Violência étnica é mal
muito antigo
Pedro J. Bondaczuk
Os povos que habitaram, desde
a Idade da Pedra, o território do que já foi o Império Russo e que
desde 1922 é a União Soviética, jamais conheceram um período de
liberdade maior do que agora, sob o governo de Mikhail Gorbachev.
Quem conhece a história desse
país, sangrenta, trágica, porém grandiosa, sabe que a maior parte
de sua população viveu sempre subjugada, numa semi-escravidão.
Trata-se, pois, de uma tarefa sobreumana moldar um estado
democrático, que realmente mereça esse nome, com tal matéria-prima.
Os conflitos étnicos, numa
sociedade tão complexa, acabaram sendo inevitáveis e sempre foram
rotina. Movimentos secessionistas são uma tradição nessa colcha de
retalhos de multivariadas etnias. Mas jamais, em tempo algum, houve
czar ou estadista disposto a trazer ao palco iluminado da opinião
pública tais questões para um debate sereno e racional.
Gorbachev, num pronunciamento
que fez em 18 de janeiro de 1990, sugeriu aquela que, no seu
entender, é a melhor solução para estes seculares conflitos na
URSS: "As tensões étnicas se acumulam há décadas, há
séculos em alguns casos, e só é possível solucionar a questão
das nacionalidades através da criação de uma nova federação
soviética".
Sua visão do problema não
deixa de ser utópica. Pressupõe uma discussão racional de algo que
sempre foi dominado pelo passionalismo, pelas ambições pequenas e
mesquinhas e por manipulações de indivíduos bem falantes, mas
irresponsáveis, por nunca medirem as conseqüências de suas
propostas.
Karl Marx, num texto escrito
em 1856, traçou uma análise crítica da mentalidade dos povos que
habitavam a Rússia de então. Afirmou: "A lama sangrenta da
escravidão mongol, e não a dominação rude do tempo dos normandos,
foi o berço de Moscou, e a Rússia moderna é apenas uma metamorfose
dessa Moscou mongólica.
O reino moscovita foi
alimentado e formado na horrível e execrável escola da escravidão
mongólica. Ele se fortaleceu somente porque se tornou virtuose na
arte de escravizar. Mesmo depois de sua emancipação, continuou a
desempenhar o papel do escravo que se tornou senhor. Pedro, o Grande,
foi enfim aquele que reuniu os interesses políticos de escravo
mongol com orgulho de um soberano mongol, a quem Gengis Khan no seu
testamento deixou o legado da conquista do mundo".
É claro que o fato da gestão
de Gorbachev significar a época de maior liberdade para os povos que
vivem na URSS não implica em querer que esta não seja ampliada ou
permitir que o pouco já conquistado volte a ser suprimido.
Argumentou-se muito quanto aos poderes especiais concedidos pelo
Soviete Supremo, em meados do ano passado, ao presidente.
Desde então, seus ferrenhos
opositores vêm acusando o líder do Cremlin de estar encaminhando o
país para uma ditadura. Só que raras vezes ele lançou mão dessa
prerrogativa e nas que o fez, não abusou delas. Proibiu, por
exemplo, manifestações populares em Moscou, no mês passado, mas
não respondeu ao desafio feito pelos partidários de Bóris Yeltsin,
que tomaram de assalto as ruas da capital a despeito do decreto
proibitivo, à violência, impedindo assim que ocorresse o temido
"banho de sangue" que se chegou a propalar.
O líder negro sul-africano,
Nelson Mandela, foi muito feliz ao observar, numa entrevista que deu
em 14 de fevereiro de 1990: "Mikhail Gorbachev é o único
estadista que conheço que teve a coragem de admitir as deficiências
do sistema que ele sempre defendeu. Eu nunca ouvi um líder do
Ocidente dizer: 'Estávamos errados ao introduzir o colonialismo'".
(Artigo publicado na página
12, Internacional, do Correio Popular, em 13 de abril de 1991).
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