Busca da Verdade
Pedro J. Bondaczuk
A
fantasia pode ser ilimitada. Basta que tenhamos disposição e
coragem para afrontar essa imensidão. Criar, criar e criar é o
desafio que se impõe ao homem. Não objetos, posto que, dada sua
limitação física, suas possibilidades de criação nesse campo são
mínimas. Mas no plano espiritual elas são infinitas. É apenas com
esse exercício criativo, permanente, constante, exaustivo, que o
homem exerce, de fato, sua humanidade.
A
preservação da vida física não é prerrogativa humana. É
resquício do instinto de sobrevivência que todo o ser vivente
possui, animal ou vegetal. Ademais, é um exercício inútil, face à
realidade da morte. Devemos, sim, buscar nossa sobrevivência, mas em
um outro terreno que não o da matéria. É nosso dever registrar que
um dia existimos, pensamos, sentimos, tivemos medo, raiva, dor e
saudade, mas fizemos dessa traumática "matéria-prima" um
universo de sonhos e de fantasia.
O
ensaísta Henry David Thoreau constatou que “é preciso duas
pessoas para falar a verdade – uma para falar e outra para ouvir”.
Ou seja, é necessário que haja testemunha daquilo que foi dito.
Ainda assim, não há nenhuma certeza de que o que se disse – e o
que se ouviu e se testemunhou – seja rigorosamente verdadeiro. As
palavras são pobres, paupérrimas para revelar, sem dúvidas ou
ambigüidades fatos, ou nossos pensamentos ou, principalmente,
sentimentos.
Onde,
porém, está a verdade? Como poderá ser identificada em meio a um
emaranhado de versões e de especulações? Por exemplo, o enigma do
atentado de Dallas, que custou a vida do presidente norte-americano
John Kennedy, em 22 de novembro de 1963, será algum dia decifrado,
sem que paire a mínima sombra de dúvida? Não creio. Chegaremos a
conhecer quem foi o assassino (ou, se for o caso, quais foram os
assassinos), com absoluta certeza? Tenho minhas dúvidas.
Muitos
juram que pautam suas vidas pela verdade. Todavia, quando lhes pedem
que a definam, se perdem em ambigüidades e vazios lugares-comuns.
Até porque, os maiores mentirosos jamais admitem que o sejam.
Pisamos, amiúde, o instável e cediço terreno das aparências. E
como é do conhecimento até do mundo mineral, nem tudo o que parece
de fato é.
Filósofos,
teólogos e escritores afirmam, desde os primórdios da civilização,
que sua meta e objetivo são a busca da “verdade”. Apontam-nos
caminhos que, ao cabo de algum tempo, a realidade comprova serem
equivocados e ruins. Desfiam teorias e mais teorias, que são logo
derrubadas e substituídas por outras, que também caem, e assim
indefinidamente.
E o
que é a tal “verdade”, tão apregoada, mas jamais definida sem
ambigüidades e com precisão? Cada qual julga ser seu possuidor.
Todavia, ninguém, de fato, chegou sequer perto dela. Da minha parte,
considero que a única verdade, que merece, de fato, essa designação,
é a da existência, onipotência, transcendência, imanência e
eternidade de Deus (mas respeito quem pensa diferente). O resto...
Bem,
o resto não passa de mero conjunto de teorias, passivas de serem
desmontadas, e de especulações, quase nunca comprováveis ou que,
quando parece que são, se revelam mero conjunto de aparências e,
conseqüentemente, de engodos. Henri Bérgson, citado no livro “Vozes
da França”, de André Maurois, traz à baila um dos sofismas mais
antigos e interessantes e, no entanto, não-verdadeiro.
Escreve:
“Lembrai-vos, por exemplo, das dificuldades propostas por Zenão de
Eléia aos filósofos gregos da Antigüidade, às quais ninguém até
hoje respondeu... Vamos supor, disse Zenão, que o mais rápido dos
seres humanos, Aquiles, procura alcançar o mais moroso dos animais,
a tartaruga. Eu digo que, se a tartaruga, ao partir, tem ligeira
vantagem, Aquiles ganha o espaço que o separa da tartaruga, esta
avança um pouco. Aquiles, portanto, terá de vencer essa nova
distância. Enquanto isso, a tartaruga avançará ainda, muito pouco,
mas sempre um pouco. E assim por diante. Portanto, Aquiles não
alcançará nunca a tartaruga”. Até o mais tolo dos tolos, porém,
sabe que na prática não é o que acontece.
Ambigüidade
por ambigüidade, prefiro trilhar o terreno da imaginação O mundo
da fantasia, aquele do faz-de-conta, o dos nossos sonhos, tem as
dimensões exatas dos nossos desejos (pelo menos dos meus). Difere em
muito do real, onde temos que lutar pela sobrevivência, sem muito
espaço para correr atrás de abstrações.
Preocupações
imediatas nos desafiam o tempo todo: como conseguir um teto para nos
cobrir a cabeça, o alimento que nos mantenha as forças, o acesso à
educação e à cultura para que conservemos nosso tênue verniz de
"civilização", o usufruto das conquistas da medicina para
manter nossa saúde e prolongar nossa vida etc.
O
que desejamos pode ser tanto a mola que nos impulsione às grandes
realizações, quanto a fonte de toda a nossa infelicidade. E é
muito difícil, senão impossível, filtrar o factível, o
concretizável e o realizável do somente desejável. Alguns desejos
exigem cumplicidade para que se realizem. Jamais uma única pessoa,
de forma isolada, teria condições de realizá-los, dadas sua
abrangência e complexidade.
Temos,
todos, em maior ou menor medida, uma fome insaciável de saber.
Todavia, quase sempre esbarramos em nossas limitações, reais ou (na
maioria das vezes) imaginárias, que não nos permitem acesso ao
máximo do conhecimento e à tão apregoada, mas provavelmente
inacessível “verdade”. Temos, no entanto, uma faculdade
ilimitada, que supre, com vantagens, a nossa incapacidade de
aprender: a imaginação. Esta não tem limites e compensa, de forma
quase sempre vantajosa, essa nossa dificuldade, que tanto nos
frustra.
Monteiro
Lobato, no livro “Serões da Dona Benta”, observa: “Se a nossa
inteligência é limitada e de todos os lados dá de encontro a
barreiras, temos o consolo de montar no cavalo da imaginação e
galopar pelo infinito”. Maravilhosa possibilidade! Façamos, pois,
sempre, sempre e sempre, esse mágico galope, sem receios e nem
restrições. Agindo assim, desenvolveremos, certamente, algo muito
mais precioso do que o conhecimento e chegaremos a um objetivo mais
factível do que o da descoberta da verdade: a criatividade!
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