Luta pela identidade
Pedro J. Bondaczuk
Os tempos atuais, em que os recursos para se obter informações,
praticamente de todos os campos da atividade humana, abundam,
estabelecem um estranho e contundente paradoxo: nunca, na história
da humanidade, houve tantas pessoas alienadas, sem consciência
sequer de si mesmas, como agora.
Um dos problemas que mais afligem os antropólogos, por exemplo, é o
que se refere à individualidade. É possível que ela seja
estabelecida e delimitada, numa época em que há tanta gente no
mundo (7,6 bilhões de habitantes) e que se está sob tanta
influência externa, ditada pelos veículos de comunicação em
massa? Em tese, a resposta é sim. Na prática, porém…
Não somos livres, como às vezes pensamos. Temos que prestar contas
a alguém desde o nascimento, até a morte: aos pais, aos irmãos,
aos professores, aos cônjuges, aos filhos, aos chefes, à justiça,
à sociedade, ao país e vai por aí afora. Pensamos o que nos
induzem a pensar e fazemos o que nos coagem a fazer, através de
artifícios como moral, costumes, tradições, leis etc.
O homem, no atual estágio de desenvolvimento, a despeito dos avanços
científicos e tecnológicos que obteve, em termos de consciência,
ainda é aquele mesmo ser selvagem e rude que habitava as cavernas
primitivas, com a mente cheia de fantasias, terrores e mitos e,
notadamente, de superstições. O processo de evolução está,
ainda, em pleno andamento e em seu estágio inicial. Leva milhares,
senão milhões de anos, para que mudanças físicas, psicológicas
ou comportamentais sejam perceptíveis. E a espécie, em termos de
comparação com o universo e com este planetazinho do Sistema Solar,
é recém-nascida, com alguns parcos milênios de existência.
Para que desenvolva o “eu”, o homem precisa ser educado a
reconhecer que sequer sobreviverá se não compreender e não aceitar
o “tu”. Trata-se de longo e penoso processo de educação, que
ainda sequer começou e que, ademais, não oferece nenhuma garantia
de sucesso. O homem, por enquanto, nem mesmo aprendeu, ainda, a
dominar seus instintos de fera (como o impulso sexual, por exemplo,
do qual se utiliza de forma irresponsável e cuja conseqüência
imediata é a indesejável superpopulação) colocando-os sob a
rígida administração da razão.
Não se conscientizou, sequer, do que os animais irracionais já
praticam, instintivamente, desde o surgimento da vida na Terra. Ou
seja, a preservação do seu espaço vital, se multiplicando de forma
muito mais racional do que o suposto Homo Sapiens. O homem não se
deu conta que é impossível transgredir quaisquer leis da natureza
sem que haja um futuro castigo, inexorável e inevitável, por essa
transgressão.
Em termos de mentalidade, o ser humano, enquanto espécie, não
evoluiu praticamente nada em relação ao ancestral das cavernas,
embora, individualmente, alguns indivíduos beirem a compreensão do
óbvio. A esmagadora maioria dos 7,6 bilhões de pessoas, porém,
permanece doce e ilusoriamente alienada, a despeito, reitero, dos
sofisticados meios de informação existentes.
Há os que buscam estabelecer a identidade mediante a aparência: na
indumentária que usam, no corte de cabelo, na barba (deixando-a
comprida ou raspando-a), tatuando o corpo etc. Não tarda, porém,
para que tudo isso vire moda e se massifique. E lá se vai a tal da
identidade física para o espaço. Isso, quando a pessoa que se julga
original, por esse comportamento, não imita, até inconscientemente,
alguém (o que é mais provável), um cantor de rock, um ator de
cinema ou um astro do esporte, sem que se dê conta.
E aqui surge outro paradoxo: não há, no mundo todo (e,
provavelmente nunca houve), dois seres humanos rigorosamente iguais
no aspecto morfológico. Há, é certo, semelhanças. Igualdade?
Jamais! Ela não existe nem entre gêmeos univitelinos, aparentemente
“cópias” um do outro.
A natureza, portanto, se encarrega de estabelecer a identidade, pelo
menos no que se refere à “aparência” exterior. No
comportamento, nas ideias e nas ações, porém... Tudo se mistura,
se padroniza e se massifica. E nunca se sabe quem copia quem e
porque.
Não raro sou tentado a achar que as ideias que trago a debate, neste
espaço, por exemplo, são exclusivamente minhas e absolutamente
originais. Rigorosamente, não são. Colhi-as, aqui, ali e acolá, em
leituras, conversas, no rádio, na TV, no cinema ou sabe-se lá de
que forma, sem que me desse conta.
Dei-lhes, é verdade, algumas “espanadas” para tirar o pó do
tempo. Passei-lhes uma camada superficial de “verniz” da minha
personalidade. Mas nunca poderei me apropriar delas e afirmar que são
minhas, saídas do nada, como num passe de mágica. A rigor, ninguém
pode. Ademais, é provável que alguém, no Burundi, no Cazaquistão,
nas Ilhas Salomão ou em qualquer recanto remoto e ignorado do
Planeta, pense, exatamente, a mesmíssima coisa que eu e que também
se julgue “original”. E, claro, igualmente não é.
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