Cinema e literatura
Pedro J. Bondaczuk
O cinema pode ser ótimo
coadjuvante da literatura, mas jamais seu substituto. Fiz esse tipo
de discussão, recentemente, com amigos, num “cenáculo” informal
que temos num barzinho aqui da cidade (para quem não sabe, resido em
Campinas). Curiosamente, recebi, nessa mesma semana, um e-mail de um
leitor propondo-me que trace um paralelo entre estas duas formas de
expressão artística. Vamos, pois, ao desafio.
Filmes baseados em livros
famosos auxiliam muito, por exemplo, no entendimento do enredo de
determinado romance ou novela, mas têm o defeito de omitir as
reflexões do autor, feitas, geralmente, à margem do desenrolar da
história, quando da descrição de personagens e/ou cenários. E aí
é que está a essência de qualquer obra literária que se preze,
embora o leigo nem desconfie que assim seja.
Quando me refiro a cinema,
claro, pressuponho o de qualidade, não o chamado “trash”, mal
feito técnica e conceitualmente, que esbanja violência e sexo, tipo
“Sexta-feira 13”, “Pânico”, “Rambo” e outras tantas
bobagens que até fazem sucesso de bilheteria, mas não têm nenhuma
substância, qualquer mensagem que preste. O mesmo vale para
literatura. Há livros e livros. Alguns, quando lidos, tornam-se
inesquecíveis. Outros... Seria melhor poupar as árvores derrubadas
para fazer o papel em que são impressos.
Um bom filme valoriza um livro
apenas mediano e o oposto também é verdadeiro. Ou seja, um mau,
arrebenta com a obra até de um Balzac, um Eça de Queiroz ou um
Machado de Assis, entre tantos. A escritora portuguesa Agustina
Bessa-Luís – destaque das letras de Portugal na atualidade,
ganhadora do Prêmio Camões de 2004, sobre a qual tratarei
oportunamente – abordou com precisão a relação dessas duas
artes, em entrevista publicada em 18 de junho de 2000, no caderno
“Mais!”, do jornal Folha de S. Paulo.
Constatou: “O cinema é uma
forma de respirar da literatura. Bergman queria ser escritor, mas a
linguagem literária é outra. A linguagem cinematográfica é
puramente emotiva e mais sintética. Mostra, mas não demonstra,
ilumina, mas não informa”. Concordo com ela. São, como afirmei,
duas formas de expressão estética complementares, mas não
exclusivas.
Desde criança, sempre gostei
de cinema, mas nunca fui o que se costuma chamar de “cinéfilo”.
Há pessoas que sabem tudo dessa arte, como os nomes e biografias dos
principais diretores, dos atores e atrizes, enredos os mais diversos,
prêmios, etc.etc.etc. Até já tentei, em certa ocasião, organizar
um arquivo a respeito, que contivesse todos esses dados. Fracassei.
Em determinados períodos da
minha vida (diria na maioria deles), me vi privado de freqüentar
cinema, por várias razões. As principais foram falta de dinheiro
(em alguns momentos da carreira ganhava tão pouco que não podia me
dar o luxo de esbanjar nem um centavo do salário com despesas que
poderia evitar) e, na maior parte dos casos, por trabalhar à noite.
Como jornalista, sempre fui (e
ainda sou, pois estou em plena atividade) editor. Ou seja, sou aquele
sujeito chato que realmente “faz” um jornal. Sou o profissional
que tem o poder de decisão, a prerrogativa de dizer o que, quanto e
como publicar determinada notícia, ou reportagem, na editoria da
qual sou responsável (para desespero dos repórteres). E essa
atividade... é noturna.
Pelos motivos expostos,
portanto, fiquei desatualizado em relação às grandes produções
cinematográficas. Nesta era do computador, do DVD e, especialmente
da televisão a cabo, com seus vários canais especializados em
filmes, voltei a me atualizar. Pude, finalmente, ver e rever os
grandes sucessos de bilheteria que não havia podido assistir quando
do seu lançamento e até tecer comentários a respeito.
Cheguei, mesmo, a organizar um
fichário a respeito que, desconfio, tem muitos “furos”. Tomara
que não tenha tantos quanto suponho. Mas que fique claro que não
tenho nada, absolutamente nada contra o cinema como expressão
artística. Todavia, se tiver que fazer escolha entre ele e a
Literatura, não tenho a menor dúvida sobre qual será minha opção.
Vivo no mundo dos livros desde
tenra infância. Sou leitor contumaz e compulsivo, tanto que já
passaram sob meus olhos (e pelo meu espírito, claro) milhares e
milhares de livros, dos mais diversos gêneros e autores. Só a minha
biblioteca particular (que não é das maiores ou melhores), conta
com mais de quatro mil volumes, conforme a última contagem que fiz.
E o que já escrevi! É
incontável. Desconfio que se imprimisse todos os meus textos e os
enfileirasse, um ao lado do outro, a quantidade de papel gasto seria
suficiente para dar algumas voltas ao redor do mundo. Exagero? Não,
não é, paciente leitor.
Para que você tenha uma ideia
da minha produção, só no ano passado redigi 537 crônicas, a
maioria espalhada internet afora, nos vários sites em que sou
cronista. Só que não me limitei a esse gênero. Produzi contos,
novelas, poesias, ensaios e estou em fase de conclusão de um
romance. Ufa!! Para comprovar que não estou exagerando, é bastante
fácil. Basta que o incrédulo amigo consulte o site de buscas
“Google”, digitando Pedro J. Bondaczuk.
Ao contrário de literato (se
bom ou ruim, não sei e nunca irei saber), jamais fui diretor de
cinema, nem produtor, roteirista e muitíssimo menos ator. Nem mesmo
sei como é um set de filmagem. Meu comprometimento com essa arte,
portanto, é nulo. É igual o seu, meu amigo leitor: ou seja, o de
mero diletante. Talvez, por força da minha profissão, eu seja um
pouquinho melhor informado a respeito. Mas nem tanto a ponto de posar
como “expert”.
Se você quiser, portanto, se
deliciar plenamente com obras como “Guerra e Paz”, de Leon
Tolstoi; “Dr. Jivago”, de Boris Pasternak; “Madame Bovary”,
de Gustave Flaubert; “O médico e o monstro”, de Robert Louis
Stevenson ou, mesmo, “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de
Machado de Assis (entre tantas outras já transpostas para o cinema),
faça o seguinte: passe numa locadora e alugue os filmes baseados
nestes romances. Depois, vá à sua estante e pegue esses livros (se
os tiver, caso contrário, passe numa livraria e compre-os) e os leia
com a máxima atenção, se abstraindo do enredo e atentando para as
nuances estilísticas de cada escritor. O prazer estético que o
amigo terá será incomparável. Duvida? Faça isso e depois me
conte, combinado?
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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