Importante é sonhar
Pedro J. Bondaczuk
O sonho é a grande
matéria-prima do escritor. Não são fatos, como alguns supõem, e
muito menos ideias os componentes fundamentais das suas obras. Os
primeiros, nus e crus, sem qualquer acréscimo (se é que isso seja
possível) são da competência dos jornalistas. Os segundos, são
melhor desenvolvidos pelos filósofos. Mas os que lidam com ficção...
Estes têm que sonhar, e muito.
Claro que, quando falo de
sonhos, não me refiro àquele estado de inconsciência que temos
durante o sono, àquela espécie de “descarga” do subconsciente
(ou inconsciente, sei lá), que independe da nossa vontade. Refiro-me
à fantasia, à imaginação, à criatividade desse artífice (ou
artesão?) das palavras.
“O escritor, então, não
pode lidar com fatos?”, perguntaria alguém que goste das coisas
explicadas tim-tim por tim-tim e tenha a mania de procurar pelo em
ovo (há muitos, desse tipo, por aí). Claro que pode! E não somente
pode, como deve. Mas apenas para dar caráter de verossimilhança aos
seus sonhos.
Não lhe compete reproduzir
acontecimentos exatamente como ocorreram. Afinal, não foi treinado,
como o jornalista, para essa tarefa. É por isso que suas histórias
são de ficção. Ou seja, nunca aconteceram (embora pudessem ter
acontecido). E quanto mais realista for sua descrição, melhor. Só
que, contos, novelas, romances e peças teatrais são “mentiras”
consentidas e bem contadas (quando o são, óbvio). São frutos do
“sonho”, da fantasia, da criatividade dos seus autores e não das
circunstâncias ou do acaso.
O desafio do escritor é
tornar sua narrativa a mais próxima possível do real. Por isso, não
raro, invade, também, e sem nenhum escrúpulo, o campo que
teoricamente seria restrito ao filósofo: o das ideias. Mas não as
detalha e nem busca explicar sua origem e motivos.
E o fantástico, o fantasioso,
o aparentemente inverossímil, estão interditos ao escritor? Claro
que não! Esses fatores, aliás, integram o que denomino de “sonhos”.
São, portanto, a matéria-prima por excelência de romancistas,
contistas, novelistas e autores teatrais. Até porque, nada tem maior
aparência de irreal do que a realidade, por paradoxal que isso possa
parecer.
Acontecem coisas no cotidiano,
em nosso dia a dia, ao nosso redor e mundo afora, que nem o mais
imaginoso dos escritores, nem a mente mais fértil e criativa,
conseguiria imaginar. Basta acompanhar os noticiários, cada vez mais
fartos e detalhados, nesta era dita da “comunicação total”.
Convenhamos que, no que se
refere a sonhos, quem sonha mais é o poeta. E reveste-os de
metáforas, de signos, de símbolos de toda a sorte, compondo versos
que pretende sejam imortais. Tanto que Fernando Pessoa constatou, com
muita perspicácia, que os bons poemas de amor são exatamente os que
se referem a amadas fictícias, meramente idealizadas ou
“conceituais”. Via de regra, quando tentamos fazer poesia tendo
por personagem a pessoa que de fato amamos, as palavras soam ocas,
vazias, superficiais, inverossímeis.
É certo que poetas tidos e
havidos como imortais (refiro-me, óbvio, àquela “imortalidade”
que caracteriza Homero, Virgílio, Píndaro, Horácio e tantos
outros. Ou seja, não a física, que é impossível, mas a das
obras), não raro calcaram suas obras em fatos. Mas fantasiaram tanto
esses acontecimentos, que chegamos a duvidar que tenham, mesmo,
ocorrido.
A guerra de Troia, reportada
por Homero na “Ilíada”, por exemplo, de fato aconteceu.
Arqueólogos desenterraram essa cidade e há inúmeras provas da
existência dela e de que foi destruída por um incêndio. Hoje, as
pessoas bem informadas não têm porque duvidar dessa realidade.
Mas os herois descritos pelo
poeta não foram tão heroicos assim. E nem manipulados, como meros
marionetes, por deuses que eram, em seus comportamentos e paixões,
mais humanos do que os homens. Essa imortal epopeia, portanto, é
fruto do talento e, sobretudo, do sonho de Homero. E como sonhou!
Para resumir o que gastei
tantas linhas para tentar explicar (e temo que tenha sido obscuro em
minhas explicações), recorro (como sempre faço quando me vejo
encalacrado para definir questões que envolvam literatura), ao meu
constante guru, Jorge Luiz Borges, que escreveu a propósito: “Há
escritores que pensam que, à força de variar os adjetivos, de dizer
as metáforas eternas de um modo novo, podem obter algum escrito.
Isto é falso. O importante é sonhar e ser sincero com o sonho
quando se escreve. Ou seja, somente contar fábulas nas quais se
acredita. Isto viria a ser a sinceridade literária e o único dever
do escritor: ser fiel aos seus sonhos, não às meras e cambiantes
circunstâncias”.
Mais claro do que isso é
impossível! É certo que quem pretenda se aventurar neste
complicado, pantanoso e não raro frustrante campo de atividade, tem
que contar com sólida cultura. Precisa, sobretudo, saber manejar com
perícia as ferramentas do seu ofício, ou seja, as palavras. Deve
ser bastante informado, ter disposição para o trabalho, ser
paciente e autodisciplinado e, sobretudo, observador. Mas nada disso
terá valor se não souber fantasiar, elucubrar, dar asas à
imaginação. Porquanto, para o escritor, o importante mesmo é
sonhar! O resto?
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment