Wednesday, July 05, 2017

É ingênuo querer destruir o Estado


Pedro J. Bondaczuk


O presidente soviético, Mikhail Gorbachev, quando lançou sua perestroika, certamente esperava encontrar barreiras imensas à sua frente. Contava com o ressurgimento do nacionalismo entre as mais de 100 etnias do país, tanto é que mencionou a questão no livro em que consolidou suas idéias reformistas.

Todavia, certamente deve estar surpreso com a sabotagem a seu programa vinda exatamente dos que, quando de seu lançamento, se disseram seus mais fervorosos adeptos. Neste caso específico está o populista russo Bóris Yeltsin, cuja popularidade é conseqüência direta da abertura.

Manifestações como a de quinta-feira, em Moscou, e a do dia 10 passado, seriam absolutamente inconcebíveis até mesmo em fins de 1990, quanto mais num período anterior.

No afã de pôr fim, de vez, ao regime totalitário, de partido único, que dirigiu com extrema incompetência os destinos da União Soviética nos últimos 70 anos, alguns ativistas mais afoitos tentam destruir até mesmo o Estado, como se isso fosse possível ou desejável.

O gigantismo estatal é, evidentemente, pernicioso e aberrativo. Mas não se pode raciocinar em extremos. Afinal, como diz o chavão, "a virtude está no meio". A ausência de uma estrutura organizacional só teria como resultado o caos. Impossibilitaria a existência de uma sociedade civilizada. Trata-se de um princípio elementar, até mesmo primário. Mas o Estado deve ser controlado para servir o homem e não se servir dele.

O francês Fernand Braudel advertiu a esse respeito: "O Estado, o capitalismo, a civilização, a sociedade existem desde sempre. O homem é uma colméia, com a diferença que as abelhas-operárias se podem casar e ter filhas --- e não existe grupo humano que, ao se aglomerar, não crie poder. A sociedade fabrica automaticamente sua hierarquia: a pirâmide. Querer suprimi-la é perda de tempo. Se esta se desfizesse seria, para o historiador, uma maravilhosa ocasião de compreensão".

O ideal, para a União Soviética e para o mundo, é que as reformas de Gorbachev ocorram no tempo certo e dêem resultados palpáveis imediatos. Todavia, para que isso ocorra é necessário contar com um fator imponderável a seu favor: a paciência e a compreensão populares. É preciso que haja a capacidade para suportar decadência no padrão de vida, o desemprego e os conflitos sociais que acompanham tudo isso.

O presidente precisa exercer liderança de fato, consentida, e não forçada. Deve conseguir a "cumplicidade" do povo para seu projeto reformista. Precisa contar com a confiança total e irrestrita em sua competência e bom senso, o que não vem ocorrendo. Por isso, está se verificando um perigoso vazio de poder.

O ensaísta francês Alain Minc constata: "Vivemos a partir de agora ao lado de um gigantesco buraco negro: na Lituânia, em Vilnius, na Letônia e em outros lugares não é a ordem stalinista que ressurge, ao contrário do que se pretende, mas a desordem. A Rússia ressurge sob o duplo aspecto de uma potência nuclear e de um país do Terceiro Mundo próximo do grau zero da economia, com um poder central debilitado e uma ascensão do nacionalismo eslavo. Seu futuro resume-se a duas hipóteses: o caos quase equilibrado à brasileira ou o caos simplesmente irracional desta vez, que nos arrasta para o desconhecido como, por exemplo, um Saddam eslavo". Evitar tudo isso é a tarefa prioritária de Gorbachev. Mas, como?

(Artigo publicado na página 18, Internacional, do Correio Popular, em 31 de março de 1991).



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