Friday, July 07, 2017

Presunção e desconfiança


Pedro J. Bondaczuk


As pessoas que passam, casualmente ou não, por nossas vidas – a maioria sem deixar a mínima marca da sua passagem – são incontáveis. Muitas, no entanto, tornam-se fundamentais, quando não decisivas, para nós, no aspecto positivo ou no negativo. Algumas nos despertam amor, outras ira, outras, ainda, piedade e assim por diante.

A importância da nossa postura, nesses relacionamentos, mesmo que fortuitos, é fundamental. Tanto podemos ser decisivos na vida de alguém, imprescindíveis para a sua felicidade, quanto nos constituirmos em uma grande desgraça para ele. Daí a necessidade de sermos sempre gentis, solidários, construtivos e bem-humorados.

Mas há pessoas que são afetadas por natureza e procuram mostrar, invariavelmente – em conversas e, principalmente, em atos – que são mais do que de fato são. A todo o momento, caem em ridículo, mas não se emendam. Continuam achando que são superiores a tudo e a todos. Quando alertadas a respeito, mostram afetação ainda maior, tornando-se desagradáveis, ou melhor, insuportáveis, e nem se dão conta disso. São o que o vulgo chama de “chatos”. Pedantes, convencidas, essas pessoas assumem ares de oniscientes e irritam o mais calmo dos calmos cidadãos.

Haveria como determinar tipos de personalidade, como o ideal e o pernicioso? Existe alguma forma do indivíduo moldar seu caráter ou este é produto da educação e do meio em que vive e, portanto, mera fatalidade? As opiniões a respeito divergem. Muitos educadores entendem que a moldagem do caráter e, principalmente, da personalidade, é possível e a vontade tem um papel determinante nessa tarefa. Outros, por sua vez, acham que não. Prefiro ficar neutro nessa questão.

Há dois tipos de pessoas particularmente muito desagradáveis e cuja companhia procuro evitar, sempre que posso: o presunçoso e o desconfiado. O primeiro é o sujeito arrogante que acha que sabe tudo e que é melhor do que os outros. O segundo, desconfia de tudo e de todos e, claro, é um solitário, já que ninguém aceita ser companheiro de quem desconfie dele.

O filósofo estoico grego Epicteto, que passou a maior parte da sua vida em Roma, chegou ao exagero de afirmar: “Para que o homem fosse perfeito, seria bastante lhe tirar duas coisas: a presunção e a desconfiança”. Há duas falhas básicas em seu raciocínio. Primeira: a perfeição é interdita ao homem. Ninguém é, foi ou será perfeito, pode-se afirmar com segurança. Segunda: há defeitos muito mais graves do que esses, impedindo as pessoas de serem perfeitas.

Mas de uma coisa não tenho dúvidas: extirpando-se estas duas deficiências de caráter, o homem seria muito melhor do que é. Ai dos arrogantes, que se julgam donos da verdade! Ai dos convencidos, que acham que são proprietários do mundo, se alienando da realidade! Ai dos que vivem com o nariz empinado, arrotando uma auto suficiência que na verdade não possuem! Estes vão aprender lições de humildade por métodos mais dolorosos do que pensam.

É verdade que julgar emoções alheias só por reações externas, como gestos, expressões e, principalmente, palavras, é inútil e não raro nos leva a cometer injustiças. Elogios enfáticos, por exemplo, que, muitas vezes, recebemos pelo que somos ou fazemos, nem sempre (ou quase nunca) refletem os reais sentimentos dos que elogiam. Carecem de sinceridade, mas não temos como saber se são sinceros ou falsos.

Não raro o que não diz nada a nosso respeito, e que parece ter permanecido indiferente à nossa pessoa e nossos feitos, é exatamente o que mais os apreciou e valorizou. Anos depois, descobrimos isso. Mas já pode ser tarde para repararmos a injustiça de havermos pensado mal do nosso real (e às vezes único) admirador.

O poeta dominicano, Fábio Fiallo, compôs estes enfáticos versos, no poema “Menos eu”, que ilustram a caráter a inadequação do julgamento de uma pessoa apenas por seus gestos exteriores:

Deslumbradora de beleza e graça,
no átrio do templo apareceu,
e todos, à passagem, se inclinaram,
menos eu.

E tranqüilo, depois, indiferente,
à sua morada cada qual voltou,
e indiferentes vivem e tranqüilos,
todos, todos menos eu”.

Pois é, há ocasiões em que “todos” se curvam ante o presunçoso, inflando em demasia o seu ego. Há situações em que “todos” dão certo desconto aos desconfiados, por entenderem que o cotidiano não comporta irrestrita confiança em ninguém. Confiar, por completo, é perigoso mesmo, embora achemos que conhecemos bem as pessoas em que confiamos. Nunca conhecemos. Todos podem adotar essa atitude, em determinadas circunstâncias. Todos... menos eu! E quem pode me garantir que não estou sendo presunçoso e desconfiado? Ou assegurar o contrário?



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