Tuesday, July 04, 2017

Quando se sabe

Pedro J. Bondaczuk

A arrogância, além de se constituir, em alguns casos, em grave distorção do caráter, é, via de regra, sério obstáculo ao nosso crescimento mental, moral, intelectual e, sobretudo, espiritual. Não me refiro à conotação, até positiva, que Aurélio Buarque de Holanda dá à palavra, em seu célebre dicionário, ou seja, “atitude altaneira”, “altivez”, “orgulho”, mas ao sentido negativo que também menciona, o da “insolência”. Nem quero tratar, igualmente, daquele comportamento arrogante eventual, não rotineiro, que de vez em quando nos acomete e que todos temos em algum momento da vida.

A arrogância a que me refiro é a habitual. É a do sujeito que se julga autossuficiente. É aquela do indivíduo que se acha onisciente, como se fosse Deus, que menospreza todas as outras pessoas, as considerando tolas e medíocres. Há muitos destes por aí, arrotando falsa cultura, a de almanaque, e que assumem postura de “sábios”, a despeito de serem carentes de sabedoria.

Pior é quando o sujeito “acha que sabe” alguma coisa, sem de fato saber, e que sai por aí dizendo os mais estapafúrdios disparates, que até uma criança recém-alfabetizada percebe que se trata de imensa bobagem. E pior ainda é quando tenta impor esse falso conhecimento, constrangendo interlocutores. Já tratei, tempos atrás, desse caso, ao abordar a questão do constrangimento.

É justo, válido e lícito que nos orgulhemos do que sabemos. Se adotarmos a postura do “você sabe determinado assunto, mas também sei”, não há nada de errado. Trata-se de mera e inocente constatação. Claro, se de fato soubermos do que está sendo tratado. O que é distorcido e descamba para a arrogância explícita é a afirmação (ou pior ainda, a convicção”): “eu sei e ninguém mais sabe”. É um juízo de valor baseado apenas numa presunção, ostensivamente falsa.

Pessoas que agem assim, vão ainda mais longe em seu atrevimento. Desmerecem o que não conhecem. Afirmam que se trata de “conhecimento inútil”, mesmo que sua utilidade seja consensual e ostensiva. Não têm a humildade de admitir seu desconhecimento. Por isso, óbvio, não se empenham em aprender. Consideram esse aprendizado desnecessário. Têm, por si próprias, uma adoração doentia, que descamba para a idolatria. E mesmo em relação ao que de fato sabem, agem de maneira pedante, humilhando os outros, embora esta não seja sua real intenção. São “viciadas” em arrogância.

O escritor e poeta Johann Wolfgang Goethe, clássico não somente da literatura alemã, mas de todo o mundo, constatou: “O que sabemos, sabemo-lo afinal para nós mesmos. Se falo com alguém daquilo que julgo saber, acontece que imediatamente ele supõe saber o assunto melhor do que eu, e sou obrigado a regressar a mim mesmo com o meu saber. O que sei bem, sei-o apenas para mim”.

O sujeito arrogante, contudo, não pensa assim. Acha que o acúmulo de conhecimentos é uma competição em que deva chegar sempre em primeiro lugar. Não busca aprender, apenas, o que lhe seja útil e prático, mas o que lhe pareça insólito e que, por isso, nenhuma outra pessoa se dará o trabalho de buscar conhecer.

Goethe escreveu mais: “No fundo só se sabe quando se sabe pouco. À medida que cresce o saber, cresce, igualmente, a dúvida”. Sinto inenarrável prazer em aprender tudo o que possa, sem me ater sequer ao critério da utilidade. Faço-o, porém, para ter esclarecimento pessoal e jamais para competir com quem quer que seja e muito menos para me exibir, como um mico de circo. Jamais tive a pretensão de me transformar num “poço de sabedoria” e se tivesse, estou seguro de que teria imensa frustração.

Ademais, procuro transmitir tudo o que aprendo a outras pessoas que queiram aprender, já que sou mortal e de nada vai me adiantar meu vasto acervo de conhecimentos face à morte. Se não passar tudo isso adiante, terá sido absolutamente inútil o tempo despendido nesse aprendizado. Afinal, meu cérebro irá apodrecer com o resto do meu corpo quando eu disser adeus ao mundo.

O sábio, pois, não é aquele que ostenta a maior quantidade de informações. Para nos informarmos razoavelmente, nas horas de precisão, basta que consultemos uma boa enciclopédia, sem precisar abarrotar a memória com nomes, datas, fórmulas etc. O grande princípio de sabedoria é saber o que fazer com o que se aprendeu, não importa o quanto. E, sobretudo, dar o devido valor a quem nos instruiu, já que o saber não nasce sozinho, por geração espontânea, em nosso cérebro: é posto ali por alguém.



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