Quando se sabe
Pedro J. Bondaczuk
A arrogância, além de se constituir, em alguns casos, em grave
distorção do caráter, é, via de regra, sério obstáculo ao nosso
crescimento mental, moral, intelectual e, sobretudo, espiritual. Não
me refiro à conotação, até positiva, que Aurélio Buarque de
Holanda dá à palavra, em seu célebre dicionário, ou seja,
“atitude altaneira”, “altivez”, “orgulho”, mas ao sentido
negativo que também menciona, o da “insolência”. Nem quero
tratar, igualmente, daquele comportamento arrogante eventual, não
rotineiro, que de vez em quando nos acomete e que todos temos em
algum momento da vida.
A arrogância a que me refiro é a habitual. É a do sujeito que se
julga autossuficiente. É aquela do indivíduo que se acha
onisciente, como se fosse Deus, que menospreza todas as outras
pessoas, as considerando tolas e medíocres. Há muitos destes por
aí, arrotando falsa cultura, a de almanaque, e que assumem postura
de “sábios”, a despeito de serem carentes de sabedoria.
Pior é quando o sujeito “acha que sabe” alguma coisa, sem de
fato saber, e que sai por aí dizendo os mais estapafúrdios
disparates, que até uma criança recém-alfabetizada percebe que se
trata de imensa bobagem. E pior ainda é quando tenta impor esse
falso conhecimento, constrangendo interlocutores. Já tratei, tempos
atrás, desse caso, ao abordar a questão do constrangimento.
É justo, válido e lícito que nos orgulhemos do que sabemos. Se
adotarmos a postura do “você sabe determinado assunto, mas também
sei”, não há nada de errado. Trata-se de mera e inocente
constatação. Claro, se de fato soubermos do que está sendo
tratado. O que é distorcido e descamba para a arrogância explícita
é a afirmação (ou pior ainda, a convicção”): “eu sei e
ninguém mais sabe”. É um juízo de valor baseado apenas numa
presunção, ostensivamente falsa.
Pessoas que agem assim, vão ainda mais longe em seu atrevimento.
Desmerecem o que não conhecem. Afirmam que se trata de “conhecimento
inútil”, mesmo que sua utilidade seja consensual e ostensiva. Não
têm a humildade de admitir seu desconhecimento. Por isso, óbvio,
não se empenham em aprender. Consideram esse aprendizado
desnecessário. Têm, por si próprias, uma adoração doentia, que
descamba para a idolatria. E mesmo em relação ao que de fato sabem,
agem de maneira pedante, humilhando os outros, embora esta não seja
sua real intenção. São “viciadas” em arrogância.
O escritor e poeta Johann Wolfgang Goethe, clássico não somente da
literatura alemã, mas de todo o mundo, constatou: “O que sabemos,
sabemo-lo afinal para nós mesmos. Se falo com alguém daquilo que
julgo saber, acontece que imediatamente ele supõe saber o assunto
melhor do que eu, e sou obrigado a regressar a mim mesmo com o meu
saber. O que sei bem, sei-o apenas para mim”.
O sujeito arrogante, contudo, não pensa assim. Acha que o acúmulo
de conhecimentos é uma competição em que deva chegar sempre em
primeiro lugar. Não busca aprender, apenas, o que lhe seja útil e
prático, mas o que lhe pareça insólito e que, por isso, nenhuma
outra pessoa se dará o trabalho de buscar conhecer.
Goethe escreveu mais: “No fundo só se sabe quando se sabe pouco. À
medida que cresce o saber, cresce, igualmente, a dúvida”. Sinto
inenarrável prazer em aprender tudo o que possa, sem me ater sequer
ao critério da utilidade. Faço-o, porém, para ter esclarecimento
pessoal e jamais para competir com quem quer que seja e muito menos
para me exibir, como um mico de circo. Jamais tive a pretensão de me
transformar num “poço de sabedoria” e se tivesse, estou seguro
de que teria imensa frustração.
Ademais, procuro transmitir tudo o que aprendo a outras pessoas que
queiram aprender, já que sou mortal e de nada vai me adiantar meu
vasto acervo de conhecimentos face à morte. Se não passar tudo isso
adiante, terá sido absolutamente inútil o tempo despendido nesse
aprendizado. Afinal, meu cérebro irá apodrecer com o resto do meu
corpo quando eu disser adeus ao mundo.
O sábio, pois, não é aquele que ostenta a maior quantidade de
informações. Para nos informarmos razoavelmente, nas horas de
precisão, basta que consultemos uma boa enciclopédia, sem precisar
abarrotar a memória com nomes, datas, fórmulas etc. O grande
princípio de sabedoria é saber o que fazer com o que se aprendeu,
não importa o quanto. E, sobretudo, dar o devido valor a quem nos
instruiu, já que o saber não nasce sozinho, por geração
espontânea, em nosso cérebro: é posto ali por alguém.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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