Querer e poder
Pedro J. Bondaczuk
A História da humanidade, infelizmente, foi escrita com sangue,
muito sangue, derramado em nome de ideais supostamente nobres, mas
que, na verdade, escondiam interesses inconfessáveis. Daí as
contradições do nosso tempo no relacionamento das pessoas. Daí
haver tanta cobiça, maldade, violência, ignorância, corrupção e
injustiças pelo mundo afora. E as coisas só não são piores,
porque homens generosos e sábios nos legaram ideias, conceitos e
valores eternizados pelo tempo.
Os pensadores é que deveriam ser exaltados pelos historiadores, não
os tiranos, os generais, os soldados e os semeadores de morte e de
destruição. Destruir pessoas e obras nunca foi heroísmo. A
possibilidade de pensar é uma das prerrogativas mais nobres que
temos e, ao mesmo tempo, é um dever.
Compete-nos contribuir para a solução dos grandes problemas que
afligem a humanidade. Há, contudo, os que não “querem” pensar,
aferrados a pensamentos alheios, que colocam como dogmas. São os
fanáticos, que impedem, com sua falta de visão, o progresso dos
povos.
Há, por outro lado, os que não “podem” exercer essa
prerrogativa, por deficiência mental. São os loucos e idiotas, que
não têm culpa desses males e aos quais se perdoa essa falta de
raciocínio. Mas não “ousar” pensar é o delito dos delitos.
Significa omissão. E o omisso é um parasita, que sempre depende que
outros façam o que lhe caberia fazer.
Não raro lamentamos obstáculos e dificuldades que temos que
enfrentar durante a vida e lhes atribuímos eventuais fracassos, o
que é um álibi sem nenhuma consistência. A atitude mais correta é
a de considerarmos esses “acidentes de percurso” como
privilégios, pois se tratam de desafios a vencer e que, superados,
valorizam nossas conquistas.
Mesmo que não venhamos a nos dar conta, temos forças físicas e/ou
mentais para superar qualquer barreira. Para isso, fomos dotados de
inteligência, arma irresistível quando utilizada com competência e
persistência. Obstáculos e dificuldades são testes aos nossos
limites, que nunca sabemos, a priori, quais são.
Deveríamos “visitar-nos” com mais freqüência, se possível
diariamente. Deveríamos penetrar em nosso íntimo e conferir o que,
de fato, somos, pensamos e queremos. Raros são os que fazem esse
saudável exercício. Por isso, não se conhecem. Manda a prudência
que façamos balanço permanente dos nossos pensamentos e sentimentos
e que renovemos, dia a dia, o “estoque” de idéias, descartando
as ineficazes e colhendo, onde for possível, as nobres, positivas,
eficientes e construtivas.
O ato de escrever proporciona essa oportunidade. É uma
responsabilidade imensa esse exercício de registrar conceitos e
emoções para transmitir ao próximo. Afinal, o texto tende a nos
sobreviver por dias, meses, anos, não raro por séculos e até
milênios após a nossa morte, dependendo da sua qualidade e das
circunstâncias. Pode tanto testemunhar a nosso favor, quanto depor
contra nós.
As ações podem ser ditadas ou pela razão, ou pela emoção, embora
ambas não sejam excludentes. O ideal é que sejam sempre
construtivas e que tenham esses dois componentes da nossa alma
atuando em conjunto. Atos ditados somente pela razão tendem a ser
frios e, muitas vezes, ferir suscetibilidades. Se movidos, apenas,
pela emoção, podem ser ilógicos e até destrutivos.
As ações puramente racionais são, quase sempre, previsíveis.
Afinal, são ditadas, somente, pela lógica. Já as emocionais, têm
característica oposta. Ou seja, são inesperadas e, portanto,
imprevisíveis. Os atos mais eficazes, construtivos e duradouros, no
entanto, são os ditados pelo coração, mas coordenados pela razão.
Ambas devem caminhar sempre juntas.
Todavia, se por algum motivo tiver que optar por qualquer dessas
características, que se escolha a primeira. Pois, para mim (e para
Machado de Assis), “o coração é a região do inesperado”, quer
para o bem, quer para o mal.
É certo que querer é poder. Essa vontade, todavia, precisa ser
prática, acompanhada de ações. Não basta só desejar alguma
coisa: é preciso lutar por ela, agir positivamente para a sua
obtenção, ser veemente e perseverante em sua tentativa. É verdade
que muitas vezes (diria, a maioria), por mais que nos empenhemos, não
somos bem-sucedidos. Seria isso uma derrota? Não considero assim.
Há circunstâncias que anulam todos nossos esforços e nos impedem
de transformar o querer em poder. Isso, no entanto, não pode ser
considerado fracasso. Porque, mesmo não atingindo o objetivo
principal, em nosso empenho para consegui-lo, faremos coisas
admiráveis, que não conseguiríamos se não nos empenhássemos
tanto. E isso faz qualquer esforço valer a pena.
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