Queda
de uma ditadura é espetáculo patético
Pedro
J. Bondaczuk
A
queda de um ditador, se é verdade que se constitui em motivo de
festa para os que creem na democracia e, principalmente, para o povo
subjugado por ele, não deixa de ser um espetáculo patético. Traz
uma série de lições sobre a natureza humana e sobre a fragilidade
do poder. Não fossem os crimes e mazelas que esses caudilhos
insensíveis cometeram, eles poderiam até ser dignos de piedade.
As
ditaduras têm um período de apogeu, que é aquele momento perigoso
em que geralmente os ditadores acabam sendo atacados por uma espécie
de paranoia. A subserviência dos parasitas que orbitam em torno do
poder, praticando toda a sorte de desatinos, encarcerando inocentes,
torturando mulheres e velhos, e prendendo pessoas que ousam discordar
de suas atitudes atrabiliárias, faz com que o caudilho ser sinta
quase como um deus. Julga-se, então, senhor da vida e da morte de
quem ouse se lhe opor. Os psiquiatras têm até um nome para essa
patologia, mais disseminada do que se pensa: “hubris”. Ou seja, a
pretensão de ser igual aos deuses.
O
patetismo do fim de uma ditadura fica mais claro com o que está
acontecendo atualmente nas Filipinas, onde o outrora todo poderoso
Ferdinand Marcos vê o poder, que deteve a ferro e fogo por mais de
vinte anos. Lhe fugir, como “um peixe escorregadio”, conforme
define Garcia Marquez, por entre os dedos. Os que se locupletaram à
sua sombra em duas décadas, confirmando a afirmação que os ratos
são os primeiros a abandonar o navio, quando este está prestes a
afundar, debandam um a um. Oportunistas e despidos de qualquer senso
ético, bandeiam-se para a oposição, antes que não seja mais
possível.
Alguns,
mais cegos (ou talvez mais paranoicos), não enxergam o óbvio ao
redor. Ainda acreditam serem dotados dos instrumentos atrabiliários
que manejaram por anos e falam em resistência, sobretudo quando o
presidente vem à televisão tartamudear: “Não tenho intenções
de renunciar. Não tenho intenções de ceder a presidência. Não
tenho intenções de comprometer a decisão do povo. Controlo os
militares. Não vou abandonar a presidência”. Foi o que Ferdinand
Marcos declarou em rede de TV para todo o país.
Patético,
não é mesmo? E o caudilho arrematou, ladeado pela mulher, pelos
filhos e netos: “Defenderemos a República até a última gota de
nosso sangue”. Seria bom se ele não abandonasse mesmo as
Filipinas, embora isso pudesse resultar em combates. Seria bom que o
ditador fosse preso e julgado por sua infinidade de delitos, para que
não escapasse impune, defendendo, de quebra, aquilo que os filipinos
arrancaram com seus braços , em anos de trabalho, para gozar de uma
agradável “aposentadoria” no exterior, como aconteceu com
Jean-Claude Duvalier, no Haiti. Como aconteceu, também, com o
déspota cínico e sanguinário, Jean-Bedel Bokassa, da República
Centro-Africana, asilado atualmente em um castelo francês e que
ainda tem o desplante de se queixar que a pensão vitalícia que o
governo da França lhe dá é insuficiente para alimentar seus
cinquenta e tantos filhos. Como, enfim, tantos outros, que acabaram
colhendo incontáveis benefícios pelos crimes que cometeram.
Ferdinand
Marcos parece não entender que o seu período de graça está
terminando. Que da mesma forma com que se serviu do povo de seu país,
os puxa-sacos que orbitaram ao seu redor se serviram dele para
satisfazer seus propósitos. Não se deu conta que os tempos, hoje,
são muito diferentes de quando assumiu o governo das Filipinas. Não
há mais uma Guerra do Vietnã, a assustar os Estados Unidos. O
avanço comunista na Ásia “empacou” no atoleiro do Camboja. A
China, atualmente, não tem nenhum interesse de exportar nenhuma
revolução e os soviéticos, na era de Gorbachev, estão mais
preocupados em recuperar a falida economia interna do que em entrar
em novas aventuras, como a do Afeganistão.
O
mundo vive um novo momento e muito caudilho ainda não se apercebeu.
Não foi por acaso que dois deles já “rodaram”, apenas no
corrente ano. Outros serão, fatalmente, também levados de roldão e
irão parar no esgoto da História. O estrebuchar de mais este
regime de força parece muito com a luta de um louco para escapar de
uma camisa-de-força. E o leitor há de convir: embora não seja
digno de pena, não deixa de ser patético o por do sol de uma
ditadura, não importa qual seja.
(Artigo
publicado na editoria Internacional, do Correio Popular, em 25 de
fevereiro de 1986).
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