Saturday, July 29, 2017

Queda de uma ditadura é espetáculo patético


Pedro J. Bondaczuk


A queda de um ditador, se é verdade que se constitui em motivo de festa para os que creem na democracia e, principalmente, para o povo subjugado por ele, não deixa de ser um espetáculo patético. Traz uma série de lições sobre a natureza humana e sobre a fragilidade do poder. Não fossem os crimes e mazelas que esses caudilhos insensíveis cometeram, eles poderiam até ser dignos de piedade.

As ditaduras têm um período de apogeu, que é aquele momento perigoso em que geralmente os ditadores acabam sendo atacados por uma espécie de paranoia. A subserviência dos parasitas que orbitam em torno do poder, praticando toda a sorte de desatinos, encarcerando inocentes, torturando mulheres e velhos, e prendendo pessoas que ousam discordar de suas atitudes atrabiliárias, faz com que o caudilho ser sinta quase como um deus. Julga-se, então, senhor da vida e da morte de quem ouse se lhe opor. Os psiquiatras têm até um nome para essa patologia, mais disseminada do que se pensa: “hubris”. Ou seja, a pretensão de ser igual aos deuses.

O patetismo do fim de uma ditadura fica mais claro com o que está acontecendo atualmente nas Filipinas, onde o outrora todo poderoso Ferdinand Marcos vê o poder, que deteve a ferro e fogo por mais de vinte anos. Lhe fugir, como “um peixe escorregadio”, conforme define Garcia Marquez, por entre os dedos. Os que se locupletaram à sua sombra em duas décadas, confirmando a afirmação que os ratos são os primeiros a abandonar o navio, quando este está prestes a afundar, debandam um a um. Oportunistas e despidos de qualquer senso ético, bandeiam-se para a oposição, antes que não seja mais possível.

Alguns, mais cegos (ou talvez mais paranoicos), não enxergam o óbvio ao redor. Ainda acreditam serem dotados dos instrumentos atrabiliários que manejaram por anos e falam em resistência, sobretudo quando o presidente vem à televisão tartamudear: “Não tenho intenções de renunciar. Não tenho intenções de ceder a presidência. Não tenho intenções de comprometer a decisão do povo. Controlo os militares. Não vou abandonar a presidência”. Foi o que Ferdinand Marcos declarou em rede de TV para todo o país.

Patético, não é mesmo? E o caudilho arrematou, ladeado pela mulher, pelos filhos e netos: “Defenderemos a República até a última gota de nosso sangue”. Seria bom se ele não abandonasse mesmo as Filipinas, embora isso pudesse resultar em combates. Seria bom que o ditador fosse preso e julgado por sua infinidade de delitos, para que não escapasse impune, defendendo, de quebra, aquilo que os filipinos arrancaram com seus braços , em anos de trabalho, para gozar de uma agradável “aposentadoria” no exterior, como aconteceu com Jean-Claude Duvalier, no Haiti. Como aconteceu, também, com o déspota cínico e sanguinário, Jean-Bedel Bokassa, da República Centro-Africana, asilado atualmente em um castelo francês e que ainda tem o desplante de se queixar que a pensão vitalícia que o governo da França lhe dá é insuficiente para alimentar seus cinquenta e tantos filhos. Como, enfim, tantos outros, que acabaram colhendo incontáveis benefícios pelos crimes que cometeram.

Ferdinand Marcos parece não entender que o seu período de graça está terminando. Que da mesma forma com que se serviu do povo de seu país, os puxa-sacos que orbitaram ao seu redor se serviram dele para satisfazer seus propósitos. Não se deu conta que os tempos, hoje, são muito diferentes de quando assumiu o governo das Filipinas. Não há mais uma Guerra do Vietnã, a assustar os Estados Unidos. O avanço comunista na Ásia “empacou” no atoleiro do Camboja. A China, atualmente, não tem nenhum interesse de exportar nenhuma revolução e os soviéticos, na era de Gorbachev, estão mais preocupados em recuperar a falida economia interna do que em entrar em novas aventuras, como a do Afeganistão.

O mundo vive um novo momento e muito caudilho ainda não se apercebeu. Não foi por acaso que dois deles já “rodaram”, apenas no corrente ano. Outros serão, fatalmente, também levados de roldão e irão parar no esgoto da História. O estrebuchar de mais este regime de força parece muito com a luta de um louco para escapar de uma camisa-de-força. E o leitor há de convir: embora não seja digno de pena, não deixa de ser patético o por do sol de uma ditadura, não importa qual seja.



(Artigo publicado na editoria Internacional, do Correio Popular, em 25 de fevereiro de 1986).

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