Clareza e concisão
Pedro J. Bondaczuk
As
pessoas têm cada vez mais dificuldades de escrever com correção e
clareza. Ora não cometem deslizes de grafia, sintaxe ou
concordância, mas não são claras no que pretendem transmitir. Ora
possuem clareza, mas cometem verdadeiras atrocidades vocabulares. Em
geral, fazem as duas coisas ao mesmo tempo. E não me refiro apenas
aos semialfabetizados (já que, obviamente, os analfabetos não
escrevem), que mal aprenderam a desenhar seus nomes e a "garatujar"
uma ou outra palavra, trocando o "s" pelo "z",
suprimindo o "h" onde ele deveria constar e cometendo
outras barbaridades do gênero.
O
mau texto reflete, sobretudo, falta de leitura. Ninguém está
exigindo que todo o mundo seja um Machado de Assis ou um Monteiro
Lobato, peritos na arte de escrever e de prender a atenção dos
leitores de diversos graus de cultura. O talento desses mestres
(para citar somente os dois considerados consensualmente como os
melhores), era inato. O que se espera da média das pessoas, da
maioria dos "mortais comuns", é que sejam capazes de
redigir pelo menos uma carta padrão, ou um memorando, ou um simples
bilhete de recado para a mulher ou para a empregada, sem cometer
atrocidades gramaticais.
É
um equívoco achar que textos floreados sejam desejáveis ou mesmo
aceitáveis. Nossos melhores escritores – como os citados acima –
faziam da simplicidade, do despojamento vocabular e da precisão os
seus segredos. Eram, sobretudo, autênticos, espontâneos,
absolutamente naturais. Machado de Assis, por exemplo, nunca se
deixou levar pelos modismos do seu tempo. A linguagem que reproduziu
em seus romances (escritos no século retrasado, frise-se) é, sem
tirar e nem pôr, a mesma que as pessoas de cultura mediana atuais se
utilizam para se comunicar. E pensar que Machadão jamais freqüentou
uma escola!
Monteiro
Lobato, por seu turno, ao escrever para crianças, não agiu como se
estas fossem "debiloides", idiotas que mal conseguem
tartamudear no diminutivo, como a maioria dos escritores
especializados nesse tipo de literatura age. Tratou-as com a
dignidade e o respeito que elas merecem. Usou a verdadeira linguagem
delas: simples, é verdade, com reduzido vocabulário, mas clara e
por isso autêntica.
Lobato
coloca na boca de Dona Benta a seguinte observação sobre
literatura (citada por Alaor Barbosa em seu livro "O
Ficcionista Monteiro Lobato"): "Meus filhos, há duas
espécies de literatura, uma entre aspas e outra sem aspas. Eu gosto
desta e detesto aquela. A literatura sem aspas é a dos grandes
livros; e a com aspas é a dos livros que não valem nada. Se eu
digo: 'estava uma linda manhã de céu azul', estou fazendo
literatura sem aspas, da boa. Mas se eu digo: 'estava uma gloriosa
manhã de céu americanamente azul', eu faço 'literatura' da aspada
que merece pau".
Geralmente as pessoas que não sabem escrever, que
não têm as ideias muito ordenadas ou segurança no que expressam, é
que se valem desse tipo empolado (e imbecil) de texto. Em uma carta
que escreveu ao amigo Godofredo Rangel, em janeiro de 1904, quando
tinha 22 anos de idade, Monteiro Lobato definiu a sua opção pelo
significado real das palavras e sobretudo pela clareza. Afirmou: "Na
propriedade da expressão está a maior beleza; dizer 'chuva' quando
chove – 'sol' quando soleja. É a porca que entra exata na rosca do
parafuso".
O
escritor voltaria a ressaltar a mesma coisa, por intermédio da
personagem "Sintaxe", no livro "Emília no país da
gramática": "O que quero saber nesta cidade é de clareza
e mais clareza, porque a clareza é o sol da língua". Bela e
original expressão. E, no entanto, verdadeira. Sobre a exatidão, o
procedimento inteligente é o uso apropriado das palavras, colocadas
no lugar certo, e na hora certa. Lobato enumerou-a como a regra
básica número dois. Para não cometer deslizes de impropriedade,
leu, releu, pesquisou e analisou todo o dicionário de Caldas
Aulete.
Em
agosto de 1909, escreveu o seguinte ao amigo Godofredo Rangel: "O
que mais aprecio num estilo é a propriedade exata de cada palavra e
para isso temos que travar conhecimento pessoal, direto, com todos os
vocábulos, em demorada, pensada e meditada vocabulação
dicionarística. Só pelo conhecimento exato do valor de cada um é
que alcançamos aquela qualidade de estilo". Está aí um bom
roteiro para quem queira escrever bem e não passar vergonha. Ser
absolutamente claro no que pensa e deseja transmitir e usar as
palavras certas nos lugares adequados. E, sobretudo, ler, ler e ler,
concentrada e incansavelmente, bons escritores. Ou seja, os de textos
diretos, claros e, sobretudo, simples.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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