Monday, July 03, 2017

O maior romancista

Pedro J. Bondaczuk

As pessoas (e me incluo entre elas, claro) têm o péssimo hábito de avaliar o desempenho alheio, nas mais variadas atividades, de forma puramente emocional. Quem já não ouviu dizer (ou não disse), por exemplo, que Pelé é o maior jogador de futebol de todos os tempos (os argentinos diziam que foi Diego Maradona e hoje dizem que é Messi, mas os portugueses garantem que é o Cristiano Ronaldo)? Eu já fiz essa afirmativa zilhões de vezes.

Ou quem não se manifestou de forma idêntica em relação a Michael Jordan, “mago” do basquete, ou ao jamaicano Usain Bolt, atualmente o homem mais rápido do mundo no atletismo? Onde o erro dessa avaliação? A falha reside no fato de não haver qualquer parâmetro exato e infalível a respeito. Eu simplificaria um pouco a afirmação e, em vez de dizer “o maior”, diria “um dos maiores”. Com isso, ficam abertas as possibilidades de superação, sem arranhar os méritos de quem já consumou suas conquistas.

Você afirma (ou já ouviu alguém afirmar) que fulano é o maior estadista da História. Muito bem. E você conhece todos os demais? Tem, ao menos, conhecimento profundo, íntimo e não somente o superficial, colhido ao acaso no noticiário da imprensa, sobre o que você elegeu como o “super dos supers”? Óbvio que não!

Então, por que se arriscar a fazer uma avaliação desse tipo? Se você disser que ele é “um dos maiores estadistas”, mesmo que estiver errado, seu erro já não será tão grande. O mesmo raciocínio vale para os maiorais das artes, da ciência, da filosofia etc.etc.etc.

Em papo com os amigos, em rodinhas de bar, costumo fazer provocações com perguntas do tipo: “qual foi melhor romancista, Leon Tolstoi, Fedor Dostoievski ou Honoré de Balzac”? Esse questionamento rende horas, dias, quando não semanas de acesas discussões, sem que se chegue a conclusão alguma. Não passam de inócuo bla-bla-blá.

Por que? Pelo simples fato de não se poder comparar pessoas, talentos ou coisas desiguais. Cada um desses escritores foi excelente em sua especialidade. Os três citados têm estilos, realidades de vida e concepções literárias muito diferentes um do outro. E qual a razão objetiva de se buscar determinar suposta superioridade de um sobre o outro? Nenhuma! E há algum parâmetro infalível, que não seja o mero gosto pessoal (e assim mesmo esse é sumamente volúvel e muda de um dia para outro), para aferir não somente capacidades, mas obras completas? Claro que não!

Faço esse tipo de questionamento de propósito. Claro que não espero obter, com isso, a mínima resposta conclusiva. Jamais a obtive, obterei ou obteria. Não faz muito, fiz a mesma provocação, mas em relação a Machado de Assis e João Guimarães Rosa. O resultado, evidentemente, foi o mesmíssimo. Afinal, esses escritores têm biografias, realidades, temáticas e estilos absolutamente diferentes. E não se pode dizer, nem precipitadamente, para se arrepender depois, que um tenha sido melhor do que o outro. Ambos sequer foram contemporâneos.

Uma coisa, porém, é levantar esse tipo de questionamento em rodinhas de bar e outra é levá-lo para o âmbito acadêmico (como muitos fazem). Aí já considero o suprassumo da injustiça e da irresponsabilidade. Por mais talentosa que uma pessoa seja em sua atividade, nada me credencia a afirmar que amanhã não apareça outra que seja considerada superior (mesmo sem o ser).

Sem deixar de reconhecer os incontestáveis méritos e nem desmerecer suas realizações, o que me credencia a dizer, com irrestrita convicção, que amanhã não irá aparecer outro atleta considerado (com todas as restrições que já fiz neste texto), mais talentoso e mais habilidoso do que Pelé, ou do que Michael Jordan ou do que Usain Bolt, em suas respectivas modalidades? E quem garante que estes, por sua vez, não venham, também, a ser superados em seus feitos por outros, e assim sucessivamente? Ninguém, obviamente!

Há, contudo, uma e uma única exceção e esta se refere (por paradoxal que pareça) a romancistas. Por que esta admiração, paciente leitor?! Não, não estou sendo contraditório. Aliás, para não dizerem que me desdisse, recorro aos préstimos de Honoré de Balzac.

O ilustre escritor apontou, sem titubear, o maior romancista do mundo. Por modéstia, talvez, não disse que era ele. Seria algum francês (Hugo, quem sabe)? Seria russo, norte-americano, inglês ou japonês? Não! E nem brasileiro.

Balzac assegurou: “O acaso é o maior romancista do mundo; para ser fecundo, basta estudá-lo”. Eureka!!! Aí, já sou obrigado a concordar. A própria experiência pessoal me indica que ele tem plena razão. E, aliás, desmente a afirmação que a todo o momento ouço por aí, de que “nada acontece por acaso”. Sou tentado a dizer que o que ocorre é exatamente o inverso. Ou seja, que “tudo” é casual..Ou você tem dúvida a respeito, meu paciente, compreensivo e fiel leitor?



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