficarão, por conseqüência, erodidos.
Em linhas gerais, todavia, o
Plano Cruzado, quando parte para o seu quinto mês de aplicação, já
é um sucesso completo. Por exemplo, projetando o acumulado do
trimestre, de 2,08%, até 31 de dezembro, utilizando, portanto, a
hipótese mais pessimista, a inflação anual pós-choque irá
registrar somente 16,94%. Menos de 1% a mais do que a nossa taxa
recorde mensal.
O medo dos especialistas e dos
empresários não reside aí. Está no que pode ocorrer no instante
em que for suspenso o congelamento de preços. Este não pode ser
perpétuo, caso contrário, haverá um desestímulo à competição,
inexistindo, portanto, o "moto" que move o carro de toda a
economia que se preze.
O temor, frise-se, também não
é quanto ao comportamento dos industriais e comerciantes quanto aos
preços que vão impor aos produtos que comercializarem quando estes
forem livres. Salvo uma meia dúzia deles, (despreparada para a
atividade e que não enxerga um palmo diante do nariz) a maioria sabe
que usar os métodos do passado significará uma catástrofe para
eles próprios.
Há, no entanto, uma perigosa
"bomba de efeito retardado" escondida no Plano Cruzado e
esta não foi posta pela iniciativa privada. Referimo-nos aos gastos
públicos. O governo precisa aprender a controlar suas despesas, a
conter a sua proverbial volúpia perdulária, até porque estamos num
país onde cada centavo deve ser aplicado com a maior das sabedorias
se quisermos construir aquela sociedade com a qual vimos sonhando.
Não será fazendo exercícios
contábeis, disfarces orçamentários ou truques semânticos que o
déficit público será contido. Se para o cidadão comum gastar além
do que possui ou do que ganha é uma rematada tolice, para não dizer
irresponsabilidade, imagine para quem tem a responsabilidade de gerir
uma nação tão complexa como a nossa!
Que os políticos não se
empolguem com um ano eleitoral e não pressionem o governo a abrir
seus cofres ou, o que é pior, a acumular papagaio sobre papagaio
para realizar em três meses aquilo que não fez num ano. Esse não é
o caminho prudente e sensato para vencer uma eleição e a sociedade,
estejam certos, ficará vigilante para conferir essa austeridade.
O Plano Cruzado, pelo menos
até aqui, está sendo mais bem sucedido do que seus similares,
aplicados anteriormente, em outros países. Foi adotado num momento
estratégico, de superaquecimento econômico, evitando de lançar o
País numa indesejável recessão. Ao contrário, descomprimiu a
demanda reprimida por cinco anos mediante o achatamento salarial,
recuperando um mercado interno esfacelado.
Com isso, criou a necessidade
de novos investimentos, que por sua vez estão gerando mais empregos
e distribuindo melhor a renda. Esse retomada do crescimento elevou a
arrecadação dos próprios cofres públicos, através dos tributos,
dando a "faca e o queijo" ao governo para que ponha em
ordem as suas finanças. Basta, agora, que este saiba gerir com
prudência os seus gastos, para que tudo dê certo. Tem que dar!
(Artigo publicado na página
2, Opinião, do Correio Popular, em 22 de junho de 1986)
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