Wednesday, July 12, 2017

Bomba de tempo embutida no cruzado


Pedro J. Bondaczuk



A inflação do mês de maio registrou a taxa de 1,4%, acumulando 2,08% desde o início da aplicação do plano de estabilização econômica brasileiro. Esse ressurgimento inflacionário foi suficiente para levantar temores, dúvidas e especulações infundados, tanto entre os que saem sempre perdendo com esse "inchaço" doentio da economia, quanto entre os que acham que ainda podem ganhar alguma coisa, como no passado recente, com esse tipo de distorção.

Essa taxa, todavia, não representa risco algum para o sucesso do chamado "choque heterodoxo" e até é um sintoma positivo. Demonstra que, ao contrário dos outros países que usaram o mesmo remédio, no Brasil não se manifestou a seqüela mais indesejável que geralmente acompanha esse tipo de providência: a recessão.

Todavia, convém que a população, responsável direta pelo sucesso do Plano Cruzado, se acautele. Volte a exercer severa vigilância sobre os preços, tendo sempre em mente que cada centavo indevido pago a outrem, lhe irá faltar no dia, na semana ou no mês seguintes, já que os salários estão congelados. E essa fiscalização, todos sabem, não pode ser um ato isolado, de uma só pessoa. Até porque, sozinhos somos extremamente fracos.

A nossa força reside na união, na mobilização, ordeira, cavalheiresca, civilizada, mas firme, decidida, permanente e constante. Cada vez que impedirmos um comerciante inconsciente de remarcar alguma mercadoria ou cobrar o que se conhece popularmente por "PF" (por fora) por seu produto, sem que estejamos sabendo, estaremos até mesmo colaborando com ele.

Ninguém tem mais a perder, se for registrado um novo surto inflacionário, do que aquele que dispõe de um capital, aplicado em estoques, em títulos ou em outro investimento qualquer (que não seja a caderneta de poupança) já que, em boa hora, foi suprimida essa que sempre foi a maior realimentadora da inflação: a correção monetária. O cruzado sofrendo qualquer tipo de erosão, todos os seus haveres e ganhos ficarão, por conseqüência, erodidos.

Em linhas gerais, todavia, o Plano Cruzado, quando parte para o seu quinto mês de aplicação, já é um sucesso completo. Por exemplo, projetando o acumulado do trimestre, de 2,08%, até 31 de dezembro, utilizando, portanto, a hipótese mais pessimista, a inflação anual pós-choque irá registrar somente 16,94%. Menos de 1% a mais do que a nossa taxa recorde mensal.

O medo dos especialistas e dos empresários não reside aí. Está no que pode ocorrer no instante em que for suspenso o congelamento de preços. Este não pode ser perpétuo, caso contrário, haverá um desestímulo à competição, inexistindo, portanto, o "moto" que move o carro de toda a economia que se preze.

O temor, frise-se, também não é quanto ao comportamento dos industriais e comerciantes quanto aos preços que vão impor aos produtos que comercializarem quando estes forem livres. Salvo uma meia dúzia deles, (despreparada para a atividade e que não enxerga um palmo diante do nariz) a maioria sabe que usar os métodos do passado significará uma catástrofe para eles próprios.

Há, no entanto, uma perigosa "bomba de efeito retardado" escondida no Plano Cruzado e esta não foi posta pela iniciativa privada. Referimo-nos aos gastos públicos. O governo precisa aprender a controlar suas despesas, a conter a sua proverbial volúpia perdulária, até porque estamos num país onde cada centavo deve ser aplicado com a maior das sabedorias se quisermos construir aquela sociedade com a qual vimos sonhando.

Não será fazendo exercícios contábeis, disfarces orçamentários ou truques semânticos que o déficit público será contido. Se para o cidadão comum gastar além do que possui ou do que ganha é uma rematada tolice, para não dizer irresponsabilidade, imagine para quem tem a responsabilidade de gerir uma nação tão complexa como a nossa!

Que os políticos não se empolguem com um ano eleitoral e não pressionem o governo a abrir seus cofres ou, o que é pior, a acumular papagaio sobre papagaio para realizar em três meses aquilo que não fez num ano. Esse não é o caminho prudente e sensato para vencer uma eleição e a sociedade, estejam certos, ficará vigilante para conferir essa austeridade.

O Plano Cruzado, pelo menos até aqui, está sendo mais bem sucedido do que seus similares, aplicados anteriormente, em outros países. Foi adotado num momento estratégico, de superaquecimento econômico, evitando de lançar o País numa indesejável recessão. Ao contrário, descomprimiu a demanda reprimida por cinco anos mediante o achatamento salarial, recuperando um mercado interno esfacelado.

Com isso, criou a necessidade de novos investimentos, que por sua vez estão gerando mais empregos e distribuindo melhor a renda. Esse retomada do crescimento elevou a arrecadação dos próprios cofres públicos, através dos tributos, dando a "faca e o queijo" ao governo para que ponha em ordem as suas finanças. Basta, agora, que este saiba gerir com prudência os seus gastos, para que tudo dê certo. Tem que dar!

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 22 de junho de 1986)



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