Sunday, July 02, 2017

Cinema e literatura

Pedro J. Bondaczuk

O cinema pode ser ótimo coadjuvante da literatura, mas jamais seu substituto. Fiz esse tipo de discussão, recentemente, com amigos, num “cenáculo” informal que temos num barzinho aqui da cidade (para quem não sabe, resido em Campinas). Curiosamente, recebi, nessa mesma semana, um e-mail de um leitor propondo-me que trace um paralelo entre estas duas formas de expressão artística. Vamos, pois, ao desafio.

Filmes baseados em livros famosos auxiliam muito, por exemplo, no entendimento do enredo de determinado romance ou novela, mas têm o defeito de omitir as reflexões do autor, feitas, geralmente, à margem do desenrolar da história, quando da descrição de personagens e/ou cenários. E aí é que está a essência de qualquer obra literária que se preze, embora o leigo nem desconfie que assim seja.

Quando me refiro a cinema, claro, pressuponho o de qualidade, não o chamado “trash”, mal feito técnica e conceitualmente, que esbanja violência e sexo, tipo “Sexta-feira 13”, “Pânico”, “Rambo” e outras tantas bobagens que até fazem sucesso de bilheteria, mas não têm nenhuma substância, qualquer mensagem que preste. O mesmo vale para literatura. Há livros e livros. Alguns, quando lidos, tornam-se inesquecíveis. Outros... Seria melhor poupar as árvores derrubadas para fazer o papel em que são impressos.

Um bom filme valoriza um livro apenas mediano e o oposto também é verdadeiro. Ou seja, um mau, arrebenta com a obra até de um Balzac, um Eça de Queiroz ou um Machado de Assis, entre tantos. A escritora portuguesa Agustina Bessa-Luís – destaque das letras de Portugal na atualidade, ganhadora do Prêmio Camões de 2004, sobre a qual tratarei oportunamente – abordou com precisão a relação dessas duas artes, em entrevista publicada em 18 de junho de 2000, no caderno “Mais!”, do jornal Folha de S. Paulo.

Constatou: “O cinema é uma forma de respirar da literatura. Bergman queria ser escritor, mas a linguagem literária é outra. A linguagem cinematográfica é puramente emotiva e mais sintética. Mostra, mas não demonstra, ilumina, mas não informa”. Concordo com ela. São, como afirmei, duas formas de expressão estética complementares, mas não exclusivas.

Desde criança, sempre gostei de cinema, mas nunca fui o que se costuma chamar de “cinéfilo”. Há pessoas que sabem tudo dessa arte, como os nomes e biografias dos principais diretores, dos atores e atrizes, enredos os mais diversos, prêmios, etc.etc.etc. Até já tentei, em certa ocasião, organizar um arquivo a respeito, que contivesse todos esses dados. Fracassei.

Em determinados períodos da minha vida (diria na maioria deles), me vi privado de freqüentar cinema, por várias razões. As principais foram falta de dinheiro (em alguns momentos da carreira ganhava tão pouco que não podia me dar o luxo de esbanjar nem um centavo do salário com despesas que poderia evitar) e, na maior parte dos casos, por trabalhar à noite.

Como jornalista, sempre fui (e ainda sou, pois estou em plena atividade) editor. Ou seja, sou aquele sujeito chato que realmente “faz” um jornal. Sou o profissional que tem o poder de decisão, a prerrogativa de dizer o que, quanto e como publicar determinada notícia, ou reportagem, na editoria da qual sou responsável (para desespero dos repórteres). E essa atividade... é noturna.

Pelos motivos expostos, portanto, fiquei desatualizado em relação às grandes produções cinematográficas. Nesta era do computador, do DVD e, especialmente da televisão a cabo, com seus vários canais especializados em filmes, voltei a me atualizar. Pude, finalmente, ver e rever os grandes sucessos de bilheteria que não havia podido assistir quando do seu lançamento e até tecer comentários a respeito.

Cheguei, mesmo, a organizar um fichário a respeito que, desconfio, tem muitos “furos”. Tomara que não tenha tantos quanto suponho. Mas que fique claro que não tenho nada, absolutamente nada contra o cinema como expressão artística. Todavia, se tiver que fazer escolha entre ele e a Literatura, não tenho a menor dúvida sobre qual será minha opção.

Vivo no mundo dos livros desde tenra infância. Sou leitor contumaz e compulsivo, tanto que já passaram sob meus olhos (e pelo meu espírito, claro) milhares e milhares de livros, dos mais diversos gêneros e autores. Só a minha biblioteca particular (que não é das maiores ou melhores), conta com mais de quatro mil volumes, conforme a última contagem que fiz.

E o que já escrevi! É incontável. Desconfio que se imprimisse todos os meus textos e os enfileirasse, um ao lado do outro, a quantidade de papel gasto seria suficiente para dar algumas voltas ao redor do mundo. Exagero? Não, não é, paciente leitor.

Para que você tenha uma ideia da minha produção, só no ano passado redigi 537 crônicas, a maioria espalhada internet afora, nos vários sites em que sou cronista. Só que não me limitei a esse gênero. Produzi contos, novelas, poesias, ensaios e estou em fase de conclusão de um romance. Ufa!! Para comprovar que não estou exagerando, é bastante fácil. Basta que o incrédulo amigo consulte o site de buscas “Google”, digitando Pedro J. Bondaczuk.

Ao contrário de literato (se bom ou ruim, não sei e nunca irei saber), jamais fui diretor de cinema, nem produtor, roteirista e muitíssimo menos ator. Nem mesmo sei como é um set de filmagem. Meu comprometimento com essa arte, portanto, é nulo. É igual o seu, meu amigo leitor: ou seja, o de mero diletante. Talvez, por força da minha profissão, eu seja um pouquinho melhor informado a respeito. Mas nem tanto a ponto de posar como “expert”.

Se você quiser, portanto, se deliciar plenamente com obras como “Guerra e Paz”, de Leon Tolstoi; “Dr. Jivago”, de Boris Pasternak; “Madame Bovary”, de Gustave Flaubert; “O médico e o monstro”, de Robert Louis Stevenson ou, mesmo, “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis (entre tantas outras já transpostas para o cinema), faça o seguinte: passe numa locadora e alugue os filmes baseados nestes romances. Depois, vá à sua estante e pegue esses livros (se os tiver, caso contrário, passe numa livraria e compre-os) e os leia com a máxima atenção, se abstraindo do enredo e atentando para as nuances estilísticas de cada escritor. O prazer estético que o amigo terá será incomparável. Duvida? Faça isso e depois me conte, combinado?


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