É ingênuo querer destruir o
Estado
Pedro J. Bondaczuk
O presidente soviético,
Mikhail Gorbachev, quando lançou sua perestroika, certamente
esperava encontrar barreiras imensas à sua frente. Contava com o
ressurgimento do nacionalismo entre as mais de 100 etnias do país,
tanto é que mencionou a questão no livro em que consolidou suas
idéias reformistas.
Todavia, certamente deve estar
surpreso com a sabotagem a seu programa vinda exatamente dos que,
quando de seu lançamento, se disseram seus mais fervorosos adeptos.
Neste caso específico está o populista russo Bóris Yeltsin, cuja
popularidade é conseqüência direta da abertura.
Manifestações como a de
quinta-feira, em Moscou, e a do dia 10 passado, seriam absolutamente
inconcebíveis até mesmo em fins de 1990, quanto mais num período
anterior.
No afã de pôr fim, de vez,
ao regime totalitário, de partido único, que dirigiu com extrema
incompetência os destinos da União Soviética nos últimos 70 anos,
alguns ativistas mais afoitos tentam destruir até mesmo o Estado,
como se isso fosse possível ou desejável.
O gigantismo estatal é,
evidentemente, pernicioso e aberrativo. Mas não se pode raciocinar
em extremos. Afinal, como diz o chavão, "a virtude está no
meio". A ausência de uma estrutura organizacional só teria
como resultado o caos. Impossibilitaria a existência de uma
sociedade civilizada. Trata-se de um princípio elementar, até mesmo
primário. Mas o Estado deve ser controlado para servir o homem e não
se servir dele.
O francês Fernand Braudel
advertiu a esse respeito: "O Estado, o capitalismo, a
civilização, a sociedade existem desde sempre. O homem é uma
colméia, com a diferença que as abelhas-operárias se podem casar e
ter filhas --- e não existe grupo humano que, ao se aglomerar, não
crie poder. A sociedade fabrica automaticamente sua hierarquia: a
pirâmide. Querer suprimi-la é perda de tempo. Se esta se desfizesse
seria, para o historiador, uma maravilhosa ocasião de compreensão".
O ideal, para a União
Soviética e para o mundo, é que as reformas de Gorbachev ocorram no
tempo certo e dêem resultados palpáveis imediatos. Todavia, para
que isso ocorra é necessário contar com um fator imponderável a
seu favor: a paciência e a compreensão populares. É preciso que
haja a capacidade para suportar decadência no padrão de vida, o
desemprego e os conflitos sociais que acompanham tudo isso.
O presidente precisa exercer
liderança de fato, consentida, e não forçada. Deve conseguir a
"cumplicidade" do povo para seu projeto reformista. Precisa
contar com a confiança total e irrestrita em sua competência e bom
senso, o que não vem ocorrendo. Por isso, está se verificando um
perigoso vazio de poder.
O ensaísta francês Alain
Minc constata: "Vivemos a partir de agora ao lado de um
gigantesco buraco negro: na Lituânia, em Vilnius, na Letônia e em
outros lugares não é a ordem stalinista que ressurge, ao contrário
do que se pretende, mas a desordem. A Rússia ressurge sob o duplo
aspecto de uma potência nuclear e de um país do Terceiro Mundo
próximo do grau zero da economia, com um poder central debilitado e
uma ascensão do nacionalismo eslavo. Seu futuro resume-se a duas
hipóteses: o caos quase equilibrado à brasileira ou o caos
simplesmente irracional desta vez, que nos arrasta para o
desconhecido como, por exemplo, um Saddam eslavo". Evitar tudo
isso é a tarefa prioritária de Gorbachev. Mas, como?
(Artigo publicado na página
18, Internacional, do Correio Popular, em 31 de março de 1991).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment