Presunção e desconfiança
Pedro J. Bondaczuk
As pessoas que passam,
casualmente ou não, por nossas vidas – a maioria sem deixar a
mínima marca da sua passagem – são incontáveis. Muitas, no
entanto, tornam-se fundamentais, quando não decisivas, para nós, no
aspecto positivo ou no negativo. Algumas nos despertam amor, outras
ira, outras, ainda, piedade e assim por diante.
A importância da nossa
postura, nesses relacionamentos, mesmo que fortuitos, é fundamental.
Tanto podemos ser decisivos na vida de alguém, imprescindíveis para
a sua felicidade, quanto nos constituirmos em uma grande desgraça
para ele. Daí a necessidade de sermos sempre gentis, solidários,
construtivos e bem-humorados.
Mas há pessoas que são
afetadas por natureza e procuram mostrar, invariavelmente – em
conversas e, principalmente, em atos – que são mais do que de fato
são. A todo o momento, caem em ridículo, mas não se emendam.
Continuam achando que são superiores a tudo e a todos. Quando
alertadas a respeito, mostram afetação ainda maior, tornando-se
desagradáveis, ou melhor, insuportáveis, e nem se dão conta disso.
São o que o vulgo chama de “chatos”. Pedantes, convencidas,
essas pessoas assumem ares de oniscientes e irritam o mais calmo dos
calmos cidadãos.
Haveria como determinar tipos
de personalidade, como o ideal e o pernicioso? Existe alguma forma do
indivíduo moldar seu caráter ou este é produto da educação e do
meio em que vive e, portanto, mera fatalidade? As opiniões a
respeito divergem. Muitos educadores entendem que a moldagem do
caráter e, principalmente, da personalidade, é possível e a
vontade tem um papel determinante nessa tarefa. Outros, por sua vez,
acham que não. Prefiro ficar neutro nessa questão.
Há dois tipos de pessoas
particularmente muito desagradáveis e cuja companhia procuro evitar,
sempre que posso: o presunçoso e o desconfiado. O primeiro é o
sujeito arrogante que acha que sabe tudo e que é melhor do que os
outros. O segundo, desconfia de tudo e de todos e, claro, é um
solitário, já que ninguém aceita ser companheiro de quem desconfie
dele.
O filósofo estoico grego
Epicteto, que passou a maior parte da sua vida em Roma, chegou ao
exagero de afirmar: “Para que o homem fosse perfeito, seria
bastante lhe tirar duas coisas: a presunção e a desconfiança”.
Há duas falhas básicas em seu raciocínio. Primeira: a perfeição
é interdita ao homem. Ninguém é, foi ou será perfeito, pode-se
afirmar com segurança. Segunda: há defeitos muito mais graves do
que esses, impedindo as pessoas de serem perfeitas.
Mas de uma coisa não tenho
dúvidas: extirpando-se estas duas deficiências de caráter, o homem
seria muito melhor do que é. Ai
dos arrogantes, que se julgam donos da verdade! Ai dos convencidos,
que acham que são proprietários do mundo, se alienando da
realidade! Ai dos que vivem com o nariz empinado, arrotando uma auto
suficiência que na verdade não possuem! Estes vão aprender lições
de humildade por métodos mais dolorosos do que pensam.
É verdade que julgar emoções
alheias só por reações externas, como gestos, expressões e,
principalmente, palavras, é inútil e não raro nos leva a cometer
injustiças. Elogios enfáticos, por exemplo, que, muitas vezes,
recebemos pelo que somos ou fazemos, nem sempre (ou quase nunca)
refletem os reais sentimentos dos que elogiam. Carecem de
sinceridade, mas não temos como saber se são sinceros ou falsos.
Não raro o que não diz nada
a nosso respeito, e que parece ter permanecido indiferente à nossa
pessoa e nossos feitos, é exatamente o que mais os apreciou e
valorizou. Anos depois, descobrimos isso. Mas já pode ser tarde para
repararmos a injustiça de havermos pensado mal do nosso real (e às
vezes único) admirador.
O poeta dominicano, Fábio
Fiallo, compôs estes enfáticos versos, no poema “Menos eu”, que
ilustram a caráter a inadequação do julgamento de uma pessoa
apenas por seus gestos exteriores:
“Deslumbradora de beleza e
graça,
no átrio do templo apareceu,
e todos, à passagem, se
inclinaram,
menos eu.
E tranqüilo, depois,
indiferente,
à sua morada cada qual
voltou,
e indiferentes vivem e
tranqüilos,
todos, todos menos eu”.
Pois é, há ocasiões em que
“todos” se curvam ante o presunçoso, inflando em demasia o seu
ego. Há situações em que “todos” dão certo desconto aos
desconfiados, por entenderem que o cotidiano não comporta irrestrita
confiança em ninguém. Confiar, por completo, é perigoso mesmo,
embora achemos que conhecemos bem as pessoas em que confiamos. Nunca
conhecemos. Todos podem adotar essa atitude, em determinadas
circunstâncias. Todos... menos eu! E quem pode me garantir que não
estou sendo presunçoso e desconfiado? Ou assegurar o contrário?
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